Um estudo publicado em 2010 na revista Science, que afirmava a descoberta de um microrganismo capaz de sobreviver substituindo fósforo por arsênio, foi oficialmente retratado nesta quinta-feira (24). A decisão da revista encerra um dos episódios mais controversos da ciência recente, envolvendo disputas acadêmicas, críticas nas redes sociais e o questionamento da integridade de pesquisadores.
A retratação ocorre 15 anos após a publicação original, que sugeria que a bactéria GFAJ-1, encontrada no lago Mono, na Califórnia, poderia alterar o entendimento sobre os elementos essenciais à vida. A afirmação, na época amplamente divulgada em uma coletiva da NASA, foi duramente criticada por especialistas e se tornou um exemplo emblemático da fragilidade do debate científico em meio ao crescimento das redes sociais.

Uma hipótese fora dos padrões conhecidos
- O artigo de 2010 descrevia que a bactéria GFAJ-1 seria capaz de substituir fósforo por arsênio, elemento altamente tóxico, em sua estrutura molecular.
- Se confirmada, a descoberta significaria que a vida poderia se basear em uma bioquímica alternativa, com possíveis implicações para a astrobiologia e a busca por vida fora da Terra.
- Entretanto, desde a divulgação do estudo, diversos pesquisadores levantaram dúvidas quanto à metodologia empregada e à possibilidade de contaminação das amostras.
- Ainda em 2012, tentativas de replicar os resultados não tiveram sucesso, o que enfraqueceu a hipótese inicial.

Pressão crescente e mudanças editoriais
Apesar das críticas, a revista Science optou por não retratar o artigo na época, publicando apenas notas técnicas e respostas dos autores. A postura mudou em 2024, após uma reportagem do New York Times reacender o debate. Segundo Holden Thorp, editor-chefe da Science, a intenção era encerrar um episódio que persistia na memória científica. “Se quisermos deixar de falar sobre isso para sempre, precisávamos tomar alguma providência”, disse ao NYT.
A decisão da revista foi tomada sem acusação de má conduta ou fraude. Em nota, a Science afirmou que passou a considerar a retratação como apropriada em casos de falha experimental, mesmo sem evidências de manipulação. Segundo a publicação, o estudo sobre o micróbio foi um dos dez casos em que essa nova política foi aplicada desde 2019.

Reação dos autores e da NASA
A principal autora do estudo, Felisa Wolfe-Simon, afirmou que resistiu à proposta de retratação desde o início. “Listei todas as razões pelas quais não estava interessada em iniciar uma retratação”, relatou ao NYT, sobre sua resposta a um e-mail enviado pela revista em novembro de 2024. A NASA, que financiou parte da pesquisa, também se posicionou contra a decisão editorial.
Nicky Fox, administradora associada da diretoria de missões científicas da NASA, declarou que a retratação rompe com os padrões científicos atuais. “A mudança de política da Science para retratar publicações devido a desconexões entre os dados e as conclusões publicadas é sem precedentes”, disse ao NYT.
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Os autores afirmam que responderam às críticas técnicas publicadas à época e contestam a validade das replicações que falharam. Eles também criticam o destaque dado pela revista a uma possível contaminação por arsênio nas amostras, apontada apenas em um post no blog editorial, e não no texto oficial da retratação.
Ariel Anbar, coautor do estudo e professor da Universidade Estadual do Arizona, reconhece que os editores não apontaram má conduta, mas questiona o modo como a Science apresentou os argumentos contra o artigo. “Disputas sobre as conclusões dos artigos fazem parte do processo científico”, disseram os autores em carta publicada junto à retratação.
Críticos à decisão da revista alertam para os possíveis impactos no meio científico. Para David Draper, ex-cientista-chefe adjunto da NASA, o caso pode abrir um precedente perigoso: “Se formos retratar qualquer artigo que seja considerado errado anos depois, teríamos que eliminar ao menos três quartos da literatura científica”, afirmou.
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