A recente disputa comercial entre Estados Unidos e Brasil não envolve apenas questões políticas e tarifárias. Minérios muito cobiçados pela indústria e abundantes em nosso país chamados de “terras raras” também estariam entre as motivações de Donald Trump em território brasileiro.
Esses elementos químicos que hoje são essenciais em uma série de indústrias são tão importantes quanto difíceis de serem obtidos. E o Brasil, já conhecido como uma grande reserva de terras raras, ainda tenta aumentar ainda mais o potencial nessa área ao reivindicar uma curiosa região no litoral.
Mas será que a devida exploração desses materiais poderia transformar o país em uma referência no mercado de eletrônicos? Para verificar essa possibilidade, é preciso primeiro avaliar o atual cenário e como esse tipo de componente pode ser aproveitado pela indústria nacional.
Terras raras: o que são e para que servem
As chamadas terras raras são um grupo de 17 elementos químicos que são encontrados em estado sólido e misturados a outros minérios. Essas substâncias possuem características específicas que tornam cada uma delas muito visada na indústria da tecnologia por diferentes motivos — incluindo alta condutividade, magnetismo acima da média ou boa absorção de luz.
Apesar de serem consideradas comuns na superfície do planeta, a “raridade” do nome vem justamente da dificuldade de extração dos elementos na natureza. O processo de separação é caro, complexo e nada sustentável, exigindo não apenas grandes investimentos, mas também equipamento e conhecimento técnico especializado.

Quando isolados, esses materiais são usados em formato de ligas em uma série de aplicações na indústria ou como catalisadores de reações químicas. Dentre outras coisas, as terras raras podem ser utilizadas na produção de ímãs, lâmpadas de LED, lasers, células fotovoltaicas, aeronaves, turbinas eólicas e componentes eletrônicos.
De acordo com Luigi Jovane, doutor em geofísica e professor do Instituto Oceanográfico da Universidade de São Paulo (USP), é um trabalho complexo avaliar o valor e o potencial das terras raras em cada caso. O aproveitamento do material final também é baixo, em especial na comparação com a quantidade original de minérios extraídos das minas.
“Tem que fazer vários anos de testes e de estudos para conseguir a pureza. Por exemplo, fazer 1 kg de telúrio com pureza 99% é extremamente caro e precisa de destruir uma montanha de rocha”, explica.
Quais são as terras raras e onde elas são usadas?
- Lantânio: lentes de câmeras e produtos de iluminação, além de ajudar a separar componentes do petróleo;
- Cério: cerâmicas ou vidros e lâmpadas de LED, além de ajudar a separar componentes do petróleo
- Praseodímio: lâmpadas, equipamentos de iluminação, fabricação de vidros de óculos de proteção
- Neodímio: motores de carros elétricos, super-ímãs, trens de alta vontade e equipamentos de energia;
- Promécio: peças de relógio e pequenas baterias, além de fonte de radiação que emite calor e raios-x;
- Samário: lâmpadas e equipamentos de iluminação, projetores, óculos de sol, fones de ouvido e como componente de reatores nucleares ou lasers;

- Európio: telas de PC e TVs, painéis solares, ímãs;
- Gadolínio: memórias, telescópios a laser, fósforo de tubos de TV e micro-ondas, além de ser parte do contraste intravenoso de exames de ressonância magnética;
- Térbio: semicondutores e eletrônicos no geral (em liga com outros materiais), lâmpadas fluorescentes e lasers;
- Disprósio: lasers, controle em reatores nucleares, medidores em estudos de radiação, lâmpadas, memórias e mídias físicas em disco, como CDs;
- Hólmio: uma das terras raras mais magnéticas para uso em ímãs, controle de reatores nucleares, composto de ligas metálicas, lasers para uso na área da saúde;
- Érbio: na fotografia, na metalurgia, em sistemas de comunicação e reatores nucleares;
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- Escândio: equipamentos aeroespaciais e semicondutores;
- Túlio: dispositivos de raios-X;
- Itérbio: fonte de radiação para raios-X, fabricação de aço inoxidável e fabricação de equipamentos de odontologia;
- Lutécio: ajuda a separar componentes do petróleo e realiza outros processos químicos envolvendo diversos elementos;
- Ítrio: fabricação de fibras ópticas, lâmpadas fluorescentes, LEDs, tintas, vernizes e telas, além de cerâmicas altamente resistentes a grandes temperaturas, catalisadores e supercondutores.
Parte da dificuldade da extração dessas terras raras está no refino. As técnicas nada sustentáveis envolvem o uso de solventes poderosos, que podem trazer impactos ambientais nas regiões ou gerar uma alta quantidade de resíduos não aproveitáveis.
Além disso, há possíveis riscos de contaminação de água, solo e atmosfera por esses compostos químicos e pela radioatividade que está presente em alguns dos elementos. Neste caso, porém, é preciso avaliar o cenário como um todo.
Segundo Carina Ulsen, professora de Engenharia de Minas e de Petróleo na USP, os impactos são inevitáveis nessa e outras atividades humanas de desenvolvimento — como geração de energia e até construção civil, por exemplo. O que é preciso é considerá-los seriamente, tarefa que deve ser garantida pelas empresas à frente dos projetos de mineração
“A sociedade atual depende de matérias primas minerais sem notar e, por isso, precisamos de projetos e pessoas conscientes dos potenciais impactos para trabalhar de um modo a reduzir ou compensá-los“, conclui a pesquisadora.
A ilha submersa que pode ser brasileira
Segundo o United States Geological Service (USGS), a China é o país com a maior reserva conhecida de terras raras, com 44 milhões de toneladas. Logo depois estão Brasil (21 milhões de toneladas cada), Índia (6,9 milhões), Austrália (5,7 milhões) e Rússia (3,8 milhões).
Esses números não são absolutos: há um potencial ainda sob análise em países como o Cazaquistão e no Canadá, por exemplo, sendo que as próprias as regiões já citadas provavelmente também possuem reservas ainda desconhecidas.
No caso do Brasil, o país tenta reivindicar desde 2018 a posse de uma região chamada Elevação do Rio Grande, uma formação rochosa em forma de ilha que hoje está debaixo d’água, tem dimensões próximas às da Espanha e seria rica em uma série de minérios, inclusive algumas terras raras.
O problema? A ilha submersa está localizada a cerca de 1,2 mil km da costa do Oceano Atlântico, o que tecnicamente faz com que ela não pertença ao território brasileiro e sim em águas internacionais. O caso é analisado por uma comissão da Organização das Nações Unidas (ONU) ainda sem data para definição.

De acordo com Jovane, trata-se de uma estrutura muito complexa, formada por platôs, vales e fissões, com uma origem geológica que ainda não é totalmente conhecida — ou seja, há ainda muito trabalho científico pela frente antes que seja possível extrair qualquer material de lá.
Em um dos estudos mais recentes do local, a argila de cor avermelhada coletada e analisada por uma equipe que inclui o professor da USP foi confirmada como sendo um solo originalmente orgânico e de clima tropical, provando que em algum momento do passado a ilha esteve na superfície.
Para além das terras raras, o local ainda conta com outras riquezas. Como explica Muhammad Bin Hassan, geólogo e pesquisador colaborador da USP, o solo é rico em mais minerais estratégicos — como cobalto, níquel, titânio, telúrio, zircônio, molibdênio, tungstênio e lítio, também essenciais para a indústria.
O Brasil pode virar um polo de terras raras?
A visão mais otimista dos pesquisadores é de que a eventual exploração da Elevação poderia reduzir a dependência do Brasil em importações minerais. Há um cenário em que essas ações fortaleceriam a indústria nacional em várias frentes.
“O país poderia se consolidar como fornecedor global de minerais críticos, gerando empregos qualificados, inovação e ampliando sua soberania geoeconômica. Além disso, poderia assumir liderança na transição para uma matriz energética mais limpa, contribuindo para a mitigação dos fatores que agravam a crise climática”, diz Hassan.

Apesar de parecer uma boa notícia, é preciso segurar a empolgação: abrigar reservas em abundância não é a mesma coisa que ter e usar esses materiais propriamente ditos, já que o Brasil não domina o processo de refinamento em larga escala.
Em outras palavras, a indústria nacional até poderia aproveitar os elementos sem precisar comprá-los, mas no atual momento não dominamos etapas que são essenciais para que isso aconteça. Isso levaria tempo, muito planejamento e um alto investimento. “Ser menos custoso não significa ser mais vantajoso a médio e longo prazo”, explica Carina.
E tem quem domine tudo isso: atualmente, a China responde por cerca de 60% da produção global de minas de terras raras e 90% da criação de ímãs com base no processamento delas. O país asiático investiu pesado no setor nos últimos anos pensando estrategicamente. Ele já estava direcionado para a fabricação de semicondutores e outros equipamentos de precisão e quer dominar toda a cadeia de processos.
Já os EUA não têm uma reserva tão grande, mas são interessados na compra deles para utilização na indústria — inclusive deixando as diferenças de lado e até eventualmente negociando com os próprios chineses.
No Brasil, a exploração mais concreta de terras raras hoje acontece por uma empresa chamada Serra Verde, cuja sede e mina fica em Minaçu, no norte de Goiás. A companhia, porém, é controlada por investidores principalmente dos Estados Unidos e exporta o material extraído quase todo para a China. O estado de Minas Gerais é outro possível polo de concentração desses elementos.
Quem sai ganhando nessa disputa
O interesse por terras raras é alto hoje por vários motivos, das demandas da indústria por melhorias nos equipamentos até a busca por uma transição energética para além dos combustíveis fósseis.
Isso também resulta em brigas políticas: os EUA negociaram participação nas minas de terras raras da Ucrânia em troca de apoio na guerra contra a Rússia — e podem usar os materiais como moeda de troca ou garantia para reduzir o atual tarifaço contra o Brasil.

A equipe de Jovane, por exemplo, fez testes nos materiais encontrados na Elevação do Rio Grande e teve sucesso em laboratório para várias aplicações práticas não só de terras raras, mas outros minérios interessantes para indústrias. O estudo segue em andamento, mas o professor adianta que “as aplicações claramente são gigantescas“.
Só que o país promete jogo duro. “Se essas terras raras e esses minerais críticos existem aqui no Brasil, eles são nossos e a gente não vai permitir que sejam explorados como foram outros minérios durante tanto tempo”, disse o presidente Lula em reunião recente.
O governo prometeu montar uma comissão para aumentar as pesquisas de identificação de minérios e estabelecer parcerias com empresas interessadas em atuar como a Serra Verde já faz por aqui. O Brasil pode não aproveitar integralmente as riquezas que possui, mas também não quer sair perdendo nessa disputa.
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