Pesquisadores brasileiros desenvolveram um método que consegue estimar, apenas a partir de imagens, a força exercida sobre cada grão de areia em uma duna. A técnica combina simulações numéricas e Inteligência Artificial (IA) e muda a forma como se estudam sistemas granulares.
As aplicações vão de projetos de engenharia civil à exploração de outros planetas.
Em poucas palavras:
- Brasileiros criam método para calcular força que atua sobre grãos de areia em dunas;
- Dunas variam de centímetros, na Terra, até quase mil metros, em Marte;
- Inviabilidade de medições diretas foi contornada por simulações e imagens;
- IA com redes neurais estimou forças e reconheceu padrões;
- Técnica pode ser aplicada em engenharia, ambiente terrestre e exploração espacial.
Publicado este mês na revista Geophysical Research Letters, o estudo focou nas chamadas “dunas barcanas”. Elas têm formato de lua crescente, com pontas alinhadas à direção do vento ou da água. “Essas dunas aparecem em lugares muito diferentes: tubulações, fundos de rios e mares, desertos da Terra e até em Marte. Basta ter grãos soltos e um fluxo de fluido unidirecional para que uma barcana se forme”, explica o coordenador do estudo, Erick Franklin, professor da Faculdade de Engenharia Mecânica da Universidade Estadual de Campinas (FEM/Unicamp), em um comunicado.

Medição da força individual dos grãos de areia parecia impossível
As escalas das dunas são bastante variadas. Em laboratório, sob água, podem ter 10 centímetros e se mover em menos de um minuto. No deserto, chegam a 100 metros e avançam ao longo de um ano. Já em Marte, elas podem chegar a 1 km e levar cerca de mil anos para se deslocar. “Apesar da diferença de escala, a dinâmica é parecida”, observa Franklin, mostrando que pequenas dunas de laboratório ajudam a prever o comportamento das marcianas.
Observar a forma e o movimento das dunas já permite estimar a direção e a intensidade médias do vento, mas medir a força em cada grão parecia impossível. “Uma duna subaquática pode ter 100 mil grãos, cada um com 0,2 milímetro de diâmetro. Colocar um sensor em cada grão seria inviável. No deserto, há um quatrilhão de grãos, e em Marte, 100 quatrilhões”, detalha o pesquisador.

Mesmo com câmeras de alta velocidade e técnicas avançadas de medição, a força individual dos grãos estava além do alcance. A solução da equipe de Franklin foi unir experimentos de dunas subaquáticas, que se formam rapidamente, a simulações numéricas que calculam forças e movimentos de cada grão a cada instante.
As simulações oferecem alta resolução espacial e temporal, reproduzindo fielmente as dunas de laboratório. Com isso, é possível criar mapas de força que não seriam obtidos diretamente em grande escala. O grupo então combinou imagens reais das dunas com os mapas das simulações, gerando um par de dados para cada grão: imagem e força.

Simulações 3D e IA decifraram dinâmica e forma das dunas
A partir desse banco de dados, os pesquisadores treinaram uma rede neural convolucional (CNN), um modelo de IA que analisa imagens e reconhece padrões. “A CNN conseguiu estimar as forças sobre os grãos e até generalizar para dunas com formatos nunca vistos antes”, explica Renato Miotto, pós-doutorando da FEM-Unicamp e pesquisador visitante na Syracuse University.
CNNs usam camadas de convolução que detectam bordas, texturas e formas. Com várias camadas, combinam padrões simples em estruturas complexas, permitindo identificar objetos ou extrair informações automaticamente. Hoje, essa tecnologia é usada em reconhecimento facial, análise médica e visão computacional.
William Wolf, professor da FEM-Unicamp e coautor do estudo, ressalta que o cuidado com os dados foi crucial. “Usamos simulações tridimensionais de alta fidelidade, que fornecem detalhes próximos da realidade. Isso permitiu que a CNN aprendesse a dinâmica e a forma das dunas, essenciais para generalizar para imagens reais”.
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Método pode resolver problemas práticos
Miotto acrescenta que a técnica não se limita à areia. “Qualquer sistema granular visível por imagem – gelo, sal ou partículas sintéticas – pode ser analisado, desde que haja simulação capaz de reproduzir o comportamento do material”.
Os autores destacam que o método pode estudar outros sistemas de partículas em movimento e resolver problemas práticos, como assoreamento de rios, erosão de praias, movimentação de areia em portos e escoamentos industriais. “Esses processos têm impactos econômicos e sociais. A técnica ajuda a prever e reduzir danos. Em Marte, é possível estimar a força dos ventos no passado e a evolução das dunas no futuro”, completa Franklin.
Wolf ressalta o caráter colaborativo do trabalho. “Unimos física de escoamentos, mecânica dos fluidos e análise computacional. É um exemplo de como o apoio à pesquisa básica gera avanços com impactos em múltiplas áreas”.
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