Um artigo publicado nesta terça-feira (9) na revista Nature Astronomy relata um feito inédito na ciência: pela primeira vez, pesquisadores conseguiram medir a velocidade e a direção do recuo de um buraco negro recém-nascido, formado pela fusão de outros dois – um dos eventos mais violentos e misteriosos do Universo.
Para chegar a esse resultado, os cientistas recorreram às ondas gravitacionais (OGs), ondulações no espaço-tempo previstas por Albert Einstein em 1916. Elas se espalham pelo Universo na velocidade da luz, carregando informações sobre fenômenos extremos, como fusões de buracos negros e explosões de supernovas.
Em poucas palavras:
- Pela primeira vez, cientistas conseguiram medir o recuo de um buraco negro;
- Eles usaram ondas gravitacionais previstas por Albert Einstein em 1916;
- Sinais claros foram detectados no evento GW190412;
- A fusão desigual gerou um “chute” com velocidade e direção mensuráveis;
- O movimento tridimensional do buraco negro foi finalmente revelado;
- Descoberta inédita abre novas possibilidades para estudar buracos negros.

Mais de 300 eventos de ondas gravitacionais foram detectados em 10 anos
Embora conhecidas na teoria há mais de um século, as OGs só puderam ser detectadas de fato em 2015, graças a equipamentos ultrassensíveis como o Observatório de Ondas Gravitacionais por Interferometria a Laser (LIGO), nos EUA, e o interferômetro Virgo, na Europa.
Desde então, mais de 300 eventos já foram registrados. Cada um deles trouxe novos dados sobre como buracos negros nascem, crescem e interagem. Um dos efeitos mais impressionantes dessas fusões é o recuo: quando as OGs são emitidas de forma desigual, o buraco negro resultante é “chutado” para longe, em alguns casos a velocidades altíssimas – suficientes até para escapar da própria galáxia onde se formou.
Foi exatamente isso que os cientistas da Universidade de Santiago de Compostela (USC), na Espanha, em colaboração com colegas da Universidade Estadual da Pensilvânia (PSU), nos EUA, e da Universidade Chinesa de Hong Kong (CUHK), conseguiram medir. Eles analisaram o evento GW190412, detectado em 2019, que envolveu a fusão de dois buracos negros de massas diferentes. Pela primeira vez, determinaram não só a velocidade do recuo, mas também sua direção em relação à Terra.
Segundo os pesquisadores, as OGs funcionam como uma espécie de assinatura única. Dependendo de onde o observador está em relação ao fenômeno, os sinais chegam de forma diferente. Essa variação permitiu calcular o movimento tridimensional do buraco negro após a fusão. No caso do GW190412, o recuo foi superior a 50 km/s, que é rápido o bastante para expulsar o objeto de um aglomerado estelar.

Fusão de buracos negros é como uma orquestra musical
Em um comunicado, o professor Juan Calderon-Bustillo, da USC, autor principal do estudo, fez uma analogia para explicar o processo. “Vamos pensar na fusão de buracos negros como uma orquestra que toca vários instrumentos, mas com uma particularidade: dependendo de onde estamos na orquestra, ouvimos diferentes combinações de instrumentos. Se tivermos dados suficientes, podemos saber exatamente onde estamos ao redor dela.”
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O método foi desenvolvido em 2018, mas até o ano seguinte, com o registro do GW190412, nenhum evento havia fornecido sinais suficientemente claros para aplicá-lo. Para os cientistas, aquele foi um momento marcante, pois finalmente surgiram dados capazes de confirmar que a medição era possível.
O pesquisador Koustav Chandra, da PSU, destacou a importância da descoberta. “Este é um dos poucos fenômenos astrofísicos em que não estamos apenas detectando algo, mas reconstruindo todo o movimento tridimensional de um objeto que está a bilhões de anos-luz de distância, e estamos fazendo isso usando pequenas perturbações no espaço-tempo. É uma demonstração incrível do que as ondas gravitacionais nos permitem fazer.”

Segundo a equipe, essa conquista pode abrir novos caminhos para estudar fusões de buracos negros em ambientes densos, como os núcleos de galáxias ativas. Nessas regiões, o recuo pode gerar clarões de luz, conhecidos como flares. Observar esses sinais, junto com as OGs, ajudaria a confirmar ligações entre os dois tipos de fenômenos.
Samson Leong, doutorando da CUHK e coautor do artigo, explica que medir a direção do recuo é essencial para identificar se um clarão luminoso está realmente ligado a uma fusão de buracos negros ou não. “Como a visibilidade da faísca produzida pela fusão de um buraco negro depende da orientação do recuo em relação à Terra, medi-la nos permitirá distinguir coincidências reais desses sinais daquelas que são simplesmente resultado do acaso.”
Com esse estudo, os cientistas reforçam o papel das ondas gravitacionais como uma das ferramentas mais revolucionárias da astrofísica moderna. Além de confirmar as previsões de Einstein, elas revelam detalhes antes inimagináveis sobre a vida e os movimentos dos buracos negros, os objetos mais extremos que conhecemos.
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