O Brasil conquistou uma posição de liderança no combate à fraude digital na América Latina, com uma taxa de apenas 0,9% em 2025 — queda de 10% em relação ao ano anterior. Mas essa vitória vem acompanhada de um alerta: os ataques com deepfakes explodiram 126% no mesmo período, revelando uma mudança radical no perfil dos criminosos digitais.
Os dados constam do relatório “Identity Fraud Report 2025-2026”, da empresa de verificação de identidade Sumsub, que analisou mais de 4 milhões de tentativas de fraude globalmente. O documento mostra que, enquanto fraudes rudimentares caem, ataques sofisticados com inteligência artificial se multiplicam.
“Não estamos vendo mais criminosos amadores editando documentos no Paint. Agora enfrentamos identidades sintéticas completas, criadas por IA, que passam pelos primeiros filtros de segurança”, explica Alison Dorigão Palermo, especialista em compliance da SumSub.
Explosão de deepfakes e criação de identidades sintéticas
A técnica é sofisticada – fraudadores usam ferramentas de IA para gerar vídeos e áudios hiper-realistas para enganar sistemas de reconhecimento facial. As identidades sintéticas incluem itens que misturam dados reais com informações fabricadas, o que dificulta o trabalho dos verificadores.
Isso colabora com um dado assustador: 39% de todos os deepfakes detectados na América Latina vieram do Brasil. Os setores mais afetados são instituições financeiras como fintechs e bancos, e plataformas de apostas online.
Brasil lidera a América Latina na taxa de detecção de fraudes
A taxa de 0,9% coloca o Brasil muito à frente de países vizinhos como Colômbia (2,6%), Argentina (3,8%) e Chile (1,4%). O sucesso é creditado a três fatores principais:
Regulamentação rigorosa do Banco Central, especialmente sobre KYC (Conheça Seu Cliente) e transações via Pix
Frameworks de AML (Anti-Money Laundering) maduros, com monitoramento em tempo real
Adoção massiva de biometria em processos de verificação digital
Mas essa mesma sofisticação cria um efeito colateral: criminosos precisam evoluir para continuar operando. “É como uma corrida armamentista digital. Quando fechamos uma porta, eles encontram uma janela mais sofisticada”, analisa o relatório.
Desafio brasileiro: multiplicidade de documentos de identidade
Um problema exclusivamente brasileiro dificulta o combate à fraude: a multiplicidade de documentos de identidade aceitos. Um cidadão pode ter até cinco documentos oficiais diferentes — e se cada estado emitisse o seu próprio, esse número poderia chegar a 30.
“Isso complica enormemente os processos de KYC e verificação de identidade. É uma vulnerabilidade estrutural que precisamos endereçar”, afirma Palermo.
A solução pode estar a caminho: iniciativas de identidade digital unificada, Open Banking e até identidades descentralizadas em blockchain estão no radar para 2026.
O que esperar para 2026
As transformações aceleradas pela inteligência artificial devem tornar 2026 um ano decisivo para a segurança digital. Especialistas apontam três grandes movimentos: a ascensão das identidades sintéticas, a sofisticação das redes de mulas de dinheiro e a consolidação de plataformas unificadas de conformidade.
Ascensão das identidades sintéticas e agentes autônomos de IA
Um dos pontos de inflexão previstos é a proliferação de identidades sintéticas e agentes de IA autônomos capazes de imitar usuários reais com alto grau de precisão. A prevenção de fraudes, avaliam analistas, deixará de se apoiar apenas na detecção de deepfakes ou documentos adulterados e passará a depender cada vez mais de sinais comportamentais e contextuais para validar a identidade de um indivíduo.
A biometria deve ganhar ainda mais espaço. Listada como uma das tendências para 2025, ela deve ser integrada aos agentes de IA a partir de 2026, permitindo que tarefas transacionais — como compras de passagens aéreas ou compras de supermercado — sejam executadas de forma segura em nome do usuário. Esse avanço, porém, também pode borrar as fronteiras entre perfis legítimos e identidades artificiais, já que agentes inteligentes serão capazes de responder em tempo real, cumprir fluxos completos de verificação e imitar padrões de comportamento humano.
Redes de mulas de dinheiro ficam mais sofisticadas
Outro ponto crítico é o crescimento das redes de mulas de dinheiro. Embora o golpe não seja novo, especialistas esperam uma expansão acentuada no próximo ano. Setores com grandes bases de usuários, como serviços financeiros, iGaming e comércio eletrônico, tendem a ser alvos preferenciais para a movimentação de fundos ilícitos. O que muda agora é o nível de sofisticação: redes inteiras, apoiadas por IA, conseguem replicar comportamentos legítimos e dificultar a detecção. A resposta exigirá monitoramento mais rigoroso, perfis holísticos dos usuários e maior colaboração entre plataformas.
IA impulsiona novas técnicas de engenharia social
A engenharia social continuará no centro das operações fraudulentas. Phishing automatizado, falsificação de voz e deepfakes devem impulsionar golpes de pagamento autorizado (APP) e apropriação de contas, sobretudo em mercados com menor letramento digital. A facilidade para movimentar dinheiro globalmente também amplia o apelo da fraude como atividade paralela de baixo risco, especialmente em regiões mais vulneráveis.
Crescimento acelerado do modelo Non-Doc
Nesse cenário, a verificação de identidade sem documentos — conhecida como Non-Doc — deve ganhar ainda mais tração. Com uma taxa de adoção anual acima de 338%, o método se apoia diretamente em bancos de dados governamentais para validar usuários, dispensando o upload de documentos. O modelo, já popular em países como Canadá, Cingapura e França, promete reduzir atritos, aumentar a precisão e fechar brechas exploradas por fraudadores. A tendência é que a credibilidade de processos de verificação dependa cada vez mais de dados estatais, substituindo a análise de documentos físicos por confirmações baseadas em registros oficiais.
Soluções integradas de compliance ganham força
Outro movimento apontado por especialistas é a consolidação de plataformas unificadas de conformidade. Em vez de pilhas fragmentadas, empresas devem investir em soluções que integrem verificação, prevenção a fraudes, relatórios e gestão de casos em um único ambiente. A aposta é que essa unificação traga mais eficiência, transparência e agilidade operacional.
Com isso, a tradicional separação entre times de conformidade e prevenção a fraudes pode começar a desaparecer. A expectativa é que organizações adotem unidades integradas de inteligência de risco, responsáveis por todo o ciclo de verificação e avaliação do usuário — um passo visto como essencial para enfrentar o novo cenário de ameaças impulsionado pela inteligência artificial.
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