A Zona de Exclusão de Chernobyl continua proibida para visitantes, mas a ausência de humanos abriu espaço para formas de vida que surpreendem pesquisadores há décadas. Entre esses organismos, um fungo escuro encontrado nas paredes internas de estruturas próximas ao reator acidentado tem chamado atenção por algo incomum: ele parece crescer melhor quando exposto à radiação ionizante.
O comportamento do Cladosporium sphaerospermum tem sido observado desde o fim dos anos 1990, quando uma equipe liderada pela microbiologista Nelli Zhdanova identificou 37 espécies de fungos vivendo ao redor do reator destruído. A descoberta gerou uma série de pesquisas que, até hoje, tentam explicar como esse microrganismo consegue se desenvolver em um ambiente extremamente hostil, como mostra um artigo do Science Alert.

Fungos melanizados dominam a área afetada
Nos primeiros levantamentos, os cientistas notaram que a maioria das espécies era escura, rica em melanina, pigmento associado à absorção de radiação. O C. sphaerospermum se destacou tanto pela abundância quanto pelos altos níveis de contaminação radioativa encontrados nas amostras coletadas.
Pesquisas posteriores, conduzidas pela radiopharmacologista Ekaterina Dadachova e pelo imunologista Arturo Casadevall, revelaram algo ainda mais curioso: ao contrário do esperado, a radiação não prejudicava o fungo. Em vez disso, ele apresentava um crescimento acelerado quando exposto a emissões ionizantes, comportamento incomum entre organismos vivos.
A equipe também observou alterações no comportamento da melanina do fungo sob radiação, levantando a hipótese de que o pigmento poderia estar envolvido em um processo semelhante ao da fotossíntese — um mecanismo apelidado de radiossíntese. Embora intrigante, a ideia ainda não pôde ser comprovada.

Hipótese da “radiossíntese” segue sem confirmação
Apesar do potencial revolucionário, experimentos não conseguiram demonstrar que o fungo realmente converte radiação em energia de forma semelhante às plantas. Em artigo recente, liderado pelo engenheiro Nils Averesch, os pesquisadores reforçam que ainda falta evidência de fixação de carbono ou ganho metabólico diretamente associado à radiação.
Mesmo assim, alguns resultados reforçam o interesse científico. Em 2022, um experimento levou o fungo ao espaço, fixando-o na parte externa da Estação Espacial Internacional. Sensores posicionados abaixo da amostra registraram que menos radiação ultrapassou a camada de fungo em comparação ao controle, o que sugere um possível uso como material de proteção em missões espaciais — embora esse não fosse o foco da pesquisa.
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Resistência não é universal entre fungos escuros
Outras espécies melanizadas demonstram respostas distintas. O fungo Wangiella dermatitidis, por exemplo, também cresce mais sob radiação ionizante, enquanto o Cladosporium cladosporioides apenas intensifica a produção de melanina sem apresentar crescimento adicional. Esses resultados reforçam que o comportamento do C. sphaerospermum é singular e ainda pouco compreendido.
Essa variabilidade levanta duas possibilidades: o fungo poderia ter desenvolvido uma adaptação específica para aproveitar a radiação como fonte de energia ou estaria apenas ativando um mecanismo de sobrevivência para lidar com condições extremas. Até o momento, nenhuma das hipóteses pode ser confirmada.
O microrganismo que prospera onde humanos não podem estar
Mesmo sem respostas definitivas, o C. sphaerospermum continua sendo um exemplo marcante de como a vida encontra maneiras de sobreviver — e até prosperar — em locais considerados inóspitos. Sua capacidade de lidar com um tipo de radiação que é altamente perigosa para humanos mantém o interesse de pesquisadores e abre discussões sobre possíveis aplicações futuras.
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