Desde Ceres, o primeiro asteroide descoberto em 1801, até 1995 foram encontrados cerca de 20 mil asteroides. O processo de descoberta já havia evoluído bastante até então, mas foi graças ao trabalho de uma mulher brilhante que se iniciou uma verdadeira revolução na forma como esses objetos eram detectados no espaço.
Enquanto muitos olhavam para as estrelas distantes sonhando com viagens interplanetárias e civilizações alienígenas, a americana Eleanor “Glo” Helin procurava por asteroides… pensando no futuro da humanidade. No mês do Asteroid Day, quando celebramos o conhecimento sobre os pequenos corpos que cruzam nosso caminho cósmico, é hora de lembrar de quem fez disso uma missão de vida. ‘Glo’ Helin não apenas descobriu centenas de asteroides, mas também foi responsável pela automação desse processo, que permitiu um aumento exponencial nas descobertas e no rastreamento desses objetos.

Nascida em 1932, na Califórnia, Eleanor Francis Helin cresceu fascinada pelo céu. Com um olhar curioso e um talento natural para a ciência, ela traçou seu caminho na astronomia em um tempo em que poucas mulheres ocupavam espaços nos observatórios. Ela ganhou o apelido carinhoso de “Glo”, uma palavra que lembra ‘brilho’ em inglês. E foi como Glo que ela iniciou uma brilhante e duradoura carreira no Caltech (Instituto de Tecnologia da Califórnia) e no Laboratório de Propulsão a Jato da NASA, onde se tornou referência no estudo de objetos próximos à Terra, os chamados NEOs. Numa época dominada por homens de gravata e cabeças voltadas para grandes planetas e galáxias distantes, Glo apontava seus telescópios para objetos bem menores, porém perigosamente mais próximos.
Eleanor ‘Glo’ Helin iniciou sua carreira no Caltech em 1960 como geóloga. Os estudos de crateras lunares formadas por impacto despertaram seu interesse por objetos próximos à Terra. Em 1970 Helin, juntamente com lendário Eugene Shoemaker, criaram um programa dedicado exclusivamente à busca de asteroides que cruzam a órbita da Terra. Nascia o Planet-Crossing Asteroid Survey (PCAS). Com um telescópio modesto, câmeras fotográficas adaptadas e muita persistência, ela e sua equipe passaram a varrer o céu em busca daqueles objetos que podiam atravessar nosso caminho. Glo acreditava que a presença de crateras jovens na Lua indicavam que os grandes impactos ainda poderiam ocorrer no Sistema Solar. Por isso ela enfrentou noites frias, processos fotográficos trabalhosos e até um certo descrédito inicial para provar que a ameaça era real — e constante.

Mas Glo Helin nunca foi do tipo que recua diante de um desafio. Incansável e com a determinação dos convictos, ela e sua equipe descobriram centenas de asteroides, entre eles, 95 que passam próximos à Terra, além de 17 cometas. O sucesso do PCAS e o impacto do Cometa Shoemaker-Levi 9 com Júpiter em 1994 mostraram que Glo estava certa desde o início: a história de impactos do Sistema Solar ainda está sendo contada, e o nosso planeta também pode ser atingido. Por isso, Glo Helin, ela idealizou um novo passo: o NEAT – Near-Earth Asteroid Tracking, o primeiro programa automatizado da NASA para o monitoramento contínuo de NEOs, que são Objetos Próximos à Terra.
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Lançado em 1995, o NEAT representou a transição da caça manual de asteroides para um sistema mais eficiente e abrangente, capaz de rastrear os céus em tempo real. Uma verdadeira revolução na tecnologia de detecção. Saíram as câmeras analógicas e os processos manuais, e entraram as câmeras digitais e os processos computadorizados, operados remotamente. E tudo isso sob a liderança de uma mulher que acreditava que a vigilância do espaço não era luxo — e sim uma necessidade para garantir o futuro da humanidade.

Quando se aposentou em 2002, aos 70 anos, Eleanor ‘Glo’ Helin acumulava a descoberta de 872 asteroides e 31 cometas, incluindo vários com potencial de impactar a Terra, troianos de Júpiter, cruzadores de Marte e centenas de asteroides do cinturão principal. Números impressionantes para qualquer astrônomo, ainda mais considerando que muitas dessas descobertas foram feitas “no olho”, antes da era da automação e das buscas automatizadas implantadas por Glo.
Essas descobertas nos ajudaram a entender a dinâmica dos NEOs, a estimar os riscos de impacto e a mapear as rotas desses pequenos corpos celestes. E graças às contribuições de Glo Helin no NEAT, o trabalho de vigilância do céu e proteção planetária se modernizou. fazendo com que as descobertas de novos asteroides crescecem exponencialmente. Hoje, 30 anos depois, já são mais de 1 milhão e 300 mil asteroides conhecidos. Um deles recebeu o nome de Glo em homenagem a essa mulher incrível que revolucionou a nossa maneira de olhar pro céu. Seu nome também foi emprestado para a nave USS Helin, do filme Startrek VI. Além disso, ela recebeu a Medalha de Serviço Excepcional da NASA e foi incluída no Hall da Fama de Mulheres na Tecnologia.
[ Eleanor ‘Glo’ Helin segurando a imagem onde descobriu o asteroide 2100 Ra-Shalon – Créditos: Acervo da Família Helin ]
Ela nos deixou em 2009, mas se hoje temos programas de monitoramento, simulações de impacto, planos de desvio e sondas que tocam a superfície de asteroides, é porque alguém como Glo Helin não apenas alertou a humanidade para o risco desses objetos, mas também nos apontou os caminhos de como podemos nos proteger deles: encontrando os asteroides antes que eles nos encontrem.
Neste mês do Asteroid Day, quando o mundo inteiro volta os olhos para essas rochas que vagam próximas ao nosso planeta, lembremos de Eleanor “Glo” Helin — a mulher brilhante que nos ensinou como a determinação, aliada à ciência e à tecnologia, podem nos ajudar a proteger a Terra e garantir o futuro da nossa estadia neste planeta.
O post A astrônoma que desafiou o céu: a vida e o legado de Eleanor ‘Glo’ Helin apareceu primeiro em Olhar Digital.