O Japão foi responsável por um dos grandes fenômenos no setor de brinquedos digitais do final da década de 1990. Foram os Tamagotchis, ou bichinhos virtuais, pequenos dispositivos que fizeram crianças de todo o mundo ter novas responsabilidades e até o primeiro contato com sentimentos de perda.
Essa febre chegou também ao Brasil e durou menos do que muita gente imagina, mas deixa saudades em quem viveu o auge. Além disso, ele segue como o passatempo ou coleção de muita gente até hoje.
Você sabe como tudo isso começou e quais são as sequências do modelo original? E por que um produto tão simples fez um sucesso tão estrondoso? A seguir, conheça ou relembre o que foi (e ainda é) o Tamagotchi.
O primeiro ovo chocado
No Japão, a gigante Bandai estava em busca de um novo produto original em especial para mercados internacionais na segunda metade da década de 1990. A marca fazia vários licenciamentos de brinquedos e eletrônicos, incluindo o sucesso da linha de bonecos da primeira temporada de Power Rangers.
Duas pessoas foram essenciais nessa história. Akihiro Yokoi trabalhou por anos em uma empresa do setor de brinquedos e resolveu abrir um empreendimento próprio na área, a WiZ. Ele teve a ideia de criar um “bichinho de estimação portátil” para crianças não só se divertirem, mas entenderem que essa atividade demanda atenção e tarefas como higiene e alimentação.
Já Aki Maita trabalhava na Bandai desde 1990 em vendas e marketing. Ela aprovou o projeto de Akihiro e por anos foi o principal rosto por trás da marca, aparecendo em entrevistas e peças publicitárias.
Ao criar o primeiro modelo, a Bandai vendeu o produto como “um pequeno animal do ciberespaço que precisa do seu amor para sobreviver e crescer”. O design original era bem simples: uma criatura em forma de bolha exibida em uma tela LCD monocromática de baixa resolução com três botões físicos, uma bateria simples e um cordão para prender ele em um zíper, corrente ou chaveiro.

O Tamagotchi é um jogo interativo em que a criatura evolui de acordo com o cuidado que recebe do dono humano. Começando como um ovo, o animal muda de forma ao ter pedidos atendidos, como brincar, ser alimentado ou limpar as necessidades
Se tudo correr como o planejado, ele vira adulto. Se ele for ignorado por muito tempo ou atingir uma determinada idade, ele morre, assim como pets de verdade. Em algumas versões iniciais fora do Japão, esse final foi trocado: o animal na verdade era um extraterrestre que só estava voltando pro seu planeta natal.
A ideia inicial era que ele fosse um relógio de pulso – daí o nome tamago, que é ovo em japonês, e uotchi, uma variação do idioma para watch (relógio de pulso em inglês). Apesar da boa ideia, foi difícil vender produto para as lojas, em especial comparando ele com video-games e outros brinquedos mais avançados.
O fenômeno Tamagotchi
O primeiro modelo saiu em 23 de novembro de 1996 no Japão, levando meses para chegar em outros países. A recepção, porém, foi sempre a mesma e ele virou um fenômeno absoluto de vendas, tanto pela proposta quanto por ser um produto menos caro que outros presentes.
O bichinho virtual original foi lançado no Brasil por volta de 1997 com representação da Samtoy. Aqui, ele custava R$ 55, o equivalente hoje a quase R$ 300.

Fora o sucesso comercial, ele conseguiu ainda marcar os donos do ponto de vista sentimental: se hoje a gente se preocupa com crianças e adolescentes conversando com chatbots de inteligência artificial, esse foi um dos primeiros casos em que comunidades inteiras passaram a se importar com um companheiro digital — era comum ver crianças chorando pela perda do bichinho virtual.
A necessidade de cuidados realmente causava problemas de indisciplina e até fez com que crianças tivessem dificuldades para estudar, dormir e interagir socialmente. Muitos pais passavam o dia com o Tamagotchi dos filhos até a volta da escola, porque a maioria proibia o uso em sala.
O alvo inicial da Bandai era vender para meninas adolescentes, faixa etária que respondeu melhor nos testes de mercado e sob uma ideia hoje antiquada de que elas responderiam melhor ao cuidado. Só que esse não foi o único público: foram 5 milhões de unidades comercializadas em seis meses no Japão e, em dois anos, isso saltou para 40 milhões ao todo — metade delas no país asiático.
Monstros digitais e o fim do auge
Em 1997, buscando uma versão do Tamagotchi para meninos, a Bandai lança versão paralela do produto chamada de Digital Monsters. Eles também criados pela WiZ focavam em combates e treinamentos entre os personagens.

O brinquedo bombou e virou uma franquia independente: nada menos que Digimon, que logo ganhou um mangá e está presente até hoje em animes e jogos.
Entretanto, o período de auge estava passando. No fim de 1999, a Bandai sofreu um grande prejuízo por fabricar unidades demais do Tamagotchi sem que as vendas estivessem no mesmo ritmo de antes.
Foram vários os motivos que explicaram essa mudança: ele não era comprado de forma consecutiva pela grande maioria do público, perdeu espaço com o lançamento de clones (como o chinês Gyaoppis, que veio para o Brasil) e sofria com a concorrência de outros brinquedos, como os bonecos Furby que dominaram os Estados Unidos.
Em mercados internacionais, como foi o caso do Brasil, o Tamagotchi foi mais duradouro. Produtos de fora naturalmente chegavam com atraso por aqui, além de terem um preço mais elevado. Porém, neste ponto, a Bandai reduziu a marcha nos lançamentos e percebeu que tinha que mudar.
As sequências do Tamagotchi original
Ainda em 97, dentro do período de ouro, a Bandai lançou dois novos Tamagotchi: o Osutchi e a Mesutchi, os primeiros que podiam gerar um filho ao encostar um no outro. Já em 98 a novidade foram os Tamagotchi Angel e Ocean, ainda com visuais minimalistas e pouca variedade na aparência.
O ano de 2004 marca o lançamento da primeira grande mudança: a família Connection, que contava com um recurso de comunicação por infravermelho, mini-games e troca de presentes com amigos. Foi também o ano de lançamento do TamaTalk, um conjunto de fórums para fãs de Tamagotchi — um dos vários espaços que foi muito importante pra aproximar colecionadores e entusiastas.

Ao longo dos anos seguintes, foram feitos vários lançamentos de novas gerações, parcerias com franquias como Hello Kitty e personagens da Disney, e versões de cores ou formatos alternativos. As vendas não eram mais como nos três primeiros anos, mas foram o suficiente para manter a linha em atualização com modelos que incluem:
- o Tamagotchi Plus Color (2008), o primeiro lançado com uma tela a cores e mais recursos de jogabilidade;
- o Tamagotchi Mini (2010), uma variante menor e que teve uma versão ainda mais portátil neste ano, a Nano;
- uma versão totalmente digital com um aplicativo para Android e iOS chamado Tamagotchi L.i.f.e (2013);
- o relançamento do Tamagotchi original (2017) como parte das comemorações de 20 anos da marca;

- o Tamagotchi On (2018), também chamado de Mix, o primeiro com tela colorida fora do Japão e que permitia o casamento de bichinhos com características diferentes, gerando um bebê que herdava aspectos dos pais;
- o Tamagotchi Pix (2021), que trouxe pela primeira vez uma câmera para você tirar até selfies com o seu bichinho;
- um Tamagotchi em formato de smartwatch (2021), colocando em prática a ideia original do relógio de pulso;
- o Tamagotchi Uni (2023), o primeiro com Wi-Fi embutido e ainda mais recursos;
- o Tamagotchi Paradise (2025), modelo mais recente da franquia, com um recurso de zoom na tela usando uma peça móvel parecida com discos de relógios e mais de 50 tipos diferentes de personagem para cuidar.

A Bandai ainda lançou aplicativos com o tempo que permitiam ações como enviar o bichinho para uma praça virtual usando Bluetooth e interagir com outros usuários. A franquia também teve games, em especial em plataformas da Nintendo e vários deles exclusivos do Japão.
Além disso, vários animes de curta duração também foram lançados, vários deles coincidindo com a chegada de uma nova geração, e um longa-metragem animado chamado Tamagotchi: The Movie, em 2007. Porém, a participação mais famosa de um bichinho virtual nos cinemas foi na animação “Red: Crescer é uma Fera“, em que a protagonista é uma jovem com um Tamagotchi preso na mochila.
No meio corporativo, teve ainda uma novidade importante: em 2019, a WiZ fecha as portas ao ser incorporada em definitivo pelo grupo Bandai.
A comunidade fã e colecionadora segue ativa em grupos em redes sociais, em especial formada por quem era criança no lançamento original e hoje tem vários modelos. Agora em 2025, a franquia até foi adicionada ao World Video Game Hall of Fame, uma coleção organizada por um grupo de museus dos Estados Unidos.

Neste ano, a Bandai atualizou os números oficiais e confirmou que a linha chegou em mais de 100 milhões de unidades vendidas somando todas as gerações. Ou seja, apesar de longe do auge, ela segue uma marca forte e viva na memória do público.
