Um dos últimos livro que li — Artificial Intelligence Basics, de Tom Taulli (um autor e consultor de TI especializado em IA e suas aplicações em programação e negócios) — me fez perceber uma das coisas mais fascinantes relacionada à inteligência artificial: embora ela, atualmente, faça parte da nossa rotina é, na verdade, resultado de décadas de tentativas, erros e aprendizados.
Desde os anos 1950, cada avanço veio acompanhado de uma onda de entusiasmo, e logo depois, de uma crise. A IA é cíclica: nasce, empolga, decepciona, amadurece e renasce. O que vivemos agora é mais um renascimento e talvez o mais sólido de todos.
Tudo começou em 1950, quando Alan Turing, matemático britânico considerado o pai da ciência da computação e da inteligência artificial, publica o artigo Computing Machinery and Intelligence, propondo a pergunta: as máquinas podem pensar? É nesse texto que surge o Teste de Turing, até hoje usado como referência para avaliar a inteligência de uma IA.

Poucos anos depois, em 1956, durante a histórica Conferência de Dartmouth — realizada no Dartmouth College, em Hanover, New Hampshire (EUA) — os cientistas John McCarthy (Dartmouth College), Marvin Minsky (Harvard University), Nathaniel Rochester (IBM) e Claude Shannon (Bell Telephone Laboratories) cunharam oficialmente o termo Artificial Intelligence.
A partir dali, a teoria virou prática. Vieram o Logic Theorist e o General Problem Solver (GPS), a base do que chamamos hoje de IA simbólica, um subcampo da IA que se concentra no processamento e na manipulação de símbolos ou conceitos, em vez de dados numéricos. Foi também nesse período que John McCarthy desenvolveu a linguagem LISP — fundamental para a pesquisa em IA — e surgiram os primeiros laboratórios dedicados ao tema, como o MIT AI Lab e o Stanford AI Lab. O otimismo era tanto que se acreditava em inteligência plena em poucos anos.
Mas a limitação técnica levou ao primeiro “inverno da IA”, nos anos 1970, reforçado pelo Relatório Lighthill (1973), que criticou a falta de resultados práticos. O entusiasmo só voltou na década seguinte com os sistemas especialistas — programas capazes de simular a tomada de decisão humana em áreas específicas, como o XCON, desenvolvido pela Digital Equipment Corporation (DEC) para automatizar o processo de configuração de computadores. A tecnologia mostrou, pela primeira vez, que a IA podia gerar ganhos reais de produtividade. Foi também nesse período que ressurgiram as redes neurais, impulsionadas pelo algoritmo de Backpropagation (1986).

A euforia, no entanto, durou pouco: o segundo inverno (1987–1993) chegou quando os custos se tornaram insustentáveis e o mercado perdeu a paciência. Entre 1993 e 2005, veio o renascimento baseado em dados. O raciocínio simbólico deu lugar ao aprendizado estatístico, impulsionado pelo nascimento da internet.
Em 1997, o Deep Blue, supercomputador da IBM, derrotou o campeão mundial de xadrez Garry Kasparov, marcando o primeiro grande triunfo da IA sobre um ser humano. Na mesma época, surgiam algoritmos de aprendizado de máquina — como SVM, árvores de decisão e Bayes — que ensinavam as máquinas a reconhecer padrões e tomar decisões com base em dados.
A partir de 2005, com o avanço das GPUs (placas gráficas mais potentes), tornou-se possível treinar redes neurais profundas em larga escala. Era o início da era do Big Data, quando empresas como Google e Amazon passaram a aplicar IA em sistemas de busca e recomendações personalizadas.
Em 2012, o modelo AlexNet venceu a competição ImageNet, inaugurando o Deep Learning moderno — redes neurais capazes de aprender sozinhas a partir de grandes volumes de dados. Nos anos seguintes, vieram os assistentes virtuais — Siri, Google Now e Alexa — que levaram a IA ao cotidiano. O marco de 2016 foi o AlphaGo, da DeepMind, ao vencer Lee Sedol no jogo Go, mostrando que a IA podia superar o raciocínio humano em tarefas complexas e abrindo o debate sobre ética, transparência e impacto da automação.

Desde 2020, entramos na fase da IA generativa e multimodal — capaz de criar textos, imagens, sons e códigos a partir de instruções simples. A arquitetura Transformer, desenvolvida pelo Google, deu origem a modelos como GPT, BERT e a ferramentas conhecidas do público, como ChatGPT, Midjourney, Copilot e Bard. O GPT-3 (2020), o GPT-4 (2023) e o recente GPT-5 (2025) trouxeram integração entre texto, imagem e áudio, inaugurando um novo patamar de interação entre humanos e máquinas — e levantando discussões urgentes sobre regulação, vieses algorítmicos e alinhamento ético (AI Alignment).
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Quando olho para esse percurso, vejo um padrão: a inteligência artificial nunca foi apenas sobre tecnologia, mas sobre a capacidade humana de traduzir curiosidade em código. Cada “inverno” serviu para amadurecer a ideia e para preparar o próximo salto.
A diferença é que, desta vez, ela não depende mais de fé, ela entrega resultado mensurável. E talvez essa seja a maior prova de que a IA finalmente deixou de ser promessa para se tornar estrutura: não estamos assistindo ao nascimento da inteligência artificial, estamos apenas vivendo o momento em que ela se tornou adulta.
