Me lembro até hoje da primeira vez que vi o filme Hackers. Em uma das cenas, ZeroCool, o “herói”, entra no mainframe e anda por dentro do sistema de arquivos como se estivesse caminhando por blocos de quadras, navegando em um ambiente tridimensional de cair o queixo, especialmente para a época.
Aquela imagem ficou na minha cabeça como o “futuro da computação”, que só teria uma nova apresentação à altura com Matrix, o live action altamente adaptado de Neuromancer, talvez o primeiro livro a falar de realidade virtual e de como isso poderia potencialmente mudar a forma como a humanidade lida com o espaço à sua volta.
Muitos anos depois, em uma feira de tecnologia em Joinville, tive a oportunidade de usar um dos primeiros óculos de realidade virtual existentes para jogar Doom, isso por volta dos anos 2000 e confesso que foi muito decepcionante. Tive um ataque de vertigem fulminante, com direito a enjoos e sem conseguir ficar em pé e precisando ir para a enfermaria do local.
Passei muitos anos sem nem querer ver isso na minha frente, até que, novamente, parei diante de um kit do Oculus nos Estados Unidos. Pude testar o equipamento e entender, com bastante precisão, a lógica de um jogo em primeira pessoa.
Fiquei muito impressionado com a experiência na época e até pensei em trazer um para o Brasil, mas descobri que não funcionaria, pois era válido apenas para uso em território americano. Achei melhor esperar o lançamento por aqui.
Nas minhas idas e vindas para a terra do Tio Sam, acabei agendando uma demo do Vision Pro há pouco mais de dois anos. Lembro de sair de lá completamente chocado com a experiência; liguei para o meu irmão na hora dizendo que compraria um, independentemente do custo altíssimo e mesmo com o vendedor deixando claro que provavelmente não funcionaria em casa. Me sentia como uma criança que vê, pela primeira vez, um novo parque de diversões, com possibilidades infinitas.
Dois dias depois, eu estava no hotel cortando frutas com uma espada virtual, a ponto de estragar coisas ao redor, sem nem perceber, por horas a fio, ignorando completamente o mundo lá fora e muito feliz por isso.
Mas, como um bom early adopter, enfrentei o problema da tecnologia ao voltar para casa: o peso dos óculos, quase 500 gramas, me causou diversas dores no pescoço e no ombro, o que limitou bastante o uso por muito tempo, sem o apoio adequado.
O que mais me encanta até hoje é a possibilidade de converter os óculos em um monitor 8K de mais de 10 metros à minha frente, em qualquer lugar onde eu precise de uma tela grande, o que, para ser sincero, é um uso um tanto limitado para a tecnologia.
Além disso, dado o seu preço, a quantidade de aplicativos que realmente utilizam as capacidades do equipamento ainda é muito baixa. Hoje, quase dois anos após o lançamento, não sei se existem cem aplicativos que consigam explorar todas as funcionalidades do dispositivo, misturando as realidades e criando experiências verdadeiramente unificadas.
Talvez o maior exemplo disso seja um aplicativo em que você pode testar qualquer produto antes de comprar, colocando um modelo 3D dele no local desejado, na sua casa, e vendo como ele ficaria. Há alguns jogos muito divertidos e a experiência fantástica de ver uma tela gigante à sua frente para assistir a filmes e jogar, totalmente imerso em outros ambientes, como numa praia de Bora Bora ou até na Lua que é o meu favorito.
A ideia de óculos de realidade virtual realmente utilizáveis, neste momento, parece um desafio tecnológico devido às limitações atuais. Mas acredito que estamos prestes a ver avanços nesse sentido com a realidade aumentada, que tem como principal objetivo não ser totalmente imersiva.
Quem começou com isso lá atrás foi o Google Glass, um produto superinteressante, mas com pouca qualidade visual na projeção. Recentemente, a Meta lançou a segunda versão dos seus óculos em parceria com a Ray-Ban, prometendo entregar o que talvez o Vision Pro tentou: juntar as duas ideias, porém de maneira eficaz.
Resta mesmo entender se a mudança da realidade virtual para a aumentada vai manter a usabilidade do produto e, ao mesmo tempo, resolver os problemas que ninguém conseguiu superar até agora. Como disse o próprio Tim Cook, pela primeira vez em uma década, eles ganharam um concorrente à altura em novas tecnologias voltadas ao consumidor final.
