A primeira ovelha editada geneticamente da Índia, batizada de Tarmeem, completou um ano no início de dezembro e, segundo os pesquisadores responsáveis, apresenta desenvolvimento saudável e ganho muscular superior ao normal.
O animal nasceu em Srinagar, na Caxemira administrada pela Índia, após um processo de edição de genes conduzido na Universidade Agrícola Sher-e-Kashmir. A equipe usou a técnica CRISPR para desativar um gene que freia o crescimento de músculos, com o objetivo de melhorar a produtividade e, no longo prazo, contribuir para a segurança alimentar da região. Tarmeem vive ao lado de sua irmã gêmea não editada, o que permite comparações diretas de saúde e performance. Segundo informações da BBC.
CRISPR em ovelhas
- Tarmeem completou um ano com parâmetros fisiológicos e clínicos normais, segundo os cientistas.
- O alvo foi o gene da miostatina, que limita o crescimento muscular; o animal editado já tem cerca de 10% mais massa que a gêmea.
- A experiência levou anos, com várias fertilizações in vitro e apenas uma edição eficaz.
- Os pesquisadores veem potencial para fortalecer a produção de carne ovina na Caxemira, que hoje é deficitária.
- O uso agropecuário da técnica depende de regulações; a discussão segue aberta na Índia e no mundo.
Como a edição foi feita e o que os resultados mostram
Os cientistas utilizaram a técnica CRISPR, uma espécie de “tesoura molecular” que permite ajustar trechos do DNA com precisão. No caso de Tarmeem, o alvo foi a miostatina, proteína que atua como freio natural do crescimento muscular. Ao desligar esse gene, espera-se que o animal desenvolva mais músculo sem alterar outras características. “Extraímos embriões de ovelhas prenhes e editamos um gene específico — conhecido como miostatina — que afeta negativamente o crescimento muscular”, explicou o pesquisador Dr. Suhail Magray. Após alguns dias em condições controladas de laboratório, os embriões foram transferidos para fêmeas receptoras até o nascimento.
O acompanhamento do primeiro ano de vida indica que a estratégia funcionou. “O crescimento está adequado, com parâmetros fisiológicos, bioquímicos e físicos normais”, disse o professor Riaz Shah, decano da Faculdade de Ciências Veterinárias e investigador principal do projeto.
“Como esperado, o ganho muscular de Tarmeem mostrou aumento significativo — em torno de 10% — em comparação com a gêmea não editada. A tendência é que cresça ainda mais com a idade.” Segundo ele, o animal permanece em ambiente seguro e sob vigilância para avaliar saúde e sobrevivência a longo prazo, e um projeto de financiamento foi submetido ao governo para ampliar os estudos.
Chegar até aqui exigiu persistência. Uma equipe de oito pesquisadores trabalhou por sete anos, com múltiplas tentativas e fertilizações in vitro antes de alcançar uma edição bem-sucedida. Houve nascimentos e perdas gestacionais ao longo do caminho, até que apenas um cordeiro apresentou a alteração genética desejada. “Começamos do zero. Agora, padronizamos o método e acreditamos que a taxa de sucesso tende a aumentar”, afirmou Shah.
Resultados e impactos potenciais
Para além do resultado técnico, os cientistas destacam o impacto potencial. A Caxemira consome grande volume de carne ovina, mas produz apenas parte do que demanda. Para o vice-reitor da universidade, professor Nazir Ahmad Ganai, a edição genética pode ser aliada num cenário de pressão por terra, água e alimento. “A terra encolhe, a água se esgota, a população cresce e o espaço para produzir comida diminui”, disse. “Nosso estado é deficitário em carne de ovelha, mas a edição pode elevar o peso corporal em até 30%. Isso ajuda a produzir de forma sustentável, porque menos animais forneceriam mais carne.”
No debate público, é importante diferenciar edição genética de modificação genética tradicional. Na edição, ajustam-se os próprios genes do organismo; na modificação, introduzem-se genes externos. Essa distinção vem pautando regulações diferentes mundo afora.
Países como Argentina, Austrália, Brasil, Colômbia e Japão consideram alguns animais editados como variantes naturais e permitem seu consumo. Estados Unidos e China já usam a tecnologia para desenvolver cultivos e animais mais produtivos ou resistentes a doenças; a agência reguladora dos EUA aprovou recentemente um porco geneticamente aprimorado, e o Reino Unido se prepara para liberar alimentos editados.
Na União Europeia, as regras seguem rígidas, embora o Parlamento Europeu tenha sinalizado redução de exigências para plantas editadas. Na Índia, duas variedades de arroz editadas foram aprovadas para elevar a produtividade, mas ainda não há definição sobre o enquadramento de animais como Tarmeem.
Segundo os pesquisadores e conforme analisa o Olhar Digital, os próximos passos exigem rigor científico e clareza regulatória: avaliam-se não apenas o ganho de músculo, mas também bem-estar, segurança alimentar e efeitos a longo prazo. “Se a tecnologia for replicada em grandes rebanhos, podemos expandir para ovelhas e, depois, outros animais”, projeta o professor Ganai. “Muitas instituições no país trabalham com suínos, caprinos e aves. O futuro é promissor.”
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No horizonte, as implicações são práticas: se confirmada a segurança, a edição por CRISPR pode contribuir para mais proteína de qualidade com menor uso de recursos, o que interessa tanto à economia local quanto à saúde pública. Para o consumidor, isso pode significar carne mais acessível e cadeias produtivas mais eficientes. Por ora, Tarmeem segue como um caso de prova: um avanço científico que precisa ser acompanhado com transparência, cautela e foco no bem-estar animal.
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