É motivo de muito orgulho para o Brasil quando o país se destaca no cenário internacional em razão da música, do cinema e do esporte. Mas nós também temos estrelas brilhando em outras áreas, como a ciência. É o caso do grupo As Meteoríticas, que foi tema de uma reportagem do jornal The New York Times (NYT), nos EUA, esta semana.
Liderado pela astrônoma Maria Elisabeth Zucolotto, mestre em geologia e doutora em engenharia de materiais pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o trio é formado também pela química Amanda Tosi, mestre e doutora em geologia pela UFRJ, e pela astrônoma Diana Paula Andrade, mestre em astronomia pelo Observatório Nacional e doutora em ciências pela UFRJ.

Colaborador do NYT, com um trabalho focado em fotografia de conservação, o fotojornalista Dado Galdieri, mestre em ciência da sustentabilidade, soube do grupo durante uma conversa com a geóloga Elisa Rocha sobre a falta de uma legislação clara sobre a questão dos meteoritos no Brasil.
Mestre em geologia pela Universidade de Brasília (UnB) e doutora pela Universidade de Goiás (UFG), Elisa é uma das parceiras do projeto – por isso, também considerada uma “meteorítica”, como todas as mulheres que atuam ocasionalmente junto ao trio – e convidou o fotógrafo para conhecer o trabalho da equipe de preservação e estudo de meteoritos, dedicado à expansão da coleção nacional desses fragmentos de rochas espaciais.
E foi assim que As Meteoríticas foram apresentadas ao mundo por um dos veículos mais tradicionais e respeitados da imprensa global.
Como nasceram “As Meteoríticas”
Em entrevista ao Olhar Digital, Amanda contou que a iniciativa surgiu em 2017, quando ela, Diana e Elizabeth (uma das maiores autoridades do país no assunto, com mais de 40 anos de experiência) fizeram o resgate de um meteorito em Palmas de Monte Alto, sertão da Bahia. De uma conversa informal durante a viagem, elas decidiram formar um grupo que unisse três vertentes: trabalho de campo, divulgação científica e pesquisa.

De lá para cá, As Meteoríticas já passaram por 75 cidades brasileiras, não somente resgatando meteoritos, como também percorrendo comunidades e escolas em regiões remotas, para ensinar crianças e jovens que um fragmento do espaço não é apenas uma curiosidade, mas uma ferramenta de pesquisa científica e educação.
Diana, que é professora adjunta no Observatório do Valongo, na UFRJ, onde os materiais coletados são analisados, falou sobre a importância do projeto. “Eu fazia um pouco de divulgação com a Elizabeth e gostava muito, então resolvemos criar esse grupo de mulheres cientistas da UFRJ que vão para o campo caçar meteoritos, depois levam para o laboratório para fazer análise e usar essas rochas extraterrestres para divulgar astronomia e despertar o interesse pela ciência nas pessoas”.
Um exemplo aconteceu em Jacilândia, Goiás. Há três anos, um meteorito caiu próximo à residência de Adriano Gomes, pastor evangélico da região. “Chegou com um som parecido com o de um avião. Eu tinha medo até de tocar, sem saber o que era”, disse Gomes à reportagem do NYT. Quando pesquisadores e colecionadores começaram a se interessar pela pedra, ele se viu no centro de uma crescente curiosidade pública.
Elizabeth e Elisa visitaram a casa do pastor para avaliar o objeto. Era um condrito – tipo de meteorito formado por poeira cósmica antiga e minúsculas gotículas derretidas – com cerca de 170 gramas, composto, segundo elas, por alguns dos materiais sólidos mais antigos do Sistema Solar.

Durante a visita à região, elas também foram a escolas, levando alguns meteoritos para mostrar aos estudantes e explicar sua importância para a compreensão do Universo.
Grupo luta pela regulamentação sobre meteoritos no Brasil
A atuação do grupo As Meteoríticas também evidencia a falta de regulamentação sobre a posse e a coleta de meteoritos – justamente o assunto que fez o fotógrafo do NYT tomar conhecimento sobre o trabalho delas. Enquanto nos EUA a lei define regras claras, aqui no país as pedras caídas em propriedades privadas pertencem aos donos, e as encontradas em áreas públicas vivem em uma espécie de “limbo”, que frequentemente permite que colecionadores nacionais e estrangeiros adquiram fragmentos valiosos antes que cientistas tenham acesso.
Essa situação ganhou grande repercussão em agosto de 2020, em Santa Filomena, Pernambuco. Mais de 80 quilos de meteoritos caíram do céu, incluindo um condrito raro de 38 kg, formado há 4,56 bilhões de anos e contendo minerais raros como troilita. Fragmentos foram vendidos rapidamente por milhares de dólares, enquanto cientistas alertavam para a perda de material crucial para pesquisas. Elizabeth e Amanda viajaram mais de dois mil quilômetros do Rio de Janeiro para negociar a preservação de um espécime considerado “uma obra-prima”, enfrentando colecionadores estrangeiros e locais.
Segundo Amanda, a presença de estrangeiros e a corrida pelo lucro “parecia uma forma grosseira de usar a riqueza para conquistar as pessoas, afastando os agricultores pobres dos cientistas”. Mesmo diante de desafios logísticos e financeiros, o grupo conseguiu garantir que o meteorito fosse para o Museu Nacional, vinculado à UFRJ, enquanto fragmentos menores ficaram para estudo na UFG.

A disputa mostrou também as dificuldades enfrentadas por mulheres no campo da ciência, especialmente em áreas remotas e competitivas. Amanda relembra que, na ocasião da “caça” ao meteorito de Santa Filomena, um grupo de mulheres encontrou um fragmento e se emocionou bastante. “Elas gritavam: ‘eu achei, eu achei, eu achei, e isso aqui é pra provar, porque eles falaram que a gente não era capaz’. Ou seja, então muitas mulheres ainda enfrentam essa coisa do julgamento de não ser capaz”.
Ela destaca que estampar as páginas de um jornal como o The New York Times é também uma forma de mostrar a capacidade feminina e incentivar as mulheres. “É uma felicidade de várias formas, não só pelo nosso reconhecimento profissional, mas também para estimular as mulheres, as meninas, a seguir no campo da ciência, de maneira geral, não só em relação a meteoritos”.
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As Meteoríticas se tornaram porta-vozes de uma campanha para transformar esses objetos em patrimônio científico nacional. Em parceria com pesquisadores de direito espacial e a Sociedade Brasileira de Geologia, elas defendem uma legislação que regule o comércio e a posse, sem proibi-los, garantindo segurança jurídica e preservação do material para pesquisa e educação.
Mulheres rompendo barreiras históricas para conquistar espaço merecido na ciência
O trabalho do grupo é exemplo de como ciência, educação e política podem se conectar para proteger o patrimônio nacional. Cada meteorito recuperado não é apenas uma rocha do espaço; é uma oportunidade de aproximar o Brasil do estudo do Universo, de inspirar novas gerações e de consolidar o protagonismo feminino em uma área historicamente dominada por homens.
Elizabeth, que é curadora da principal coleção de meteoritos do Brasil no Museu Nacional, define o valor dessas pedras como inestimável. “É como ir para a Lua, Marte ou além sem precisar gastar bilhões”. Amanda acrescenta: “Alguns meteoritos são verdadeiras obras-primas. Perder esses achados seria um golpe para a ciência e para a educação”.

O prestígio internacional do grupo vai muito mais além do reconhecimento da mídia. Elizabeth, por exemplo, é uma das guardiãs do meteorito de Ensisheim – uma rocha que caiu em 7 de novembro de 1492 em um campo de trigo nos arredores da cidade murada de Ensisheim, na França, e foi considerada na época um “presente de Deus”.
Em 1984, foi fundada a “Irmandade de São Jorge dos Guardiões do Meteorito de Ensisheim”, formada por moradores locais encarregados de proteger e acompanhar a peça em exposições. Com o tempo, a tradição ganhou projeção internacional. Durante o Ensisheim Meteorite Show, evento que acontece anualmente em junho, a confraria homenageia figuras mundialmente reconhecidas por preservar a memória dos meteoritos. Em 2019, Elizabeth recebeu o título, juntamente com André Moutinho, o maior colecionador de meteoritos do Brasil.
Com visibilidade crescente, reconhecimento internacional e ações de grande relevância nacional, As Meteoríticas consolidam o Brasil como referência na preservação de meteoritos e na promoção da ciência. A trajetória do grupo prova que talento, dedicação e estratégia podem transformar pequenas pedras do céu em ferramentas de educação, pesquisa e inspiração para o país e para o mundo.
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