Astrônomos amadores adotam telescópios remotos para observar o Universo 

Para quem sonha em observar o Universo, é preciso muito mais do que dinheiro para comprar um bom telescópio. A realidade, muitas vezes, impõe barreiras quase intransponíveis à astronomia amadora.

A principal delas é a poluição luminosa: nas cidades, o céu noturno nunca fica escuro o suficiente para revelar galáxias ou nebulosas. Some-se a isso as noites nubladas, a chuva ou o frio intenso, e a janela de oportunidade para usar o equipamento desaparece. O resultado é, quase sempre, como uma esteira ergométrica comprada na empolgação que acaba virando “cabide” – um telescópio caro acumulando poeira em um canto.

No entanto, uma nova modalidade de observação está surgindo para contornar esses percalços, impulsionada pela internet de alta velocidade e pela ascensão da astrofotografia digital. Nos EUA, o Observatório Starfront tornou-se o maior expoente global dessa revolução, permitindo que entusiastas “estacionem” seus equipamentos a milhares de quilômetros de distância e os controlem remotamente.

O Obseravatório Starfront, uma instalação dedicada à astronomia amadora por acesso remoto no Texas, oferece vários planos de hospedagem para os equipamentos. Crédito: Observatório Starfront

Exército de telescópios se revela sob o teto deslizante de cada galpão

Durante o dia, a propriedade em Rockwood, Texas, não chama atenção. São apenas onze estruturas idênticas, parecidas com grandes galpões de armazenamento, pontilhando um terreno que, até pouco tempo, era pasto. Mas, quando o Sol se põe, o local se transforma. Os tetos desses galpões deslizam e se abrem, revelando um exército de mais de 550 telescópios que “ganham vida”, girando e apontando para o cosmos.

O detalhe mais impressionante é a ausência de pessoas. Os donos desses equipamentos ficam em suas casas, até mesmo de outros estados, controlando por computador. Ao jornal The New York Times, Dustin Gibson, um dos fundadores do Starfront, define essa prática como “a maneira mais eficiente de fazer astronomia”. 

Vista aérea dos galpões onde mais de 550 telescópios estão “hospedados” no Obseravatório Starfront. Crédito: Observatório Starfront

A tendência da observação remota já é padrão entre profissionais, que agendam suas campanhas em escritórios climatizados. Agora, ela chega aos amadores. Enquanto outros observatórios remotos focam em equipamentos de elite, com custos proibitivos, o Starfront buscou um caminho diferente. “Nossa missão é tornar a exploração espacial […] mais acessível a todos”, afirma Josh Kim, também fundador.

Além de Gibson e Kim, a empresa também foi criada por Bray Falls e Nathan Hanks, todos com experiência prévia em startups de dados espaciais e na própria comunidade de astrofotografia. 

O serviço resolve o principal problema do hobby: a logística. Com planos a partir de US$ 99 mensais (aproximadamente, R$540), o cliente envia seu equipamento para ser instalado pela equipe técnica em um suporte de aço, garantindo energia e conexão.

“Não tem comparação”, diz cliente sobre a observação remota

O grande trunfo dessa modalidade é a astrofotografia. Em vez de uma breve olhada pela ocular, os usuários podem programar suas câmeras digitais para rastrear o mesmo objeto por dezenas ou até centenas de horas ao longo de várias noites. Esse tempo de exposição acumulado permite que os sensores captem fótons de galáxias e nebulosas extremamente tênues, invisíveis a olho nu.

Falls, que é astrofotógrafo, utilizou o sistema para descobrir uma nova nebulosa na constelação de Virgem, um objeto tão grande quanto a Lua no céu, mas tão fraco que jamais havia sido registrado. A imagem final exigiu 180 horas de exposição, algo impraticável em um quintal urbano.

O astrofotógrafo Bray Falls, um dos sócios fundadores do Obseravatório Starfront. Crédito: Observatório Starfront

Os clientes confirmam a diferença. Jonathan Semeyn, que mora perto de Kansas City, sofre com a poluição luminosa e um campo de visão limitado em casa. Ele estima ter conseguido talvez 100 horas de imagens em um ano com seu equipamento local. No Starfront, no segundo semestre do ano passado, ele acumulou mais de 800 horas. “Não há comparação”.

A acessibilidade também atrai novos perfis. Carlos Garcia, de Miami, possui um pequeno telescópio Seestar S50, de US$500 (cerca de R$2,7 mil). Outros observatórios remotos rejeitaram seu equipamento, considerando-o simples demais. Na instalação Starfront, ele foi aceito na faixa de preço mais baixa e hoje opera seu equipamento remotamente, fugindo do céu quase sempre nublado da Flórida.

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Janelas abertas para o Universo a serviço da educação

Segundo os proprietários do Observatório, a escolha do local foi estratégica. O Texas não era a opção óbvia; desertos no Novo México ou Chile oferecem céus mais puros. O terreno de seis hectares em Rockwood tinha, porém, duas vantagens cruciais: um céu “Classe 1” na escala Bortle (o nível mais escuro) e a proximidade de cabos de fibra óptica, garantindo a internet de alta velocidade essencial à operação.

O crescimento rápido, no entanto, trouxe desafios. Com centenas de usuários enviando seus equipamentos, a equipe de suporte ficou sobrecarregada. “Estávamos nos afogando”, lembra Kim. A solução foi criar uma comunidade na plataforma Discord, onde os próprios clientes podem trocar experiências, solucionar problemas técnicos e até colaborar em projetos.

O servidor tornou-se um ponto vibrante para mais de dois mil entusiastas. A startup adquiriu um terreno adjacente de 20 acres para expansão e agora estuda uma segunda unidade, no Hemisfério Sul. Os fundadores também vislumbram o uso educacional do serviço.

Gibson imagina escolas e universidades instalando seus próprios telescópios no local, permitindo que estudantes de qualquer lugar do mundo realizem observações reais. Para ele, isso transforma conceitos abstratos em experiências concretas. “Torna-se lugares em suas mentes, em vez de apenas coisas em um livro didático”.

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