Atores de Tremembé falam do peso de interpretar casal Nardoni: ‘Não saímos ilesos’

Interpretar pessoas reais é uma missão que vem repleta de desafios. No caso de Bianca Camparato e Lucas Oradovschi, eles foram os atores encarregados de adaptar o casal responsável por um dos crimes mais chocantes da história do Brasil, o caso Nardoni.

Vamos passar um contexto rápido: Anna Carolina Jatobá e Alexandre Nardoni foram condenados pelo assassinato de uma menina de 5 anos, Isabella, filha de Alexandre e enteada de Anna. O caso aconteceu em 2008 e ganhou fama instantânea pela tragédia envolvendo uma criança e a frieza do pai e da madrasta.

Para a série funcionar, os roteiristas e os atores precisam apresentar o lado humano dos personagens, mas com o cuidado de respeitar, nesse caso, as pessoas reais afetadas pelo crime.

O Minha Série teve a chance de conversar com os roteiristas e também com os atores responsáveis por trazer esse equilíbrio para Tremembé, nova série do Prime Video, que retrata o convívio entre criminosos dentro da Penitenciária de Tremembé (SP), conhecida popularmente como o “Presídio dos Famosos”. Eles contaram um pouco sobre essa sensibilidade na hora de assumir esses papéis.

‘Um crime tão horroroso que admitir culpa seria um preço muito alto’

Bianca Camparato e Lucas Oradovschi interpretam o casal Nardoni.

A atriz Bianca Camparato comentou sobre o peso desse papel e o cuidado necessário para retratar uma história real que acabou com uma família, sendo essa a maior dificuldade da intérprete de Anna Carolina Jatobá ao participar de Tremembé.

“Eu acho que o maior desafio é justamente toda essa carga que esse crime carrega. A gente está falando da morte de uma criança, uma família que foi dilacerada, uma mãe… Enfim, situações muito sérias e muito tristes e profundas. Então, a responsabilidade de estar interpretando essa história, de botar ela numa série que, se Deus quiser, vai atingir muita gente, para mim esse foi o maior desafio. Esse compromisso de contar essa história, fiel às informações da pesquisa dos personagens baseada nos livros do Ullisses Campbell, principalmente, e no roteiro da série.”

O ator Lucas Oradovschi complementou a fala de Bianca, mostrando o seu lado ao interpretar Alexandre Nardoni, figura que provavelmente nunca será esquecida em seu próprio país.

“A gente viveu esse desafio ético de como contar essas histórias de maneira respeitosa com todas as pessoas envolvidas, com as famílias envolvidas, com o país, porque é um caso que está marcado na memória coletiva do país, nas nossas memórias. Então como conduzir isso com muita seriedade, com muito respeito, com muita responsabilidade e ao mesmo tempo com plenitude, com entrega, com profundidade, com densidade. Como não colocar esses personagens apenas no lugar onde a gente enquanto país já os enxerga, por motivos óbvios.”

Se preparar para um papel desse tamanho e trazer humanidade para esses personagens é um exercício constante para os atores. É sair do lugar de público e tentar achar a sua interpretação para essa pessoa.

“É um ponto muito interessante do trabalho do ator e da atriz, ter esse privilégio de conseguir se entregar e acessar lugares que a gente nunca imaginou precisar acessar.”

“É um lugar de criação, de composição, é um trabalho artístico, de ficcionalização. Eu não tenho como acessar a mente de ninguém, né? Eu tenho como tentar encontrar pontos de contato e se eu fizer isso num lugar já estereotipado, num lugar julgador, que é um lugar óbvio, é um lugar que é quase inescapável, eu não consigo fazer esse trabalho com sensibilidade, com a profundidade que o trabalho pede. Então, esse é o maior desafio, é conseguir fazer as minhas concessões para acessar esses interiores, mas sem perder essa essa dimensão ética e sem passar essa linha, sabe?”, continuou Lucas.

Tanta entrega em um projeto que pode ser tão pesado exige uma carga emocional considerável. Mas como os atores lidam com essa demanda? Lucas considera parte do trabalho.

“Esse foi um desafio que permaneceu durante todos os dias, todas as cenas. Não foi algo que a gente resolveu na preparação. Foi uma contradição instaurada e paradoxal da humanidade que a gente teve que carregar do início ao fim, até o último segundo da última cena, né? E que continuam reverberando, a gente não sai ileso. Eu acho que a gente nunca sai ileso quando vive personagens, né? A gente é afetado, é transformado. Isso, na verdade, é um ponto muito interessante do trabalho do ator e da atriz, ter esse privilégio de conseguir se entregar e acessar lugares que a gente nunca imaginou precisar acessar. E acho que isso expande a nossa consciência do que é o ser humano, da consciência de si próprio, sabe? Acho que é um trabalho muito, muito profundo”, afirma o ator.

Cumplicidade no crime

O casal vive uma cumplicidade mesmo em presídios separados.

No primeiro episódio de Tremembé, é possível observar a cumplicidade entre os dois personagens. O casal Nardoni, que está junto até hoje, manteve a coerência de suas histórias, alegando até o final serem inocentes, mesmo depois de condenados pela justiça.

“Para mim esse é o coração dessa personagem que eu criei para esse roteiro. Se a gente se distanciar um pouquinho do contexto horrível, a gente vê na verdade o caso de um casal que está junto até hoje, que conta a mesma história até hoje, que nega o crime do qual eles foram condenados até hoje, que têm dois filhos juntos e estão tentando seguir a vida. Essa é a história que está aí hoje, né? Cumpriram a pena, então, ainda muitas vezes essas relações são dilaceradas quando algo acontece assim, por exemplo, né, o caso do Guilherme de Pádua”, comenta Bianca.

 Se fosse um presídio normal, ela estaria morta, né? Pelo que o crime que ela foi acusada e condenada.

A atriz reflete: “O que sempre me pega nessa atitude deles é: por que que um só não foi preso, por que foram os dois? Mas eu acho que é um crime tão horroroso que seria um preço muito alto admitir um crime desses. Então eu não sei o que se passou na cabeça deles, mas eu acho que há um pacto entre esse casal que até hoje se mantém. E esse foi um um dos pilares da minha interpretação, foi esse pacto que ela tem com esse marido.”

Lucas considera sua relação com Bianca como um pilar para sua interpretação, descrevendo ela como uma “atriz muito generosa”, sendo um ponto-chave na dinâmica dos dois.

“A gente entendeu que precisava aprofundar e fazer essa manutenção desse vínculo, dessa ligação, dessa conexão dos dois, que seria uma conexão nossa, né?”, complementa Lucas. “Durante todo o período de gravação, de preparação e de filmagem, porque eles estão presos em unidades separadas, alguns quilômetros de distância, eles passaram muitos e muitos anos sem se encontrar. E como o vínculo permanece, né? Então, acho que isso foi um dos grandes desafios, mas algo que fundamentou o nosso trabalho”.

Como interpretar figuras odiadas

Anna Carolina Jatobá era hostilizada na prisão por conta de seu crime.

A primeira cena de Anna Carolina Jatobá na série mostra ela sendo hostilizada no presídio. O público dificilmente terá dó da personagem, sabendo de seu crime. Então, como construir uma interpretação profunda, humanizada, de uma figura tão odiada nacionalmente? É preciso ter empatia pela personagem? Bianca buscou esse equilíbrio em seu trabalho.

“Essa foi uma das cenas mais desafiadoras para mim, por mais que ela seja meio rápida ali, para mim é exatamente isso, ela vai direto na minha questão criativa do tipo ‘eu faço as pessoas terem pena dessa mulher?’ Porque a minha tendência é fazer isso, tipo, ‘gostem de mim, gostem da minha personagem, fiquem com dó dela’. O jeito que ela fala com as pessoas, o jeito que ela fala com Sandrão ali, eu fui num lugar muito comentado nas pesquisas sobre a relação dela no presídio, que ela se achava um pouco melhor que os outros. Talvez por ela ter uma situação financeira um pouco mais alta do que algumas outras mulheres de lá, por conta do casamento com o Nardoni, ela se sentia nesse lugar ‘eu sou a branca classe média aqui e eu e eu mereço isso’”, disse.

Se Anna busca se sentiu mal tratada no Tremembé, em qualquer outro presídio a reação das outras presas seria muito pior. “Eu tentei por esse caminho para as pessoas não ficarem: ‘ai, tadinha’. Ela já toma uma água na cabeça, ela já tá lavando o chão, é difícil você não ficar com pena, mas eu tentei todos os artifícios de traço da personalidade dela para não gerar isso, porque se fosse um presídio normal, ela estaria morta, né? Pelo que o crime que ela foi acusada e condenada. Tremembé tem isso.”

A série Tremembé estreia sexta-feira, dia 31 de outubro, no Prime Video.

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