A Amazônia tem cerca de 5,5 milhões de quilômetros quadrados e percorre nove países, incluindo o Brasil. Não à toa, a floresta tropical esconde mistérios que até hoje surpreendem pesquisadores. Um deles é a chamada Cidade Perdida da Amazônia, uma civilização que ocupou a região do Vale do Upano, no Equador, desde os anos antes de Cristo.
No entanto, tanto quanto a formação dessa sociedade, seu fim é um mistério: a civilização do Upano passou por um ciclo de decadência e desapareceu, trazendo mais perguntas do que respostas.
Uma cidade escondida sob a copa das árvores
A descoberta começou no início de 2024, quando o arqueólogo francês Stéphen Rostain publicou um estudo na revista Science descrevendo uma sociedade complexa, com cultura agrária e construções únicas, escondida na Amazônia equatoriana.
Rostain já estudava a floresta há algumas décadas, mas só conseguiu localizar a sociedade ‘escondida’ quando usou a tecnologia de LiDAR aerotransportado, um sistema de sensoriamento remoto que usa pulsos de laser refletidos na paisagem. Nesse caso, ele funciona a partir de uma base aérea, como avião, drone ou helicóptero.
Com esse método, o arqueólogo e sua equipe vencerem as barreiras das copas das árvores e começaram a entender a complexidade da paisagem equatoriana, revelando estruturas escondidas sob a vegetação. Ao The Guardian, ele revelou que já havia identificado uma série de montes de terras e estradas, mas não sabia como tudo isso se encaixava. Com o sensoriamento, foi possível descobrir “um vale perdido de cidades”.
O resultado foi a Cidade Perdida da Amazônia. Trata-se de um sítio arqueológico de cerca de 600 quilômetros quadrados na região do Vale do Upano, ao leste do Equador, entre a Cordilheira dos Andes e a Amazônia.
Cidade perdida da Amazônia teve construções e estradas
De acordo com as escavações relatadas na pesquisa de 2024, o sítio foi ocupado desde 500 a.C. até algum momento entre 300 e 600 d.C – um período aproximadamente contemporâneo ao Império Romano na Europa.
A população exata é difícil de estimar. Segundo o arqueólogo Antoine Dorison, coautor do estudo, ao The Guardian, a expectativa é que a Cidade Perdida da Amazônia tenha abrigado pelo menos 10 mil habitantes – mas o número pode chegar a 30 mil no auge.
As imagens do LiDAR mostram que o sítio arqueológico tinha mais de 6 mil plataformas retangulares de terra, estruturas de praças e montes interligados por uma rede de estradas e caminhos retos extensos. De acordo com Rostain, as ruas não apenas se cruzavam entre si no local, mas também levavam para fora dele.
Essas vias funcionavam em conjunto e eram usadas para conectar a comunidade.
Stéphen Rostain, ao Live Science
No caso das plataformas, elas estavam organizadas em grupos de três a seis unidades em torno de uma plataforma central semelhante a uma praça. Os pesquisadores acreditam que algumas delas poderiam ter sido residências ou até locais com fins cerimoniais.
Além disso, a equipe detectou quase 15 diferentes assentamentos que variavam de tamanho e estrutura. Algumas dessas construções eram “montículos enormes” com até 150 metros de comprimento e 8 metros de altura, algo que Rostain descreveu como impressionante. A variedade nas estruturas demonstrava o quão elaborada a civilização era.
Outra descoberta foram possíveis sinais de ameaças à cidade, já que algumas valas bloqueavam as entradas dos assentamentos.
Um comunicado da equipe, na época, chegou a comparar a Cidade Perdida da Amazônia aos antigos sistemas urbanos dos maias, na América Central, devido à complexidade e dimensão.
Civilização foi a primeira agrícola da Amazônia
- O estudo também revelou que a Cidade Perdida da Amazônia é o maior e mais antigo exemplo de uma civilização agrícola já registrado na Amazônia;
- A civilização do Vale do Upano provavelmente se concentrou na agricultura, consumindo milho e batata-doce, alimentos típicos da região andina;
- Pelos registros, também há evidências de que a população modificou a vegetação ao redor em uma área de 10 quilômetros para além do principal sítio arqueológico;
- Um estudo deste ano (mais detalhes abaixo) ainda revelou que os habitantes do Upano cortaram e replantaram plantas como amieiros das matas, que provavelmente eram utilizadas como lenha ou materiais de construção.
Cidade Perdida da Amazônia teve fim misterioso
Um outro estudo, publicado na revista Nature Communications em agosto deste ano, trouxe mais informações sobre o declínio da Cidade Perdida da Amazônia.
A hipótese inicial era de que o fim dessa civilização teria sido semelhante ao de Pompeia. A presença de uma camada de cinzas sobre as construções levou arqueólogos a sugerir que a região foi devastada por uma erupção do vulcão Sangay, localizado nas proximidades do vale.
No entanto, essa teoria foi desmentida. A pesquisa realizou datações por radiocarbono na região próxima ao Lago Cormorán, onde os Upanos faziam plantações, e não encontrou evidências de acúmulo de cinzas.
A equipe, então, analisou grãos de pólen na região do lago e notou que a atividade agrícola na região parece ter diminuído gradualmente no decorrer dos séculos, até ser abandonada. Essa decadência não foi repentina, mas gradual, podendo ter levado séculos.
A análise do pólen revelou que a composição da floresta ao redor da cidade gradualmente se restaurou entre 200 e 550 d.C, o que sugere uma diminuição da atividade humana na região. A pesquisa estima que foram cerca de 350 anos de declínio até que a Cidade Perdida da Amazônia fosse finalmente abandonada.
O trabalho também ressaltou que as evidências ajudam a formular uma nova hipótese, mas não dão certeza sobre o que aconteceu com o povo do Vale do Upano. Na espera de novas pesquisa, resta a dúvida do porquê uma cidade com tamanho planejamento e estrutura foi abandonada no decorrer dos séculos.
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Civilização dá detalhes sobre formações humanas na Amazônia
Antoine Dorison reforçou como o estudo de 2024 muda a compreensão que temos sobre os povos da Amazônia.
Isso muda a maneira como vemos as culturas amazônicas. A maioria das pessoas imagina pequenos grupos, provavelmente nus, vivendo em cabanas e limpando a terra – isso mostra que as pessoas antigas viviam em complexas sociedades urbanas.
Antoine Dorison, arqueólogo e co-autor da pesquisa publicada na Science
Já Denise Maria Cavalcante Gomes, arqueóloga, professora e vice-chefe do Departamento de Antropologia do Museu Nacional, chama atenção para a complexidade dentro da própria Amazônia. Ao Olhar Digital, ela destacou como a sociedade do Vale do Upano não tem relação direta com outros povos amazônicos, inclusive do Brasil, mas que isso mostra a diversidade dentro da própria região.
São coisas independentes, cada uma com cronologias diferentes. O que a gente olha, no geral, é que existiram coisas na Amazônia em tempos diferentes, que não eram só indígenas vivendo na floresta sem recursos.
Denise Maria Cavalcante Gomes
Ela traça um paralelo da Cidade Perdida da Amazônia com o Vale do Xingu, que também revelou uma rede de caminhos ligando aldeias e plantios entre si.
Para além disso, tudo é diferente, desde a localização geográfica até o clima, o que só ajuda a aumentar o mistério acerca dos habitantes do Vale do Upano.
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