Você já se perguntou por que pessoas que quase morrem frequentemente descrevem estar indo em direção a uma luz sobrenatural ou vendo sua vida passar diante dos olhos? A Ciência também busca entender o que acontece.
Pessoas que usam DMT (dimetiltriptamina), uma droga psicodélica, relatam experiências parecidas. A ayahuasca, uma bebida xamânica que contém DMT, tem sido usada por tribos da Amazônia para se conectar com o mundo espiritual.
O pesquisador Michael Pascal, professor de Psicologia da Universidade de Greenwich, comparou os experiência com DMT e experiências de quase morte (EQMs) em seu mais recente estudo, publicado na Frontiers. Ele falou sobre o estudo em artigo no site The Conversation.
Os resultados mostraram semelhanças e diferenças entre os dois casos. O trabalho reuniu 36 participantes que inalaram doses altas de DMT vaporizada.
Meus colegas e eu usamos uma técnica de entrevista inspirada na micro fenomenologia, uma abordagem científica recente que ajuda as pessoas a acessarem dimensões sutis, porém inacessíveis, da experiência vivida. Essa abordagem auxilia os entrevistados a lembrarem detalhes de suas experiências, pedindo que as descrevam momento a momento, com suas próprias palavras e em ordem cronológica, expandindo diferentes dimensões como sensações e emoções.
Michael Pascal
Antes de seguir, é preciso explicar que:
- No Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA) proíbe o DMT.
- É importante ressaltar que o uso da ayahuasca com fins religiosos é
reconhecido como legítimo no Brasil, com fundamento em dispositivos normativos,
tanto nacionais quanto internacionais. - Mais especificamente: uma resolução do Conselho Nacional de Políticas Sobre Drogas (Conad) prevê exceção para utilização deste tipo de produto em rituais religiosos.
Os pesquisadores compararam as descrições com as informações do estudo “Análise temática qualitativa da fenomenologia das experiências de quase morte”, de 2018, que investigou 34 EQMs induzidas por parada cardíaca.
Semelhanças e diferenças
Entre as semelhanças, pessoas de ambos os grupos relataram:
- Sentir-se fora do corpo;
- Encontrar seres;
- Viajar por espaços misteriosos, como túneis ou vazios;
- Ver luzes brilhantes.
Essas experiências em comum sugerem que o processo cerebral também é semelhante, envolvendo alterações nas áreas do cérebro responsáveis pela percepção corporal, simulação de perspectivas alheias, percepção sensorial e processamento espacial.
Entre as diferenças, destacam-se:
- As experiências com DMT quase nunca incluíram a clássica “revisão da vida” das EQMs;
- Também não houve dramatizações do retorno à vida, como o encontro com um “limite simbólico de não retorno”;
- As EQMs quase nunca apresentaram os padrões geométricos complexos típicos das experiências com DMT;
- Pessoas com EQMs frequentemente relatavam encontrar entes queridos falecidos, enquanto usuários de DMT descreviam encontros com seres alienígenas ou de outros mundos.
Descobrir-se repentinamente transformado em um espírito testemunhando seu corpo do alto, antes de ser recebido por um guia, parecia ser característico de EQMs. O DMT simplesmente dissolvia a consciência corporal das pessoas, que rapidamente as lançavam para um mundo transcendente habitado por palhaços mecânicos ou cientistas serpentinos.
Michael Pascal
Biologia compartilhada e psicologia pessoal
O que torna as experiências semelhantes em elementos genéricos, mas diferentes em conteúdo? Os pesquisadores sugerem que isso se deve à combinação entre a biologia cerebral e a psicologia individual.
Os elementos comuns provavelmente vêm diretamente dos efeitos da DMT ou do estado de quase morte do cérebro. Esses elementos são “cenários universais” definidos pela biologia cerebral. Já as narrativas dessas experiências são moldadas por nossos contextos pessoais, culturais e memórias.
A neurociência ainda não consegue explicar completamente fenômenos que ocorrem nas EQMs, como a percepção correta do ambiente durante a saída do corpo.
Leia mais:
- ‘Sala de drogas’ secreta de 2.500 anos é descoberta no Peru
- Paciente com cegueira volta a enxergar após tratamento inédito na Itália
- Este inseto aprendeu a controlar seu próprio envelhecimento – e pode nos dar dicas
DMT e o cérebro
Ainda há muitas dúvidas sobre como a DMT é processada pelo cérebro em momentos de quase morte. Pesquisadores psicodélicos inicialmente sugeriram que a substância poderia inundar o cérebro nesses momentos.
No entanto, estudos mais recentes apontam para a dificuldade que o organismo teria de processar a substância e na dificuldade de detectá-la em estudos. Mesmo que humanos produzam DMT em quantidades psicoativas ao morrer, enzimas do corpo podem quebrá-la antes que atinja o cérebro com força suficiente.
Além disso, a serotonina aumenta drasticamente sob estresse extremo, o que pode gerar efeitos psicodélicos por si só. Ela se liga aos receptores de serotonina com mais afinidade do que a DMT, possivelmente bloqueando sua ação. Outros pesquisadores acreditam que danos a certas redes neurais e a falta de oxigênio perto da morte podem amplificar os efeitos psicodélicos da DMT.
Curiosamente, nosso estudo também identificou um subconjunto de EQMs que não apresentavam as imagens típicas, mas sim visões cósmicas e abstratas, mais comuns em viagens com DMT. É difícil dizer de onde vêm essas EQMs atípicas. Talvez a pessoa tivesse menos expectativas sobre EQMs ou mais familiaridade com experiências psicodélicas. Talvez seu corpo estivesse sintetizando níveis mais altos de DMT do que o normal.
Michael Pascal
O próximo passo dessa pesquisa seria monitorar a atividade cerebral quando certos elementos surgem. Também são necessários mais estudos para explorar razões psicológicas e culturais que moldam essas experiências.
Pesquisadores também cogitam a possibilidade de sua função terapêutica, especialmente para pessoas enfrentando ansiedade existencial ou medo da morte.
Cientistas já estão investigando se a ayahuasca pode tratar o transtorno de luto prolongado.
O post Cientistas veem numa droga psicodélica a chave para entender experiências de quase morte apareceu primeiro em Olhar Digital.