Todas as sextas-feiras, ao vivo, a partir das 21h (pelo horário de Brasília), vai ao ar o Programa Olhar Espacial, no canal do Olhar Digital no YouTube. O episódio da última sexta-feira (22) (que você confere aqui) apresentou a Arqueologia Galáctica, a área da astronomia que estuda o passado do cosmos através da análise de pistas deixadas em estrelas e galáxias
A professora de cosmologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Arianna Cortesi, explicou como pesquisadores encontram “fósseis cósmicos” que ajudam a reconstruir a história do Universo. Cortesi é doutora em astronomia pela Universidade de Nottingham e fez seus primeiros pós-doutorados no Reino Unido e na Austrália.
Em 2013, mudou-se para o Brasil, onde obteve outros três: no Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP), no Observatório do Valongo, da UFRJ, e no Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas. Atualmente, leciona no Instituto de Física da UFRJ.
Arqueólogos galácticos buscam fósseis estelares
Assim como arqueólogos escavam as ruínas deixadas por civilizações passadas, astrônomos podem observar nas galáxias e estrelas evidências da história do Universo. Essa área de estudo é conhecida como Arqueologia Galáctica, uma forma diferente de olhar para os gases e ondas luminosas que atravessam o cosmos.
Pesquisadores utilizam dois principais métodos para “escavar” a poeira cósmica: as imagens de telescópio e a espectroscopia. Com as fotos, os cientistas podem classificar a forma dos corpos espaciais, sua localização e como se relacionam com os astros ao seu redor.
Já a espectroscopia consiste em decompor a luz emitida por uma galáxia ou estrela para descobrir suas características. “Utilizando a espectrografia, astrônomos conseguem medir propriedades dos astros como sua velocidade e composição química. E assim conseguimos entender porque as galáxias são diferentes umas das outras”, disse Cortesi.
Estrelas idosas guardam histórias do passado
Para compreender a diversidade de estruturas galácticas na imensidão do espaço, os pesquisadores observam as estrelas. Suas diferentes propriedades contêm vestígios do passado, verdadeiros “fósseis cósmicos” de gás e calor.
Astrônomos dividem as estrelas em três grandes populações, cada uma em um estágio da evolução estelar. As exemplares da população III surgiram do acúmulo de gás nos primórdios do cosmos, são extremamente massivas e fundem hidrogênio em hélio em seu interior até esgotarem suas reservas.
“Quando todo o hélio no coração de uma estrela se transforma em carbono, é como se ela parasse de produzir energia. Os estratos externos logo colapsam, o material em seu interior é liberado para o espaço ao redor e novas estrelas se formam a partir desses resíduos”, explicou a professora.
Acredita-se que a maioria desses corpos estelares primordiais tiveram vida curta, eram extremamente massivos e eram pobres em metais (na astronomia, metal é todo elemento mais pesado que o hélio).
“As estrelas de população III são muito caçadas pelos astrônomos porque têm a memória de como era o Universo em seus primeiros milhões de anos”, comentou a astrônoma.
Do remanescente das primeiras explosões, surgiram os espécimes de população II, com mais metais em seu interior e capazes de fundir elementos até o ferro. Após seu colapso, nascem as de população I, como o nosso Sol, ricas em metais e fundamentais para a formação de planetas e sistemas estelares.
Onde os astrônomos encontram essas pistas?
Os “sítios arqueológicos” do espaço vão de trechos de galáxias até aglomerados inteiros. Dentre eles se destacam os aglomerados globulares, locais densos que concentram milhares de estrelas geradas ao mesmo tempo.
A origem desses grupos data de 10 bilhões de anos atrás, dos primórdios do cosmos. Ao observar as estrelas que os compõem, pesquisadores conseguem compreender o cosmos em seus primeiros bilhões de anos. “São como relógios cósmicos porque nos permitem estudar a idade do Universo”, disse a professora.
Em grande escala, o formato de uma galáxia também funciona como um registro de sua história. Elas nascem como aglomerados dispersos de gás, poeira e estrelas, e assumem formas no decorrer de seus bilhões de anos de existência.
“As galáxias no passado eram muito irregulares, e agora têm as formas maravilhosas que conseguimos enxergar”, comentou a astrônoma.
Nesse tempo, ocorrem diversas fusões: quando galáxias menores são absorvidas por maiores. Os vestígios dessas uniões permanecem registrados nas populações de estrelas e planetas que compõem cada sistema galáctico. “Nossa galáxia guarda a memória de todas as fusões que ocorreram ao longo de sua vida”, destacou Cortesi.
Novas tecnologias permitem astrônomos se aprofundarem no passado
Simulações em computador são aliadas nessa busca arqueológica pelo cosmos. Pesquisadores utilizam modelos matemáticos e tecnologia de ponta para simular o Universo no mundo digital, reconstruindo a força da gravidade e o comportamento dos corpos para entender como tudo surgiu.
“As simulações nos permitem comparar a nossa visão teórica de como o Universo se formou e evoluiu com os dados observacionais”, comentou a astrônoma.
Segundo a professora, cientistas dedicados à Arqueologia Galáctica estão em busca de desenvolver métodos matemáticos mais refinados para entender o formato das galáxias e sua formação, principalmente com a ajuda da inteligência artificial e processadores de última geração.
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Telescópios modernos como o James Webb e o Vera C. Rubin, no Chile, também são aliados dessa área de estudos. Enquanto o Webb permite observar o Universo profundo e enxergar as primeiras galáxias, o Rubin se dedica a mapear o céu noturno em grande escala, registrando milhões de estrelas e aglomerados galácticos com riqueza de detalhes.
“As imagens do Vera Rubin são incríveis e o James Webb é sempre muito mágico! Anos muito interessantes do ponto de vista astronômico nos esperam“, concluiu a professora.
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