Metal Gear Solid 3 Snake Eater é um clássico indiscutível do PlayStation 2, sendo consagrado não apenas como um dos melhores para o console, mas em todo o gênero de ação e espionagem. Com esse legado para honrar, não é surpresa que muitos fãs do título tenham recebido o anúncio do remake, Delta, com um certo receio.
E não é para menos. A saga Metal Gear é uma das obras-primas de Hideo Kojima, diretor japonês que praticamente dispensa apresentações. No entanto, caso não conheça o seu extenso legado, é possível sintetizar que a amada franquia de espionagem fez parte de quase 28 anos de sua vida, sendo em grande parte responsável pelo seu sucesso na indústria de jogos.
Entre 1987 e 2015, Kojima desenvolveu mais de 11 jogos principais da franquia Metal Gear, além de muitos spin-offs, encerrando sua participação com The Phantom Pain. Durante o período, o diretor compartilhou uma relação de altos e baixos com a Konami, dona da propriedade intelectual. A parceria se encerrou em um tom azedo, levando a danos colaterais de grande relevância – como a retirada dos créditos de Hideo dos materiais promocionais, e o cancelamento do projeto Silent Hills.
Na época, e durante os anos imediatos que seguiram, a Konami engavetou Metal Gear e muitas outras propriedades intelectuais – Castlevania e Silent Hill são exemplos. A empresa passou um bom tempo dedicando seus esforços a jogos para máquinas de apostas ou plataformas mobile, decisões que certamente desagradaram os fãs de longa-data.
Contudo, a maré mudou e a Konami parece ter ouvido as preces de muitos fãs. A empresa dedicou-se a relançar coletâneas competentes de suas sagas, e lançou um excelente remake de Silent Hill 2. Desta vez, Metal Gear Solid Delta: Snake Eater chega com a difícil missão de redimi-la diante dos apaixonados pela saga – mesmo sem a colaboração de seu criador, Kojima.
Te deixei esperando, né?
A demora na introdução talvez tenha sido tão proposital quanto a espera da Konami para revisitar Metal Gear – e peço desculpas por isso. Em ambos os casos, seria difícil falar de Snake Eater sem falar de Kojima, responsável pelas peculiaridades que o tornam um jogo tão especial. Tipicamente, o diretor costuma investir bastante esforço na apresentação de seus projetos, trazendo um aspecto cinematográfico e muito particular de sua visão.
O carinho de Kojima pelo cinema, na verdade, se estende para referências a filmes famosos dos anos 1980, diálogos extensos sobre sua importância para a cultura, e muito mais. Para o diretor, os jogos são uma versão “controlável” dos filmes, e seus projetos refletem essa perspectiva.
Junto desse cuidado, é claro, há também os exageros e auto-indulgências do diretor, característicos de seu estilo e que por vezes trazem a comicidade para a trama – com direito a piadas que, hoje em dia, certamente seriam vetadas pelos estúdios.
Toda essa combinação de elementos, somada à ausência de Kojima, elevou o desafio do estúdio Virtuos para um verdadeiro dilema. O quanto seria possível acrescentar ou mudar em Snake Eater sem descaracterizar sua essência?
Diante disso, o estúdio – que também é responsável pelo remake de The Elder Scrolls IV: Oblivion – optou pelo caminho mais seguro. Em Metal Gear Solid Delta, a aposta parece ter sido em um remake fiel à obra original, buscando preservar o máximo possível de detalhes. A abordagem vai ao contrário dos Remakes da Capcom, hoje tidos como referências de sucesso comercial, que costumam mudar e até censurar elementos que não combinam com a atualidade. Por isso, frequentemente, também são chamados de “reimaginações”.
Esse espírito de preservação aproxima Metal Gear Solid Delta de uma espécie de “remaster premium”, com inúmeros bônus e escolhas opcionais de mudança – da maneira mais lisonjeira possível. Tamanha preocupação exigiu, inclusive, um aviso inicial de que a representação de alguns temas poderiam não ser adequados para os padrões modernos, mas foram mantidos para manter a originalidade da visão.
Mas afinal, será que essas decisões funcionaram bem?
Gráficos e estilos visuais
Os visuais de Metal Gear Solid Delta são baseados na Unreal Engine 5, algo suficiente para levantar suspiro de alguns fãs. O motor gráfico, embora seja capaz de entregar visuais que impressionam, também é conhecido por não ter um desempenho tão polido – especialmente nos consoles. Além disso, há também uma percepção coletiva, por parte do público, que os últimos lançamentos baseados na tecnologia parecem todos “farinha do mesmo saco”, isto é, com pouca identidade própria.
Contudo, por priorizar a estilização visual do jogo clássico, Metal Gear Solid Delta consegue evitar, em partes, os problemas citados. Assim como o Snake Eater original, o novo remake segue em um caminho realista, mas com leves mudanças artísticas. A todo momento, o jogador tem certeza de que está consumindo um jogo apenas pelos visuais – e não há aquela percepção de que está assistindo um filme, como em Death Stranding.
Muito disso se dá pelos modelos dos personagens, que seguem uma linha que flerta com os traços de anime, apesar do viés realista. Sua movimentação, bastante dramática, era o padrão para suplementar a falta de detalhes nas expressões faciais na era do PlayStation 2. Em Metal Gear Solid Delta, esse estilo de captura de movimentos foi mantido para não descaracterizar a direção de cena planejada por Kojima.
Embora soe interessante, a combinação pode causar estranheza em muitos jogadores desavisados. O estilo, que pode ser entendido como ligeiramente “cartunesco”, causa um contraste direto com os gráficos super realistas da ambientação, que recebeu bastante capricho. Enquanto as folhagens e árvores parecem ricas em detalhes, os personagens humanóides parecem ir para um caminho mais livre – e por vezes me provocou a impressão do “vale da estranheza”.
Outro fator contribuinte para essa impressão foi a impecável dublagem, que segue a mesma utilizada na versão original. Mesmo que seja tecnicamente excelente, cheia de diálogos reflexivos, e sirva para preservar a identidade da obra, ainda pode soar estranha em um jogo tão “modernizado”.
No entanto, essas ocorrências aconteceram somente na primeira hora, e logo foram assimiladas pela proposta. Ainda assim, por vezes, não pude deixar de notar alguns objetos e texturas que pareciam super-simplificados em comparação aos demais. Essas pequenas inconsistências são perfeitamente ignoráveis e não mudam o aproveitamento da obra, mas, ainda assim, são perceptíveis.
Tratando de personalização, Metal Gear Solid Delta permite muitas escolhas, incluindo filtros nostálgicos e até aberturas alternativas. A todo momento, fica nítido que houve um cuidado para preservar as intenções do projeto original – e, ainda assim, promover opções com nível extra de fidelidade.
Nostalgia é um caminho perigoso
Por falar em fidelidade, abro aqui um questionamento – se tratando de um remake, até que ponto é pertinente seguir os mesmo passos da obra original? Jogando Metal Gear Solid Delta, me peguei refletindo, até demais, sobre essa pergunta. E, claro, não há uma resposta certa em absoluto, mas preferências.
Para o jogador casual, quando se menciona os remakes de jogos clássicos, como Resident Evil 4, Silent Hill 2 ou Dead Space, tem-se a ideia de gráficos de ponta e melhorias gerais. Além da apresentação, os três títulos exemplificados tem outro fator em comum: a modernização cuidadosa, mas expansiva, de sua ambientação.
Em Metal Gear Solid Delta, por vezes, senti que estava jogando uma versão com muitos mods gráficos do Snake Eater original. No entanto, alguns modelos, como as rochas, armários e árvores, ainda pareciam contrastar significativamente da proposta visual da ambiência, possuindo o que pareciam ser “polígonos de menos”. As lutas contra os chefes, e o trajeto até eles, também manteve-se essencialmente iguais – incluindo as transições de tela preta, já que o título não busca se aproximar de um “mundo aberto”.
Dessa maneira, a composição dos mapas, o layout dos ambientes, e a rigidez da movimentação me fizeram sentir em um jogo do PlayStation 2 – de uma maneira tão lisonjeira quanto preocupante. Para os fãs mais cuidadosos e exigentes, a abordagem pode ser a única minimamente aceitável para revisitar a obra de Kojima, e isso deve ser considerado.
Por outro lado, os fãs que visitarão a franquia pela primeira vez talvez sintam um certo choque de realidade, já que Metal Gear Solid Delta não se preocupa em modernizar muito mais do que os gráficos ou controles.
Mais do que apenas um incômodo, eles podem perceber o jogo como “datado”, por conta da estrutura das fases, mesmo quando há gráficos competentes e até exigentes no hardware. Essas preocupações se tornam maiores quando a escolha deste título, justamente o primeiro na cronologia da saga, deveria ser precursora de mais remakes.
De modo geral, não condeno a abordagem conservadora de Metal Gear Solid Delta, mas não consegui parar de me perguntar sobre as oportunidades de expansão que foram descartadas. Anteriormente, todos julgavam impossível recriar Resident Evil 4, Silent Hill 2 e até Dead Space sem comprometer “seu charme”. Contudo, pouco após o lançamento, os fãs entenderam que as novas versões foram suficientemente respeitosas com o passado, e ainda trouxeram mais conteúdo para seus respectivos universos.
Talvez, a própria Konami tenha preferido essa abordagem zelosa ao revisitar Snake Eater. De certo modo, o cuidado na preservação é um grandíssimo gesto de respeito ao legado de Kojima, que, inclusive, tem seu nome citado algumas (muitas) vezes durante a nova abertura do jogo.
Quem sabe, especulo eu, Metal Gear Solid Delta Snake Eater não seja uma espécie de bandeira branca após o polêmico divórcio entre a Konami e Kojima? Ou, talvez, eu só esteja sonhando alto com o relançamento de Silent Hills – façam isso acontecer, por favor!
Metal Gear Solid Delta Snake Eater vale a pena?
Como você deve ter percebido ao longo deste texto, minhas impressões sobre Metal Gear Solid Delta Snake Eater são ligeiramente mistas, mas ainda muito positivas. Acontece que, como um remake, o título acaba se destacando como um dos poucos na categoria com foco na preservação fiel, e não na reimaginação, de sua obra inspiradora – como Shadow of the Colossus da BluePoint ou até mesmo o Oblivion, da Virtuos.
Em outras palavras, reitero: para um remake, Metal Gear Solid Delta Snake Eater acaba se saindo brilhantemente bem como um “remaster premium”. E, se tratando desta franquia, talvez tenha sido a decisão mais sensata, já que a dublagem original e a estilização de Kojima são traços indispensáveis para a obra.
Portanto, e por todo esse capricho, é preciso reconhecer a mensagem: Metal Gear Solid 3 Snake Eater foi o que sempre poderia ter sido. Enquanto seu remake deixa espaço na imaginação sobre quais melhorias os desenvolvedores poderiam ter apostado em se arriscar, ele também faz questão de valorizar a qualidade indiscutível da obra original, e segue fiel a essa premissa.
Dessa maneira, nem mesmo os pequenos engasgos de desempenho no PlayStation 5 base, ou as eventuais estranhezas nas texturas, diminuem o que o remake se propõe a ser. Em sua alma, ele é tudo que torna Metal Gear Solid 3 Snake Eater um jogo tão cativante e especial, mas com uma nova roupagem e muitas opções de ajustes.
Metal Gear Solid Delta Snake Eater pode não ser o remake esperado pelos novos jogadores, mas é uma carta de amor para os fãs de longa data. É uma modernização respeitosa ao legado de Kojima e sua história na Konami.
Nota do Voxel — 95
Ponto positivos
- Todo o conteúdo do jogo original foi preservado com fidelidade;
- Estilo original preservado, em apresentação e dublagem;
- Opções para personalizar a experiência de jogo;
- Gráficos competentes para a nova geração.
Pontos negativos
- Quedas de quadro perceptíveis no PlayStation 5 Base, mesmo no modo desempenho;
- Inconsistência na qualidade visual de pequenos detalhes, incluindo modelos e texturas
Metal Gear Solid Delta: Snake Eater foi inteiramente jogado no PlayStation 5, na dificuldade “Extremo” e com configuração gráfica em “Desempenho”. Agradecemos a PlayStation pela chave gentilmente cedida para produção de conteúdo.