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Computação quântica e IA estão diante do abismo existente entre promessas e realidade

by Fesouza
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A computação quântica pode acelerar consideravelmente a inteligência artificial ou ser apenas mais uma promessa tecnológica inflacionada? Separar realidade de ficção científica é totalmente necessário. À primeira vista, números impressionam. Empresas de computação quântica geraram entre US$650 milhões e US$750 milhões em receita durante 2024, com expectativa de superar US$1 bilhão em 2025. Startups do setor atraíram quase US$2 bilhões em investimentos apenas no ano passado, um salto de 50% comparado a 2023.  

A projeção é que o mercado total de tecnologias quânticas atinja US$97 bilhões até 2035. Porém, há uma questão que a euforia financeira acoberta. Computadores quânticos operam com qubits, unidades que podem existir simultaneamente em estados de 0 e 1 por meio de um fenômeno chamado superposição.

Quando qubits se conectam por emaranhamento quântico, as propriedades se influenciam instantaneamente, independentemente da distância. Essa mecânica permite processamento exponencialmente mais rápido para certos problemas específicos. É uma teoria que seduz, mas a prática frustra. Qubits são extremamente frágeis. Uma vibração mínima, mudança térmica ou interferência eletromagnética destrói o estado quântico em milissegundos.

O ruído e a decoerência tornam os computadores quânticos atuais “barulhentos” demais para aplicações práticas robustas.

O mercado cogita que a vantagem quântica real pode chegar em 2026, ao começar com aplicações em química. Computadores totalmente tolerantes a falhas estão previstos apenas para 2029. Entre promessas e realidade, três anos representam eternidade no ritmo tecnológico atual.

Enquanto esperamos computadores quânticos revolucionarem a inteligência artificial, o oposto já acontece discretamente. A IA atualmente melhora computadores quânticos por meio de algoritmos de aprendizado de máquina. Corrige erros quânticos, otimiza controle de qubits e projeta códigos de correção mais eficientes.

Essa inversão revela a maturidade relativa das tecnologias. A IA tem sistemas funcionais que resolvem problemas reais hoje. A computação quântica ainda luta contra limitações físicas fundamentais. Organizações do setor usam machine learning para gerenciar a complexidade dos sistemas de controle quântico. Algoritmos clássicos detectam e corrigem desvios nos qubits antes que erros se propaguem. A IA atua como tecnologia habilitadora essencial para tornar computadores quânticos mais estáveis e confiáveis.

Um obstáculo raramente mencionado nas discussões públicas é a velocidade de entrada e saída de dados. Computadores quânticos são notoriamente lentos para carregar informações e extrair resultados. Para aplicações de big data que dominam o aprendizado de máquina contemporâneo, essa limitação representa um gargalo crítico.

Computador com visuais científicos, cheio de fios transparentes.
Interior do computador quântico da IBM (Imagem: IBM)

Modelos de IA processam terabytes de informação continuamente. Transferir esses volumes para sistemas quânticos e receber outputs processados consome tempo que elimina vantagens teóricas de velocidade. A arquitetura atual de computadores quânticos simplesmente não foi projetada para os fluxos de dados intensivos que caracterizam IA moderna.

Governos mundiais anunciaram US$1,8 bilhão em financiamentos para tecnologias quânticas durante 2024, sinalizando confiança institucional no setor. O Japão apostou US$7,4 bilhões adicionais no início de 2025. Esses investimentos maciços refletem potencial estratégico reconhecido, mas também pressão geopolítica para não ficar atrás na corrida tecnológica.

Apesar dos desafios, algumas aplicações começam a mostrar resultados práticos. Simulação molecular para descoberta de medicamentos apresenta casos de uso convincentes porque computadores quânticos modelam naturalmente sistemas quânticos. Moléculas são, fundamentalmente, sistemas quânticos.

Otimização financeira representa outra área promissora. Algoritmos quânticos podem encontrar soluções ótimas em espaços de possibilidades exponencialmente grandes, relevante para gestão de portfólios e análise de risco.

Criptografia quântica já oferece segurança teórica absoluta para comunicações críticas. O mercado de comunicação quântica projeta atingir até US$14,9 bilhões até 2035. Contudo, essas aplicações ainda operam em nichos especializados, longe da ubiquidade necessária para justificar o hype, a euforia generalizada.

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Chip quântico Willow, do Google, foi um grande passo dado para a tecnologia em 2024 (Imagem: Google)

Construir computadores quânticos com milhões de qubits estáveis representa um desafio de engenharia monumental. Sistemas atuais operam com centenas de qubits em ambientes controlados que custam milhões de dólares. Aumento de escala para níveis práticos exige avanços fundamentais em ciência de materiais, engenharia criogênica e física de estado sólido. A correção de erros quânticos também demanda recursos computacionais enormes.

Cada qubit lógico útil pode requerer centenas ou milhares de qubits físicos dedicados exclusivamente à correção de erros. Essa sobrecarga torna sistemas quânticos práticos ainda mais complexos e caros. Por isso, considero que a computação quântica permanece uma tecnologia de horizonte de médio a longo prazo. Aplicações transformadoras em IA ainda requerem avanços fundamentais em hardware, software e algoritmos.

Organizações visionárias mantêm equipes pequenas monitorando desenvolvimentos quânticos sem comprometer orçamentos operacionais. Parcerias com universidades e acesso a plataformas cloud quânticas oferecem exposição controlada ao risco.

A revolução quântica chegará, mas provavelmente de forma gradual e em domínios específicos primeiro. A computação quântica representa uma das fronteiras mais fascinantes da ciência aplicada. Sua intersecção com IA promete transformação na capacidade computacional humana. Mas entre promessa e realidade existe um abismo de complexidade técnica que ainda demandará anos de pesquisa intensiva para ser atravessado. A sabedoria, sem dúvidas, está em reconhecer tanto o potencial transformador quanto os obstáculos formidáveis que ainda precisam ser superados.

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