Computação quântica: o que é, quais suas aplicações, avanços e perspectivas futuras?

Uma alta tecnologia, que pode realizar mudanças gigantescas, facilitando a solução de problemas no futuro, a computação quântica é uma área que reúne grande diversidade de informações abrangendo a ciência da computação. Mas todo esse incrível universo começa na mecânica quântica.

Explicando a mecânica quântica

Misteriosa e contra-intuitiva. É assim que o físico Richard Feynman, que trabalhou no Projeto Manhattan e levou o Nobel da Física em 1965, descreveu a mecânica quântica – a teoria que descreve o comportamento da matéria e energia em escala atômica e subatômica.

A mecânica quântica é conhecida por suas propriedades peculiares e surpreendentes até mesmo para físicos experientes. E é a base da computação quântica, que galga uma era emergente, como a Reuters pontua.

O desenvolvimento histórico da mecânica quântica nas primeiras décadas do século XX abriu caminho para aplicações revolucionárias em vários campos, incluindo a computação

Um marco significativo foi o algoritmo de Shor, desenvolvido em 1994 por Peter Shor, que mostrou como computadores quânticos poderiam efetivamente resolver problemas que são inacessíveis para computadores clássicos.

Tecnologia tem condições de superar (e muito) os computadores tradicionais (Imagem: gorodenkoff/iStock)

O que é computação quântica?

Arthur Igreja, especialista em Tecnologia e Inovação, expõe ao Olhar Digital sua visão acerca da computação quântica:

A computação quântica pode mudar as coisas de várias formas. Primeiro, ela tem características completamente diferentes, não é uma evolução da computação tradicional, é de fato uma nova forma para poder computar problemas muito diferentes da lógica binária, cartesiana que temos até hoje. E por que isso é importante? Porque justamente por ela ser uma lógica completamente diferente, ela tem resultados completamente assimétricos para problemas onde a computação clássica não vai bem. Especialmente temas relacionados à pesquisa, relacionados a fenômenos da natureza, biológicos.

Arthur Igreja, especialista em Tecnologia e Inovação, em entrevista ao Olhar Digital

A computação quântica busca criar máquinas para serem capacitadas o suficiente para realizarem cálculos complexos de maneira mais eficiente do que os computadores tradicionais.

Atualmente, a computação tem como base o bit, que é um sistema que consegue assumir apenas uma informação: falso ou verdadeira (0 e 1). Esse processo acontece por meio da passagem da corrente elétrica por mecanismos semicondutores.

Por outro lado, os computadores quânticos utilizam como base os bits quânticos ou, como também são conhecidos, qubits e, assim, fazem o processamento computacional.

Começando: o que são qubits?

Enquanto os computadores tradicionais funcionam a partir de bits (zeros e uns organizados em cadeias lógicas), os qubits representam uma evolução radical desse modelo.

Eles aproveitam as propriedades da mecânica quântica para armazenar e processar informações de forma muito mais eficiente e complexa. Isso significa que problemas que levariam séculos para serem resolvidos em supercomputadores clássicos podem ser solucionados em minutos ou até segundos em máquinas quânticas.

Qubits, abreviação de quantum bits, são as unidades básicas de informação na computação quântica. Enquanto o bit tradicional só pode assumir os valores 0 ou 1, um qubit pode existir em múltiplos estados ao mesmo tempo, graças a um princípio chamado superposição quântica.

Na prática, isso significa que um qubit pode ser 0, 1 ou uma combinação de ambos simultaneamente. Essa característica permite que computadores quânticos realizem cálculos paralelos em uma escala incomparável aos sistemas convencionais.

Outra propriedade fundamental dos qubits é o emaranhamento quântico — fenômeno este que Albert Einstein chamou de “ação assustadora à distância”.

Quando dois qubits estão emaranhados, o estado de um influencia diretamente o outro, mesmo que estejam separados fisicamente. Essa conexão cria possibilidades de processamento que desafiam as limitações clássicas.

Qubits são o ponto-chave na computação quântica (Imagem: Flavia Correia via DALL-E/Olhar Digital)

Armazenamento dos qubits

Diferente dos bits tradicionais, que são armazenados em transistores de silício, os qubits podem ser criados de várias maneiras:

  • Íons aprisionados: átomos controlados por campos magnéticos e lasers;
  • Supercondutores: circuitos que operam em temperaturas extremamente baixas;
  • Fótons: partículas de luz usadas para representar estados quânticos.

Cada tecnologia tem vantagens e desafios. Por exemplo, sistemas supercondutores já são explorados por empresas, como Google e IBM, mas precisam ser resfriados quase ao zero absoluto para funcionar.

O grande desafio da computação quântica é a decoerência, ou seja, a perda do estado quântico devido a interferências externas. Manter os qubits estáveis exige ambientes extremamente controlados e sofisticados.

Ou seja, os qubits são altamente suscetíveis a erros, que podem rapidamente comprometer os resultados das máquinas quânticas.

A principal vantagem dos qubits é a capacidade de processar informações em paralelo. Enquanto um computador clássico precisa testar cada possibilidade de forma sequencial, um computador quântico pode explorar múltiplas soluções ao mesmo tempo.

Os qubits também podem ser colocados em superposição com lasers ou feixes de micro-ondas. É na superposição que eles surgem em 0 e 1 simultaneamente. Como os qubits possuem três dimensões quânticas, sua representação costuma ser realizada por meio de pontos em uma esfera.

Os qubits já existem dentro da computação. O desafio, agora, é escalá-los o suficiente para criar uma máquina viável – o que também traz desafios de design e física. Para atingir uma escala industrial, um sistema deve ter ao menos 200 qubits, mas a intenção é expandi-los para um milhão ou mais.

Coleções de qubits agem como ondas com enorme quantidade de dados. Um computador quântico contendo 350 qubits poderia, em tese, acompanhar todas as soluções possíveis para o problema de atribuição de voo de 50 aeronaves a 100 portões (as máquinas atuais costuam ter dezenas ou centenas de qubits).

Como a computação quântica funciona e quais são seus usos?

Uma das aplicações mais notáveis e imediatas previstas para esta área é a habilidade de quebrar códigos de criptografia em minutos, uma tarefa praticamente impossível para os computadores clássicos. Isso coloca esse tipo de computação como um campo importantíssimo para a segurança nacional e global.

Apesar dos desafios substanciais relacionados à fragilidade dos estados quânticos e à interferência de ruídos externos, versões iniciais de computadores quânticos já estão sendo utilizadas para pesquisa e desenvolvimento em diversas áreas (por exemplo: design de baterias).

Evolução

A América do Norte, especialmente os Estados Unidos e o Canadá, é reconhecida como um centro principal de pesquisa e desenvolvimento em computação quântica, com várias empresas e instituições liderando os avanços tecnológicos.

Uma delas é a IBM, que, em 2023, anunciou a criação do primeiro processador quântico com mais de mil qubits, o Condor, com 1.121 qubits supercondutores. Atualmente, a gigante da tecnologia se concentra na era da “utilidade quântica”, buscando integrar esse tipo de computação a aplicações práticas e úteis.

Em junho último, a big tech afirmou que estava próxima de uma máquina de escala completa após superar desafios de computadores quânticos anteriores. Segundo Jay Gambetta, chefe da iniciativa quântica da IBM, ao Financial Times, a empresa teria decifrado o código para criar a máquina, o que possibilitaria construí-la até o final da década.

Computadores quânticos de empresas, como a própria IBM e D-Wave Systems, venceram alguns dos computadores convencionais mais poderosos do mundo atualmente em certos cálculos de suma relevância para a física.

A D-Wave apostou bastante em aplicações de otimização ao desenvolver um tipo especial de computador quântico denominado recozimento, feito sob medida para solucionar esse tipo de problema. Ele contém cerca de cinco mil qubits, mas está limitado a procurar respostas aproximadas rapidamente e não realiza cálculos exatos. 

Em sinal promissor de que a tecnologia de recozimento da D-Wave pode ter vantagem sobre os computadores comuns para problemas práticos, o Lidar da USC mostrou, no início de 2024, como ela poderia ser usada para vencer jogo matemático semelhante à otimização, em artigo.

Como explica o Wall Street Journal, o objetivo das big techss, como a IBM, é alcançar a chamada “vantagem quântica”, quando computadores quânticos superam os mais poderosos supercomputadores convencionais.

  • A IBM, conhecida por seus grandes avanços no século passado, aposta que essa tecnologia pode devolver parte de sua relevância histórica;
  • A empresa desenvolve clusters de chips quânticos que devem permitir computação em larga escala nos próximos cinco anos e já anunciou uma parceria com a AMD para criar supercomputadores centrados em computação quântica.;
  • O IBM Quantum System Two, sua máquina mais avançada, já está em operação e sendo usado por pesquisadores do mundo todo;
  • Mais de três mil artigos científicos já foram publicados com base em seu uso;
  • A meta da empresa é lançar, até 2029, um computador quântico tolerante a falhas, capaz de resolver problemas complexos de logística, criptografia e simulação de materiais.

Em 24 de outubro, a IBM anunciou que conseguiu executar um algoritmo fundamental de correção de erros quânticos em chips convencionais fabricados pela AMD, em avanço considerado importante rumo à comercialização dos supercomputadores quânticos.

Google, Microsoft, Amazon e startups também investem bilhões na área. O Google participa de um programa da Defense Advanced Research Projects Agency (DARPA) para avaliar quais projetos têm potencial de gerar computadores quânticos úteis até 2033. Já a Microsoft aposta em qubits topológicos, ainda não comprovados, mas teoricamente mais estáveis.

Renderização do IBM Quantum Starling, computador quântico da empresa (Imagem: Divulgação/IBM)

Google

O Google também está na corrida e disse que superou um de seus maiores desafios no final do ano passado. De acordo com Julian Kelly, chefe de hardware do Google Quantum AI, todos os desafios restantes – de engenharia e científicos – são superáveis. A big tech acredita que pode construir um computador quântico em escala industrial até o final da década (ou seja, nos próximos cinco anos).

A companhia também já demonstrou um chip quântico capaz de realizar correções em si mesmo conforme aumenta de tamanho. Segundo o Financial Times, essa é a tentativa mais avançada do setor até agora em direção a uma máquina viável.

O Willow, como foi batizado, é um chip que utiliza a computação quântica para resolver problemas complexos de maneira muito mais rápida do que os computadores tradicionais. Ele pode processar grandes quantidades de dados de forma eficiente e com menos erros, abrindo novas possibilidades para a IA.

Recentemente, a gigante das buscas anunciou um avanço técnico significativo em computação quântica com o desenvolvimento de um novo algoritmo capaz de operar 13 mil vezes mais rápido do que um software equivalente em um supercomputador tradicional.

Nvidia

Em julho, a Nvidia se tornou a primeira empresa de capital aberto a atingir a marca de US$ 4 trilhões (R$ 22 trilhões, na conversão direta) em valor de mercado, se tornando a mais valiosa do mundo.

A companhia é conhecida por seus chips que alimentam a inteligência artificial. No entanto, também está tomando um rumo diferente e apostando na computação quântica.

Nos últimos meses, a Nvidia investiu ou fechou parcerias com três empresas de computação quântica: a Quantinuum, a QuEra e a PsiQuantum. De acordo com especialistas, apesar dos setores de IA e quântica não necessariamente estarem relacionados, a aposta em um ramo diferente é estratégica.

Segundo análise do Time, os investimentos em empresas de computação quântica são uma mudança de estratégia para a Nvidia. Em janeiro, o CEO Jensen Huang afirmou que computadores quânticos úteis demorariam entre 15 e 20 anos para sair do papel – o que derrubou ações de companhias do ramo.

Já em junho, ele voltou atrás e disse que a computação quântica chegou a um “ponto de inflexão” e que poderia “resolver alguns problemas interessantes nos próximos anos”.

Estudo inovador

Em setembro, pesquisadores de Harvard divulgaram estudo com o desenvolvimento de um sistema com três mil qubits capazes de operar por mais de duas horas ininterruptas.

O experimento supera desafios técnicos que limitavam experimentos anteriores e que dependiam de “tentativas únicas” devido à perda de átomos — uma dificuldade conhecida como atom loss, quando qubits escapam e perdem informações codificadas. O novo sistema foi desenvolvido em colaboração com o MIT e a QuEra, originada de laboratórios de Harvard e MIT.

Além disso, o sistema permite reconfigurar a conectividade dos átomos durante a computação, diferente dos chips convencionais, que têm conexões fixas. Recentemente, outro grupo do Caltech publicou um sistema com 6,1 mil qubits, mas que funcionou por menos de 13 segundos.

Também em setembro, a startup australiana de nanotecnologia Diraq demonstrou que seus chips quânticos não são apenas protótipos de laboratório: eles podem ser fabricados em escala industrial mantendo 99% de fidelidade, um marco crucial para tornar computadores quânticos comercialmente viáveis.

O feito foi alcançado em parceria com o Instituto Europeu de Nanoeletrônica (Imec, na sigla em inglês).

  • Os pesquisadores mostraram que os chips funcionam com a mesma precisão tanto em linhas de produção de semicondutores quanto em condições experimentais de laboratório;
  • Segundo o professor Andrew Dzurak, CEO da Diraq, “agora está claro que os chips da Diraq são totalmente compatíveis com processos de fabricação que existem há décadas”;
  • Os resultados, publicados na revista Nature, indicam que os dispositivos atingiram mais de 99% de fidelidade em operações de dois qubits;
  • Esse desempenho coloca a empresa mais perto da chamada “escala de utilidade”, ponto em que um computador quântico passa a entregar valor econômico superior ao custo de operação.

A conquista também reforça o potencial do silício como plataforma dominante para computação quântica, por permitir a integração de milhões de qubits em um único chip usando a mesma tecnologia que fabrica bilhões de transistores hoje.

Outros casos

O co-CEO da IQM (startup finlandesa de computação quântica), Jan Goetz, revelou, em junho, que sua empresa já está gerando lucro ao se inspirar na estratégia de financiamento da SpaceX.

Em entrevista ao site The Next Web, Goetz afirmou: “Quando começamos, era um típico caso de deep tech, e as pessoas achavam que a receita só viria em cinco ou dez anos. Não, isso é besteira. Já é possível ganhar dinheiro com essas máquinas em estágio inicial.”

O segredo está em vender a tecnologia dos computadores quânticos, ainda em estágio inicial, para o setor público — principalmente instituições de pesquisa financiadas pelo Estado. Além da troca comercial, essa estratégia ajuda a construir parcerias que podem financiar o desenvolvimento futuro da empresa e da tecnologia.

Vários experimentos seguem fazendo a área evoluir (Imagem: Panchenko Vladimir/Shutterstock)

Resto do mundo

Globalmente, países, como Reino Unido e China, também estão fazendo contribuições significativas para o campo, refletindo o interesse e o investimento internacional na computação quântica.

Apesar disso, há quem diga que os britânicos estariam ficando para trás nessa corrida, segundo relatório elaborado pelo ex-primeiro-ministro Tony Blair com o ex-líder conservador William Hague. “Como vimos com a IA, pesquisa e desenvolvimento não bastam: são os países com infraestrutura e capital que colhem os frutos”, afirmam Blair e Hague.

Embora o Reino Unido concentre o segundo maior número de startups quânticas do mundo, os autores destacam a falta de investimento de risco e infraestrutura para que essas empresas cresçam.

A era quântica chegará, quer a Grã-Bretanha a lidere ou não”, advertiu. O governo britânico, por sua vez, afirma estar comprometido com um plano de financiamento de dez anos e promete novas medidas para manter o país entre os líderes globais.

Nessa linha, o Google quer se unir ao país para explorar possibilidades de aplicações para o Willow. O professor Paul Stevenson, da Universidade de Surrey (que não teve envolvimento no acordo) disse à BBC que é “uma ótima notícia para os pesquisadores do Reino Unido”.

Haverá, efetivamente, uma colaboração entre a big tech e o laboratório nacional de computação quântica local, apontando que mais pesquisadores poderão acessar a tecnologia.

Nos Estados Unidos, a tentativa do presidente Donald Trump de proporcionar ao governo estadunidense mais controle sobre as principais tecnologias do momento — incluindo a computação quântica. Nessa linha, o governo Trump está em negociações para adquirir participações acionárias em empresas de computação quântica em troca de financiamento federal.

As conversas envolvem companhias, como IonQ, Rigetti Computing, D-Wave Quantum, Quantum Computing e Atom Computing, segundo fontes próximas às tratativas revelaram com exclusividade ao The Wall Street Journal.

“A computação quântica, o que se falava, é que ela poderia ter um florescimento depois de 2030, e, agora, muitos especialistas e muitas empresas já estão antecipando isso, puxando para eventualmente essa metade final da década“, frisa Igreja.

“E estamos tendo esse encurtamento nesses prazos, ou seja, problemas que pareciam mais desafiadores do ponto de vista de hardware, de refrigeração, e alguns sistemas híbridos estão sendo desenvolvidos, são muito importantes também, sistemas híbridos no sentido de que você tem parte de um computador tradicional e parte quântico, isso também é uma novidade recente. Do ponto de vista de hardware, o desenvolvimento está sendo surpreendentemente melhor do que esperava-se“, continua.

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O que dizem os especialistas?

Apesar de empresas, como Google e IBM, afirmarem estar perto da computação quântica estável e escalável, alguns especialistas acham que isso vai demorar.

Oskar Painter, executivo responsável pelo hardware quântico na Amazon Web Services (AWS), disse ao Financial Times que, mesmo que os próximos desafios sejam menores, não devemos subestimá-los. Para ele, um computador quântico viável ainda deve demorar de 15 a 30 anos.

Já Subodh Kulkarni, CEO da Rigetti Computing (startup que trabalha com qubits feitos de supercondutores, a mesma tecnologia usada pela IBM e pelo Google), reforçou a natureza incontrolável dos qubits, algo bem difícil de se resolver.

Outro desafio é o financeiro. Em uma demonstração, a IBM apresentou seu chip experimental Condor (que citamos há alguns parágrafos), que conseguiu diminuir as interferências de qubits. No entanto, a complexidade do sistema e o custo de operação tornam isso impraticável em maior escala.

O Google também enfrenta esse problema financeiro. A big tech diz que pretende reduzir os custos dos componentes por um fator de dez, até atingir o valor ideal de US$ 1 bilhão (R$ 5,5 bilhões) para um computador quântico de escala completa.

O neurocientista, futurista e colunista do Olhar Digital News Alvaro Machado Dias, aponta que, a entrada “triunfal” da Nvidia no setor é um indicativo de que as big techs chegaram na indústria quântica para ficar. “[…] não é só uma tendência; é um seguro de vida existencial: mais formas de computação, mais caminhos para percorrer quando a crise apertar (assumindo que ela irá acontecer como está se dizendo no mercado)”, e prossegue:

A questão é que, para não ficarem para trás, essas empresas precisam fazer algo que vai contra o DNA imediatista de Wall Street: investir pesado em algo que pode não dar lucro no próximo trimestre, nem no seguinte. Elas precisam dominar a pilha completa (“full stack”), do hardware criogênico ao software de correção de erros.

Quem tentar comprar essa tecnologia pronta de terceiros em 2030 será tarde demais; a barreira de entrada intelectual e patentária será intransponível. Percebe o paradoxo: investir em quântica alivia a pressão da temida bolha da IA, ao mesmo tempo que só irá gerar êxito se os mesmíssimos princípios forem aplicados, projetando ganhos num horizonte distante.

Alvaro Machado Dias, neurocientista, futurista e colunista do Olhar Digital News, em entrevista ao Olhar Digital

Igreja concorda. “Sim [as big techs continuarão investindo pesado em computação quântica], assim como aconteceu com a IA. As big techs tinham as suas áreas muito determinadas. A Meta, redes sociais, o Google pesquisa, advertising, a Microsoft com as suas aplicações empresariais e sistemas operacionais. Com a revolução da IA todas viraram empresas de IA“, rememora.

Com a computação quântica a lógica é a mesma, é algo tão poderoso, com potencial enorme, que elas vão ter que embarcar nisso. Podemos ter uma reconfiguração de mercado, ou seja, novos players, uma OpenAI da computação quântica, um competidor inédito que vem por fora, e também ter empresas que foram extremamente bem sucedidas até agora, que podem ficar para trás, podem se tornar menos relevantes.

Arthur Igreja, especialista em Tecnologia e Inovação, em entrevista ao Olhar Digital

Google é outra big tech empenhada na computação quântica (Imagem: bluestork/Shutterstock)

Futuro e potencial da tecnologia

Apesar do enorme potencial, a computação quântica ainda está em fase experimental. Os computadores quânticos de hoje possuem poucos qubits estáveis e não conseguem substituir os sistemas convencionais em tarefas do dia a dia.

Como pontua Igreja, “estamos ainda em um estágio muito incipiente da computação quântica, é como se estivéssemos nos anos 1950, 1960 da computação que temos hoje, mas mesmo com esses computadores quânticos incipientes, basta ver o que aconteceu com IBM, com Google, que conseguiram resolver em minutos um problema que com computação tradicional demoraria septilhões de anos”.

Mas há um contraste. Em 2019, o Google anunciou ter atingido a chamada supremacia quântica, resolvendo um cálculo específico em minutos que levaria milhares de anos em um supercomputador. Desde então, outras empresas e centros de pesquisa também têm registrado progressos importantes.

A expectativa é que, nas próximas décadas, os qubits deixem de ser apenas um conceito de laboratório e passem a integrar soluções comerciais. Em áreas, como medicina, segurança cibernética e inteligência artificial, o impacto pode ser comparado ao surgimento da própria internet.

O potencial econômico é estimado em até US$ 1,3 trilhão (R$ 7,1 trilhões) apenas em setores industriais e científicos. No futuro, os computadores quânticos podem tornar possível a engenharia de materiais ao nível molecular e quebrar diversas defesas usadas para proteger a internet, lembra o WSJ.

As seguintes são bons exemplos de uso de um computador quântico:

  • Criptografia: quebrar códigos considerados inquebráveis pelos padrões atuais;
  • Inteligência artificial (IA): treinar algoritmos de forma exponencialmente mais rápida;
  • Descoberta de novos materiais: simulações químicas complexas;
  • Finanças: otimização de investimentos e análise de riscos.

Áreas, como a biotecnologia, também podem ser beneficiadas, como demonstrado pelo AlphaFold, modelo de IA que ajudou a mapear estruturas de proteínas. Criado pelo Google DeepMind, o AlphaFold foi premiado com o Nobel de Química de 2024.

O câncer de mama também pode sofrer um grande revés com a computação quântica. Um novo estudo da Universidade Estadual Paulista (UNESP) propôs o uso da tecnologia para ajudar no diagnóstico precoce da doença. Ela se mostrou muito eficaz na detecção precoce de sinais do tumor, o que é fundamental para aumentar as chances de cura dos pacientes.

Além disso, a computação quântica pode facilitar simulações e experimentos que, de outra forma, seriam inviáveis com a tecnologia atual. Ao permitir o processamento de variáveis extremamente complexas em tempo real, ela pode acelerar o desenvolvimento de novos medicamentos ou, até mesmo, prever comportamentos em sistemas naturais, como a dinâmica das proteínas no corpo humano.

“Vivemos agora em era na qual, realmente, temos a oportunidade de investigar onde devemos usar um computador quântico”, diz Karl Jansen, físico do centro de investigação alemão Deutsches Elektronen-Synchrotron, (DESY), que está trabalhando no problema de porta de voo com a IonQ, empresa de computação quântica com sede em College Park, Maryland (EUA).

O comportamento anormal do mundo subatômico é o que permite aos computadores quânticos realizar alguns cálculos de forma bem mais rápida do que os PCs convencionais. Futuramente, aponta o The Wall Street Journal, também poderá ajudar a amenizar alguns problemas diários.

Apesar de estas máquinas quânticas serem propensas a erros atualmente, os avanços estão estimulando as empresas e os investigadores a procurar aplicações mais práticas, tais como calcular rapidamente como minimizar a distância que os passageiros das companhias aéreas devem percorrer para fazer suas conexões.

A D-Wave, por exemplo, usou seu computador quântico para ajudar clientes a determinar os horários de motoristas de entrega em supermercados, roteamento de passeios promocionais pelos EUA e os procedimentos de manuseio de carga no porto de Los Angeles (EUA).

Estas tarefas são exemplos dos chamados problemas de otimização, difíceis de se resolver dado o enorme número de opções que implicam. Outros incluem, como embalar caixas em contêineres de maneira mais eficiente e equilibrar risco versus recompensa em carteiras financeiras.

Dessa forma, nenhum computador convencional concebível nos dias de hoje poderia acompanhar todas essas possibilidades. Mas um computador quântico poderia, em tese.

Os computadores quânticos do futuro precisarão de muitos e muitos qubits – possivelmente, milhões – para lidar com o erro e, ainda, terão poder de fogo suficiente para tarefas poderosas, como simular a dinâmica de átomos e moléculas, conforme estudo de 2022 da Microsoft.

Agora, as empresas buscam descobrir quais outros usos práticos a última geração de computadores quânticos pode ter.

Jansen diz que resolveu com sucesso pequenas versões do problema de otimização da porta de voo em computador quântico de íons aprisionados feito pela IonQ e identificou os primeiros indícios de que sua técnica, em contagens de qubit grandes o suficiente, poderia superar os métodos de computação convencionais, como demonstrou em artigo.

Usando abordagem similar à de Jansen, pesquisadores da Clínica Cleveland dizem que um computador quântico da IBM superou um algoritmo de IA de última geração na previsão da forma de seção de molécula de proteína a partir do conhecimento de seus aminoácidos. Isso pode ser útil para detectar e tratar certas doenças à medida que as capacidades dos computadores quânticos evoluem. O artigo foi publicado no ACS Journal of Chemical Theory and Computation.

Goetz, co-CEO da IQM, observou que, por enquanto, a capacidade dos computadores quânticos de processar grandes volumes de dados é limitada, o que impede sua aplicação direta em IA. 

No entanto, a computação quântica pode auxiliar na geração de dados de treinamento. A IQM está desenvolvendo essa capacidade em parceria com a Siemens por meio de um projeto de aprendizado de máquina aprimorado por computação quântica.

“Os computadores quânticos podem ser usados para gerar dados sintéticos para treinar modelos de IA de forma mais eficiente… É como uma votação democrática. Você agrupa um conjunto de qubits e, se alguns falharem, os outros corrigem. A maioria fornece a resposta correta, e os erros são revertidos”, explicou.

Nvidia de Jensen Huang chegou com tudo para tentar dominar o setor (Imagem: Muhammad Alimaki/Shutterstock)

Computação quântica e IA

Como a otimização está envolvida no treinamento de algoritmos de aprendizado de máquina, algumas empresas creem que a tecnologia quântica pode tornar os aplicativos de IA ainda mais inteligentes

A IonQ, por exemplo, está trabalhando com a Hyundai em IA com tecnologia quântica para que carros autônomos reconheçam sinais de trânsito e outros. O WSJ traz que a IonQ apontou que mudar para o treinamento de IA baseado em quântica em pequeno modelo de aprendizado de máquina dobrou sua precisão de 30% para 60%.

Tão logo a contagem de qubits crescer dos atuais 36 para 64, algo que era esperado para este ano, a empresa acredita que seu algoritmo superará qualquer modelo imaginável de aprendizado de máquina não-quântico.

Em 28 de outubro, a Nvidia também realizou o anúncio de um novo produto que une o melhor dos dois mundos: o NVQLink, sistema de interconexão que conecta processadores quânticos a supercomputadores de IA.

Segundo a big tech, a nova interconexão é a primeira solução a oferecer a velocidade e a escala necessárias para permitir a computação quântica em larga escala.

Alvaro Machado Dias opina que esse é o caminho que veremos a seguir. “Minha visão é que, a partir do final de 2026 e sobretudo de 2027, começaremos a nos aproximar de uma Era da ‘IA Quântica’ ou ‘Quantum Machine Learning’, a qual só irá se realizar plenamente na década que vem, mas que deverá ser estagiada”, pontua.

“Se a inteligência artificial é hoje o martelo dourado com o qual o mercado tenta pregar todos os pregos, a computação quântica é a forja onde se tenta criar uma nova tabela periódica”, diz.

Mas Dias entende que essa convergência (entre IA e computação quântica) não será bem como muitos esperam. “Minha visão é que isso irá convergir a uma espécie de simbiose forçada. A quântica não servirá para rodar o ChatGPT 7.0 mais rápido para escrever e-mails corporativos; ela servirá para resolver os problemas de otimização combinatória que travam o avanço da própria IA e, assim, será parte do ‘stack do futuro‘.”

Igreja vai na mesma linha do futurista e afirma que “são pontos completamente complementares“. “A IA é a camada de aplicação, é a camada de software, é a capacidade técnica, e a computação quântica é uma nova forma de fazer computação que, inclusive, pode alavancar muito a própria inteligência artificial. São temas não concorrentes, eles são complementares e um vai acabar puxando o outro“, explica.

Quanto mais poderosa for a IA, mais ela vai ajudar no desenvolvimento e na pesquisa da computação quântica. Quanto mais computação quântica, mais ela vai viabilizar uma IA mais poderosa, ou seja, são tecnologias complementares e que se alimentam, se retroalimentam, se potencializam.

Arthur Igreja, especialista em Tecnologia e Inovação, em entrevista ao Olhar Digital

IA quântica generativa: uma união ainda maior

A britânica Quantinuum trabalha em tecnologia que permite que desenvolvedores programem um computador quântico de maneira semelhante aos computadores clássicos.

Isso é possível graças a uma nova linguagem de programação moderna baseada em Python, chamada Guppy. Com ela, é possível combinar recursos de computação híbridaquântica e clássica — em um único programa.

O Helios desbloqueia a capacidade de aprimorar modelos de IA com dados gerados por computação quântica, liberando assim o potencial da IA ​​em áreas, como análise de dados, design de materiais e química quântica.

Para acelerar o processo, a Quantinuum anunciou que vai expandir a parceria com a Nvidia para integrar o NVIDIA GB200 ao Helios por meio do NVIDIA NVQLink, permitindo aplicações em áreas específicas.

Com tantos avanços e possibilidades que a computação quântica nos traz como cenário possível, podemos mesmo sonhar com o uso da tecnologia no futuro, tanto na indústria, como nosso dia a dia.

Dessa forma, podemos conjecturar que, no futuro (próximo ou distante), a computação quântica será indispensável em nossas vidas, ao nível similar (ou maior, quem sabe) ao da internet, dos smartphones, da IA e dos computadores tradicionais.

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