O comportamento de um dos principais sistemas de correntes do Atlântico Norte está instável. E um ponto de inflexão climático pode estar próximo. A conclusão é de um estudo publicado na revista Science Advances recentemente.
A pesquisa analisou registros de conchas de moluscos marinhos — espécie de “anéis de árvore do oceano” — para reconstruir a história das águas subpolares nos últimos 150 anos.
Um sistema vital do Atlântico em alerta, segundo pesquisa
Os cientistas identificaram que o giroscópio subpolar do Atlântico Norte (SPG) perdeu estabilidade em dois momentos recentes: antes da mudança brusca nas correntes registrada nos anos 1920 e novamente a partir da década de 1950.
O giroscópio subpolar do Atlântico Norte funciona como um motor auxiliar da Circulação Meridional do Atlântico (AMOC), responsável por redistribuir calor entre hemisférios.
Por um lado, o colapso completo é improvável porque parte da circulação também é movida por ventos. Por outro, mesmo um enfraquecimento parcial seria suficiente para aumentar a frequência de eventos climáticos extremos na Europa e alterar padrões de chuva mundo afora.
O que o estudo descobriu
A pesquisa reuniu 25 registros derivados de conchas de moluscos para identificar sinais de perda de estabilidade no Atlântico Norte. Os dados revelaram dois episódios marcantes:
- O primeiro, no início do século 20, antecedeu a mudança brusca de circulação registrada nos anos 1920;
- O segundo começou por volta de 1950 e segue até hoje, indicando que o sistema caminha para um novo ponto de inflexão.
Para os cientistas, o sinal é claro: o giroscópio subpolar tem respondido cada vez mais lentamente a perturbações, um padrão típico de sistemas que perdem resiliência.
“É altamente preocupante. O giroscópio subpolar foi recentemente reconhecido como um elemento de inflexão”, disse a pesquisadora Beatriz Arellano Nava, autora principal do estudo, ao site Live Science.
Clima em risco
Os cientistas alertam que, mesmo sem um colapso total como o que se teme para a AMOC, um enfraquecimento do giroscópio subpolar já seria suficiente para provocar transformações expressivas no clima.
Entre as possíveis consequências, estão: resfriamento regional do Atlântico Norte, clima mais sazonal na Europa Ocidental e mudanças nos padrões globais de chuva.
A preocupação é que essas alterações tragam mais ondas de calor, secas e tempestades intensas, o que pressionaria ecossistemas e sociedades já vulneráveis às mudanças climáticas.
Lições do passado
O estudo mostra que o Atlântico já viveu momentos semelhantes no passado. A instabilidade detectada antes dos anos 1920, por exemplo, pode ter funcionado como gatilho para a reorganização das correntes oceânicas registrada naquela década, num cenário de aquecimento rápido no Hemisfério Norte.
Situação parecida ocorreu séculos antes, durante a Pequena Era do Gelo, quando o enfraquecimento do giroscópio subpolar ajudou a prolongar um período de resfriamento intenso entre os séculos 13 e 19.
Segundo Arellano Nava, “o giroscópio subpolar pode enfraquecer abruptamente sem a AMOC colapsar. Foi isso que aconteceu na transição para a Pequena Era do Gelo”.
Embora as condições atuais de mudanças climáticas sejam diferentes das do passado, os pesquisadores veem nesses episódios históricos um alerta de como mudanças rápidas nas correntes podem desencadear transformações profundas.
Debate científico
Apesar da robustez dos dados, o estudo não passou sem críticas. Alguns especialistas consideram que as evidências de instabilidade do giroscópio subpolar ainda não são suficientes para confirmar um ponto de inflexão iminente.
O oceanógrafo David Thornalley, da University College London, disse ao Live Science que os registros em conchas são valiosos porque permitem análises ano a ano.
No entanto, ponderou: “O estudo não vinculou diretamente os padrões observados nas conchas a características físicas no oceano, nem trouxe evidências fortes para uma mudança no modo de operação do giroscópio subpolar. Sou cético quanto à interpretação”.
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O que vem pela frente
Os autores do estudo agora trabalham em mapear possíveis trajetórias climáticas que poderiam se abrir caso o enfraquecimento do giroscópio subpolar se confirme nas próximas décadas.
O receio é que a entrada crescente de água doce no Atlântico Norte, causada pelo derretimento acelerado de geleiras e pelo aumento das chuvas, reduza ainda mais a densidade das águas e comprometa a circulação oceânica.
Isso pode aproximar o sistema de um ponto de não retorno. “Não sabemos exatamente qual é o ponto de inflexão. Pode ser a AMOC, mas talvez estejamos observando primeiro um enfraquecimento do giroscópio subpolar – e isso é preocupante, sem dúvida”, disse Arellano Nava.
Para os pesquisadores, acompanhar de perto esses sinais é essencial para antecipar mudanças abruptas. E preparar sociedades e ecossistemas para cenários de maior instabilidade climática.
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