Criança “viciada” em ChatGPT expõe riscos de apego emocional à IA

Um usuário do Reddit viralizou recentemente ao contar que deixou seu filho de 4 anos conversar por horas com o ChatGPT sobre trens e o programa Thomas e Seus Amigos. 

De acordo com John, o pai da criança, após ouvi-la falar por 45 minutos sobre o show infantil, ele decidiu colocá-la para conversar com o chatbot no modo de voz. Duas horas depois, ao procurar seu celular, o usuário encontrou seu filho ainda conversando com a inteligência artificial – num bate-papo que, segundo ele, rendeu uma transcrição de mais de 10 mil palavras.

“Meu filho acha que o Chatgpt é a pessoa mais legal do mundo que adora trens. A barra está tão alta agora que nunca vou conseguir competir com isso”, escreveu John em sua publicação. 

Apesar do tom de humor, especialistas se preocupam com a interação entre crianças e as inteligências artificiais. Isso porque, pesquisas atuais indicam que quando as crianças se envolvem em atividades de aprendizagem com IA, elas podem encontrar conteúdo inadequado, impreciso ou tendencioso. Além disso, as interações sociais das crianças com a IA podem afetar sua abordagem às interações interpessoais.

O que dizem os especialistas sobre crianças e IA

De acordo com especialistas, as crianças até os 9 ou 10 anos ainda não conseguem distinguir exatamente se um objeto é um ser vivo ou não. Ainda nesse sentido, crianças tendem a se retrair e ficar menos interativas em conversas com pessoas que aparentam serem muito mais inteligentes. Isso quer dizer que, além de superestimuladas, as crianças também ficam confusas sobre a natureza daquela tecnologia.

Um estudo tentou entender a compreensão das crianças de 3 a 6 anos sobre aparelhos com assistentes de voz que temos em casa, como Alexa, Siri ou Google Assistente. Na maioria das respostas, a criançada sabia que esses objetos inanimados, mas algumas respostas colocavam essa tecnologia num lugar além – nem animado ou inanimado, mas uma coisa com capacidade de falar, ouvir, pensar e sentir.

A preocupação dos pais com a dosagem de tecnologia vem desde o rádio – da televisão ao iPad, a principal problemática era a quantidade de tempo perdido pelas crianças e os possíveis atrasos no desenvolvimento. Ninguém estava preparado para esse tipo de interação online que é possível com a inteligência artificial – o tempo de tela adequado ainda nem é consenso entre pais e profissionais da infância. O que preocupa nesse tipo de interação é a criação de relações parassociais, conexões socioemocionais não recíprocas. Até pouco tempo, esse tipo de apego só era relacionado a celebridades e figuras públicas, mas com o avanço da Inteligência Artificial é preciso prestar ainda mais atenção.

Relações parassociais, simulação de empatia e amizade

A inteligência artificial consegue emular empatia de forma limitada, mas suficiente para que adolescentes e crianças criem apegos emocionais. Isso não é feito de forma premeditada, mas é fácil manipular pessoas que, pela pouca idade, não têm discernimento para entender outras formas de relacionamento – se a IA conversa, “entende” seus problemas, aconselha e apoia, porque não posso considerá-la minha amiga?

Dois casos recentes expõem os riscos do uso inadequado de chatbots de IA por adolescentes em situação de vulnerabilidade emocional. Ambos revelam um padrão preocupante: jovens que desenvolvem dependência emocional dessas ferramentas, isolam-se progressivamente da realidade e, em vez de receberem encaminhamento para ajuda profissional, encontram validação para pensamentos autodestrutivos.

O primeiro caso envolve Sewell, um adolescente que mantinha conversas intensas com um chatbot que simulava Daenerys Targaryen, personagem da saga Game of Thrones. Segundo reportagem do The New York Times, que trouxe detalhes do processo judicial em andamento, o jovem desenvolveu uma conexão emocional profunda com a IA, passando horas desabafando sobre sua vida e vivendo um romance virtual. A mãe relata que ele gradualmente começou a se isolar, apresentou queda no desempenho escolar, abandonou outros hobbies e passou a virar noites conectado ao chatbot.

ChatGPT instruiu adolescente com tendência suicida

Mais recentemente, em abril deste ano, Adam Raine, de 16 anos, morreu nos Estados Unidos após discutir ideias suicidas com o ChatGPT por semanas. Seus pais estão processando a OpenAI no que será o primeiro julgamento da plataforma por homicídio culposo, no Tribunal Superior da Califórnia. Os registros apresentados à justiça mostram que, em vez de direcionar o adolescente para profissionais de saúde mental, a IA validava e incentivava atos autodestrutivos, orientando-o ainda a escondê-los.

De acordo com o processo, Adam começou a usar o ChatGPT em setembro de 2024 para ajuda em atividades escolares, mas rapidamente desenvolveu codependência da ferramenta. Passou a confidenciar dificuldades com ansiedade e outros transtornos psicológicos e, em janeiro de 2025, começou a consultar a IA sobre métodos suicidas. Os registros revelam que o chatbot não apenas ajudou Adam a explorar formas de cometer suicídio, mas deu instruções detalhadas, catalogou materiais para enforcamento e sugeriu que roubasse álcool do armário do pai para “amortecer o instinto de sobrevivência do corpo”. A IA ainda se dispôs a escrever uma carta de despedida para os pais, proposta que o menino recusou.

No Brasil, o Estatuto da Criança e do Adolescente ainda luta no Senado para aprovar o Projeto de Lei (PL) 2628/2022, que busca estabelecer diretrizes e obrigações para plataformas, aplicativos e redes sociais para prevenir a exposição a conteúdos nocivos, a exploração sexual e o fenômeno da adultização infantil. Apesar de cobrir de forma geral o acesso à internet, o PL não traz nenhuma resolução específica para Inteligência Artificial.

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