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É verdade que há pessoas imunes ao HIV? Entenda o que diz a medicina

by Fesouza
9 minutes read

O HIV (Vírus da Imunodeficiência Humana) é um dos vírus mais estudados da medicina moderna, por sua capacidade de atacar o sistema imunológico e levar à AIDS caso não seja tratado.

Apesar dos avanços enormes em prevenção e tratamento, ainda existem muitas dúvidas sobre o que a ciência sabe atualmente, inclusive se existe ou não quem seja “imune” ao vírus. Essas questões mexem com medos, esperanças e, às vezes, com mitos.

Nos últimos anos, pesquisadores encontraram casos muito especiais de pessoas que, mesmo expostas ao HIV, não se infectaram ou conseguiram controlar o vírus por períodos muito longos sem medicamentos.

Esses casos geram hipóteses sobre mutações genéticas, resistência natural ou outros mecanismos imunológicos ainda pouco conhecidos. Por outro lado, há limites claros no que “ser imune” de fato significa, e é importante diferenciar imunidade completa, parcial, remissão ou controle.

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Confira abaixo na matéria se é possível nascer ou tornar-se imune ao HIV, o que a medicina já comprovou, as mutações genéticas envolvidas, os casos conhecidos e o que isso realmente significa na prática.

Imagem de um vírus que causa doenças
O HIV é um retrovírus que ataca principalmente células do sistema imune, especialmente os linfócitos CD4, as células T auxiliares. (Imagem: Niphon Subsri/Shutterstock)

É possível nascer ou tornar-se imune ao HIV?

O HIV é um retrovírus que ataca principalmente células do sistema imune, especialmente os linfócitos CD4, as células T auxiliares. Ele precisa se ligar a essas células para entrar nelas, replicar seu material genético e produzir novas partículas virais. Quando não há tratamento, isso vai diminuindo o número de células CD4, debilitando a resposta imune e abrindo espaço para infecções oportunistas.

A forma de transmissão inclui contato com fluidos corporais contaminados, como sangue, sêmen, fluidos vaginais, leite materno, entre outros. Também pode haver transmissão vertical, da mãe para o filho, durante a gestação, parto ou amamentação, caso não haja uma intervenção adequada.

As medidas preventivas, que incluem o uso de preservativos, tratamento antirretroviral para pessoas vivendo com HIV, profilaxia antes ou depois da exposição, diminuíram consideravelmente os casos novos ao longo dos anos.

Com o tempo, o conhecimento médico sobre HIV evoluiu bastante. Do diagnóstico inicial que era quase uma sentença certa, evoluímos para termos terapias antirretrovirais (TAR) que permitem viver décadas com qualidade.

Além disso, existem os casos dos “controladores de elite”, que são pessoas que mantêm o vírus em níveis tão baixos que ele mal se detecta; e também contamos com diversas pesquisas em mutações genéticas que conferem alguma forma de resistência ou proteção parcial ao vírus.

imagem ampliada do vírus do HIV
Com o tempo, o conhecimento médico sobre HIV evoluiu bastante. (Imagem: National Institute Of Allergy And Infectious Diseases/Unsplash)

O que significa “imunidade” ou “resistência natural”

Quando falamos se alguém pode ser “imune” ao HIV, precisamos esclarecer que a imunidade completa significa que, mesmo exposta ao vírus repetidamente, essa pessoa nunca é infectada em nenhum de seus tecidos ou células.

Já resistência ou proteção parcial pode significar que o HIV tem dificuldade de infectar, ou infecta mas progride muito mais devagar, ou que o sistema imunológico consegue manter o vírus sob controle sem que ele cause doença.

A verdade é que casos de imunidade completa são extremamente raros, e mesmo onde há mutações ou aptidões genéticas, essa proteção geralmente vale só para certos tipos de cepas do HIV, como por exemplo aquelas que usam um determinado receptor para entrar nas células. Existem também variantes virais que conseguem “contornar” algumas dessas barreiras genéticas ou imunológicas.

Um dos mecanismos mais estudados de resistência natural ao HIV envolve o gene CCR5, que codifica uma proteína, um receptor, na superfície de células imunológicas. Muitos vírus HIV fazem uso desse receptor como “porta de entrada” (co-receptor) para infectar as células CD4. A mutação chamada CCR5-Δ32 é uma deleção de 32 pares de bases no código do gene, que resulta em receptor truncado ou ausente na superfície da célula.

Pessoas que herdam duas cópias da mutação (uma de cada pai), chamadas de homozigotas CCR5-Δ32/Δ32, têm uma resistência muito significativa a infecções por HIV que dependem do receptor CCR5 (as cepas “R5-tropic”). Isso significa que, para esses vírus, a “porta” de entrada não está disponível.

Entretanto, existem limitações, já que algumas cepas do HIV usam outros receptores (como CXCR4) ou cepas mistas (que possam usar CCR5 ou CXCR4), e essas podem infectar mesmo quem tem a mutação CCR5-Δ32 homozigota. Além disso, a mutação é muito rara, particularmente em populações fora da Europa.

Um dos casos mais importantes é o do paciente conhecido como “Paciente de Berlim”, que recebeu transplante de medula óssea de doador homozigoto para CCR5-Δ32, e conseguiu controle duradouro do HIV.

Também há casos de pessoas expostas repetidamente ao HIV que parecem não se infectar, ou mantêm o vírus em níveis tão baixos que não progridem para AIDS, e são chamados de “exposed uninfected” ou “resistentes naturais”. Esses casos são objetos de estudo para entender mecanismos de defesa do organismo que vão além da mutação única.

pesquisa hiv
A verdade é que casos de imunidade completa são extremamente raros, e mesmo onde há mutações ou aptidões genéticas, essa proteção geralmente vale só para certos tipos de cepas do HIV. (Imagem: Quality Stock Arts/Shutterstock)

Nascer “imune” ao HIV: existe?

Até o momento, não há evidência científica de que alguém possa nascer completamente imune ao HIV no sentido absoluto, sem nenhuma possibilidade de infecção para todas as cepas virais, sem intervenção médica. Somente se nascer com mutações como CCR5-Δ32/Δ32 que conferem resistência significativa para cepas que usam aquele receptor, porém, isso não garante imunidade contra todos os tipos de HIV.

No caso da transmissão vertical (mãe para filho), quando a mãe está em tratamento antirretroviral eficaz, o risco de infecção do bebê pode ser quase zero. Esse controle terapêutico permite manter o vírus em níveis muito baixos ou indetectáveis, reduzindo consideravelmente o risco de transmissão ao bebê. Mas isso não pode ser considerado uma “imunidade natural”, e sim prevenção médica.

Não existe até hoje uma forma comprovada de “vacinar” ou treinar o corpo para se tornar imune ao HIV no sentido completo, embora haja vacinas experimentais, terapias genéticas e medicamentos que visam mecanismos como CCR5. Pesquisas com edição genética, como CRISPR, estão em andamento para ver se é possível modificar células do próprio corpo para que se tornem resistentes ao vírus.

Outra forma de controle é o que se chama de “controladores de elite”: pessoas que contraíram HIV, mas cujo sistema imunológico consegue manter o vírus em níveis extremamente baixos por muitos anos, sem tratamento, embora não estejam tecnicamente “imunes”. Eles não eliminam completamente o vírus, mas vivem com ele como se fosse latente, sem evolução para AIDS por longos períodos.

representação 3D do vírus HIV
Até o momento, não há evidência científica de que alguém possa nascer completamente imune ao HIV no sentido absoluto. (Imagem: National Institute Of Allergy And Infectious Diseases/Unsplash)

Mesmo com mutações como CCR5-Δ32, ainda existem riscos, já que a mutação não protege contra todas as cepas do HIV. Além disso, o uso de terapia genética ou transplantes de medula óssea traz riscos médicos elevados. Essas intervenções são complicadas, caras e invasivas, com efeitos colaterais possíveis, não sendo soluções amplamente disponíveis.

Também há o perigo de que, por acreditar-se “resistente”, algumas pessoas deixem de seguir as medidas preventivas, como o uso de preservativo, testagem, etc., o que pode levar à infecção, especialmente se expostas a cepas diferentes ou se houver falhas no sistema imune.

A medicina reconhece que há pessoas com resistência natural ao HIV, em especial graças a mutações genéticas, modelos de estudo e casos excepcionais. Mas afirmar que há uma imunidade universal ou que qualquer pessoa pode, sem risco, ser infectada independentemente da exposição não tem base científica.

Por isso, as pesquisas continuam, com estudos de genética populacional, terapias de bloqueio de receptores, vacinas ou anticorpos neutralizantes, tratamento precoce, e intervenções inovadoras como edição genética. A meta é aumentar a proteção, reduzir infecções, e talvez, no futuro, chegar perto de algo como imunidade para mais pessoas.

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