Enigma de décadas em Vênus pode ter chegado ao fim

Um novo estudo pode ter elucidado a origem dos enigmáticos relevos em formato de coroa que marcam a superfície de Vênus, conhecidos como coronae. Pesquisadores propõem que uma espécie de “teto de vidro” no manto do planeta estaria aprisionando calor e impulsionando correntes lentas e instáveis, que dariam origem a essas estruturas circulares.

“Em Vênus, há um padrão que está nos dizendo algo”, afirmou Madeleine Kerr, doutoranda no Instituto de Oceanografia Scripps, da Universidade de San Diego (EUA), e autora principal do trabalho. “Acreditamos que o que encontramos é a chave para desvendar o mistério da origem dessas coronae.”

Coroas marcadas em verde-escuro marcam a superfície de Vênus em meio a elevações maiores e mais altas marcadas em laranja (Imagem: Venus Quickmaps/UC San Diego)

As “coroas” de Vênus

  • Terra e Vênus são considerados “planetas gêmeos” por apresentarem dimensões, densidade e distância do Sol semelhantes. Porém, suas superfícies revelam trajetórias evolutivas distintas;
  • No caso de Vênus, uma das grandes diferenças é justamente a presença das coronae, únicas no Sistema Solar;
  • Já foram mapeadas mais de 700 delas no planeta, em diferentes dimensões e formas. O desafio é entender sua origem, já que, ao contrário da Terra, Vênus não tem placas tectônicas e sua crosta é contínua;
  • Pesquisas anteriores associavam as maiores coronae, com diâmetro superior a 500 km, a plumas do manto e a processos tectônicos, como subducção e delaminação de partes mais densas da crosta;
  • Já as menores, com cerca de 200 km, eram relacionadas a plumas menores, comparáveis a bolhas que sobem em uma lâmpada de lava;
  • Contudo, essas hipóteses nunca foram totalmente comprovadas.

“Nosso conhecimento atual de Vênus é análogo ao período pré-teoria das placas tectônicas nos anos 1960, porque ainda não temos uma explicação unificadora que ligue a transferência de calor interno às feições tectônicas e magmáticas observadas na superfície”, explicou David Stegman, professor de geociências na Universidade de San Diego e coautor do estudo, publicado em 16 de setembro na revista PNAS.

Já foram mapeadas mais de 700 coronae em Vênus, em diferentes dimensões e formas; o desafio é entender sua origem, pois o planeta não tem placas tectônicas (Imagem: NASA/JPL-Caltech)

O que diz a nova hipótese?

A nova hipótese aponta para um limite a cerca de 600 km de profundidade, onde materiais frios que descem da crosta e materiais quentes que sobem do manto encontram uma barreira — o chamado “teto de vidro”.

Plumas menores não têm força para atravessar essa camada e acabam se espalhando lateralmente sob ela. Apenas as mais potentes chegam à superfície e formam grandes elevações vulcânicas. O material aprisionado abaixo dessa barreira permanece aquecido sem fundir, funcionando como um reservatório oculto de calor.

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De acordo com o artigo, essa camada de fluido quente, situada entre 600 e 740 km de profundidade, cria instabilidades térmicas de várias escalas, já que não segue exatamente os modelos clássicos de dinâmica do manto. Modelos computacionais desenvolvidos pela equipe mostraram que “gotejamentos” de rocha fria da base da crosta estagnada de Vênus podem iniciar um processo que gera múltiplas plumas de material quente.

Em trabalhos anteriores, os cientistas precisavam partir de modelos já contendo essas plumas para simular a formação das coronae e de vulcões. Agora, os novos cálculos oferecem uma explicação natural para o surgimento inicial desses fluxos de calor.

Terra e Vênus têm muitas similaridades (Imagem: annussha/Shutterstock)

As simulações sugerem que, ao subir, fundir e, depois, afundar novamente, essas plumas secundárias poderiam explicar a diversidade de coronae distribuídas pela superfície venusiana. Os modelos funcionam quando o manto de Vênus está de −23,1 °C a 126,8 °C mais quente do que o da Terra, embora ainda não se saiba por quanto tempo essa condição pode ser sustentada.

Os pesquisadores ressaltam que mais estudos são necessários. Entre as próximas etapas estão simulações tridimensionais, inclusão de processos de fusão dentro e sobre a superfície, consideração de diferentes composições do manto e análise da evolução do planeta ao longo de toda sua história.

Essas investigações, afirmam, serão cruciais para compreender como o calor interno e os movimentos do manto moldam as coronae, os vulcões e a superfície de Vênus.

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