O governo federal vai aumentar a idade mínima recomendada para o acesso de crianças e adolescentes às redes sociais e chatbots de inteligência artificial. A mudança, que passa a valer em março de 2026, faz parte da implementação do ECA Digital, lei sancionada em setembro de 2024, e será acompanhada de um novo Guia de Classificação Indicativa do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP).
A informação foi divulgada primeiramente pelo UOL e confirmada pelo Olhar Digital.
A decisão estabelece limites de idade para o uso de plataformas digitais no Brasil, obrigando empresas de tecnologia a criarem mecanismos de verificação etária e ferramentas de controle parental. Segundo o governo, o objetivo é proteger menores de idade de interações e conteúdos inadequados, mas sem retirar das famílias o poder de decisão.
Em outras palavras, a ideia é que as famílias sejam consultadas. As plataformas digitais terão que barrar quem não tiver a idade mínima recomendada. Para que o acesso seja permitido, os responsáveis terão que autorizar. Falta saber como isso será feito.
As discussões continuam. Mas, a princípio, as recomendações serão as seguintes:
- A partir de 12 anos: aplicativos de mensagens (como WhatsApp), desde que os pais possam controlar as funções e o uso;
- A partir de 14 anos: chatbots de IA generativa e marketplaces;
- A partir de 16 anos: redes sociais, aplicativos com compartilhamento de localização ou coleta de dados, e plataformas que utilizem algoritmos de engajamento contínuo;
- A partir de 18 anos: serviços de conteúdo adulto, apostas, jogos com recompensas e ferramentas de manipulação de imagem ou som.
O OD conversou com Ricardo Horta, secretário de Direitos Digitais substituto do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP). A seguir, confira a entrevista completa.
Classificação etária no Brasil: o que muda?
Olhar Digital: A mudança é uma expectativa ou uma realidade?
Ricardo Horta: Acho que é importante, primeiro, diferenciar duas ferramentas de proteção da criança e do adolescente no ambiente digital, que são próximas, são inter-relacionadas, mas são profundamente diferentes uma da outra. A primeira delas é a classificação indicativa, e a segunda é a aferição de idade.
A classificação indicativa, a maior parte das famílias brasileiras já conhece, é aquela que aparece, por exemplo, na televisão, quando se assiste a uma novela, ou um programa de TV, ou quando se vai acessar um cinema. É a ideia de que você mostra para as famílias, você informa as famílias sobre o risco de contato com o eventual conteúdo que seja impróprio.
A classificação indicativa, no fundo, é uma classificação de risco. Ela indica, tradicionalmente, se um produto audiovisual é adequado ou não para uma determinada faixa etária.
Muito importante dizer que a classificação indicativa não é obrigatória, ela não é uma proibição. Então, você tem um filme, por exemplo, classificado para 14 anos, acompanhado do pai ou da mãe, um adolescente ou idoso, pode ver esse filme. Ela não é uma proibição absoluta.
Muito diferente disso é a aferição de idade. A aferição de idade não existia no Brasil antes da aprovação do ECA Digital. Passou a existir com a aprovação da lei, em setembro desse ano. Vai ser exigida a partir de março de 2026.
E a aferição de idade é uma forma de você, de fato, conferir se o usuário de um determinado produto ou serviço digital tem a idade certa para acessar aquele ambiente digital. A gente gosta de dizer que a classificação indicativa é aquela que diz o seguinte: aqui tem uma casa noturna, ninguém menor de 18. Você tem a indicação da idade, que é 18 anos.
Mas quem que é a pessoa que vai checar o documento de identidade, que vai deixar ou não entrar naquela casa noturna, isso é a aferição de idade, que é um mecanismo na internet. É muito importante dividir as duas coisas, porque o Ministério da Justiça está trabalhando nas duas frentes.
Na frente da classificação indicativa, o que a gente está fazendo?
A gente modernizou a portaria de classificação indicativa. A gente já classificava aplicativos digitais desde 2015, então, isso, em si, não é novidade. Mas a gente vai passar a incorporar, no cálculo de risco dos aplicativos, elementos interativos.
Então, se tem compra online, se tem uma caixa de recompensa num jogo eletrônico, se tem um filtro de beleza numa rede social, se tem a possibilidade de contato entre a criança, adolescente e um adulto sem nenhuma forma de proteção, tudo isso vai ser incorporado na análise de aplicativos digitais para a gente colocar uma determinada faixa etária. Mas isso em si não tem proibição nenhuma, não tem nada a ver com isso.
Noutra frente, o Ministério da Justiça está trabalhando para implementar na internet brasileira, conforme dispõe a lei do ECA Digital, mecanismos de aferição de idade. Vale lembrar que o ECA Digital trouxe uma disposição. O ECA Digital não proibiu rede social, não é assim no Brasil.
Quem está fazendo isso é a Austrália, que a partir de 10 de dezembro vai proibir a criação de perfis em redes sociais por adolescentes com menos de 16 anos, e a Dinamarca, que anunciou semana passada que vai fazer o mesmo para adolescentes até 15 anos. Eles também vão ser proibidos de criar perfis em redes sociais.
No Brasil, a exigência que o ECA Digital traz é que, para se ter conta numa rede social antes dos 16, existe uma vinculação com o adulto responsável para que esse adulto responsável possa exercer o controle familiar, a supervisão familiar.
OD: Então, a partir de março de 2026, se eu tenho um filho que quer usar uma rede social, o que vai acontecer? O que a criança vai encontrar ao tentar acessar uma rede social? E o que será exigido, exatamente, para o responsável?
Horta: Os detalhes da implementação disso a gente está estudando, é justamente por isso que a gente tem uma consulta pública aberta até sexta-feira [14], que a gente está consultando toda a sociedade brasileira, especialistas, mas também as próprias empresas afetadas no setor.
Isso ainda está pendente de definição, mas o que a gente sabe é que a partir de março do ano que vem, pra ter uma conta em rede social, você vai ter que ter algum nível de autorização familiar, autorização do pai, mãe ou adulto responsável pela criança adolescente.
OD: E como está o contato com as big techs e com as empresas de inteligência artificial responsáveis por fazer essa barreira técnica para que essas demandas, de fato, sejam cumpridas? E como está o diálogo com essas empresas em termos de aceitação da mudança?
Horta: A gente tem desafios técnicos, não tem como negá-los, sobretudo porque o prazo de implementação dos seis meses, o setor está avaliando como ambicioso. Então, você tem um desafio grande de adaptar a tecnologia à nova lei num prazo curto, mas a gente tem visto um esforço das principais empresas em se adequarem à nova legislação.
A gente tem feito conversas com vários deles, eu tenho recebido várias dessas empresas, elas vão contribuir com a consulta pública que vai até esta sexta-feira [14]. E o que facilita nesse caso, mesmo tendo um prazo tão curto de implementação no Brasil, é que vários países estão fazendo isso. Acho que esse é um ponto importante pra frisar.
Desde julho, por exemplo, no Reino Unido, você precisa de fazer aferição de idade para entrar em site pornográfico. A França está implementando, a Dinamarca está implementando. A partir de 10 de dezembro, a Austrália vai implementar para redes sociais. Nos Estados Unidos, que é a sede da maioria dessas grandes empresas, praticamente metade dos estados tem leis estaduais que limitam o acesso de crianças e adolescentes a várias dessas funcionalidades. A indústria como um todo está se adaptando mundialmente.
O nosso esforço no Ministério da Justiça e Segurança Pública é para garantir que se você tem essas proteções nos países ricos, no norte global, enfim, elas também valham para crianças e adolescentes no Brasil para que você não tenha um nível de proteção diferente para essa criança e adolescente da Europa ou dos Estados Unidos e do Brasil.
Várias das soluções que as empresas estão propondo para gente, elas já estão adotando em outros lugares. Não é como se o Brasil tivesse colocado uma obrigação demasiada onerosa para essas
empresas.
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OD: Como é a tramitação do ponto de vista político dessas mudanças? A gente tem muito debate, por exemplo, sobre regulamentação das big techs. A gente já teve julgamento no Supremo Tribunal Federal esse ano. Tivemos também discussões no Congresso sobre IA. Do ponto de vista político, basta a vontade do governo nesse diálogo com as associações? Ou também vai ter uma tramitação política, uma negociação? Também depende desse lado para esse assunto avançar?
Horta: Em relação às proteções de crianças e adolescentes, a gente entende que o ECA Digital já é lei, já foi aprovada pelo Congresso. Não tem nada impedindo que as empresas, de fato, implementem essas soluções de proteção infantil. Isso não depende de nova discussão no Congresso. É uma questão, realmente, de implementação, de pensar os caminhos técnicos.
E é por isso que a gente fez uma consulta pública para ouvir o setor. E isso vai começar a funcionar nesse prazo que está previsto em março do ano que vem. Deve haver um esforço do governo de regulamentar o ECA Digital. Mas, aí, dentro do que a lei já estabeleceu. Não é criando obrigações novas. É especificando aquelas que já estão previstas em lei.
E o ECA Digital também previu que você vai ter uma agência reguladora que foi definida pelo governo, como a ANPD, a Agência Nacional de Proteção de Dados, que vai, efetivamente, fiscalizar o cumprimento disso pelas empresas. A gente também tem expectativa que, a partir de março do ano que vem, exista um órgão responsável, que é a ANPD, que vai fazer o cumprimento pleno dessa lei.
Claro, existem outras discussões que você se referiu, quando quis dizer o Congresso ainda está discutindo inteligência artificial, teve a decisão do Supremo, o que faz com isso. Essas, de fato, ainda estão em debate, seja no Executivo, seja no Legislativo. Mas, de toda forma, nenhuma delas se refere especificamente à proteção infantil.
A gente entende que, só com o ECA Digital, essas medidas todas de você prever, por exemplo, a
classificação indicativa, levando em conta o eixo da interatividade, que vai afetar, por exemplo,
chatbots de inteligência artificial, ou a implementação da aferição de idade, elas não dependem
de nova discussão no Congresso ou no Judiciário.
OD: Com relação às idades, a partir de 12 anos, aplicativos de mensagens; a partir de 14, lojas para compra, ou troca de produtos e serviços, apps de troca de mensagem em geral, também chatbots; a partir de 16 anos, plataformas com mecanismos de coleta, ou compartilhamento de dados, aplicativos que permitam o compartilhamento de geolocalização e, a partir de 18 anos, ferramentas que manipulam imagens e som para gerar conteúdo sintético, a partir de um material real. A gente tem tido muita discussão em relação às deepfakes, por exemplo. Já se bateu o martelo com relação à faixa etária de recomendação? Ou ainda tem margem para alguma mudança até março?
Horta: Já está definida, mas a gente não descarta fazer eventuais ajustes até março, se necessário for. A gente tem que lembrar que essas funcionalidades que vão ser objeto da classificação indicativa, elas afetam o ecossistema inteiro. Então, você tem aplicativos muito diferentes que vão ser afetados, de marketplaces e aplicativos de entrega, até jogos digitais e aplicações de inteligência artificial.
A gente discutiu com o setor, a gente fez uma consulta pública especificamente sobre essas faixas etárias. A gente discutiu também com o Ministério da Educação, que, inclusive, pediu ajustes para que a gente não crie qualquer tipo de embaraço para a educação digital. Uma discussão importante que a gente fez foi justamente sobre ferramentas de inteligência artificial de propósito geral.
Porque, por exemplo, a primeira proposta nossa era 16 anos, depois de interlocução com o MEC, a gente baixou para 14. Por quê? Porque a gente está entendendo que é importante que a educação digital no ensino médio, que começa ali a partir dos 14, 15 anos, se dê em cima dessas ferramentas.
Embora a classificação indicativa não seja obrigatória, não seja proibitiva, isso poderia criar algum tipo de embaraço para a educação digital. E a gente sabe que a educação digital é muito importante. Aprender a usar essas ferramentas é muito importante para adolescentes, no caso.
Nessas aplicações de inteligência artificial, há faixas diferentes: 6, 10 e 14 anos, conforme o caso. E aquelas nas quais você pode ter uma interação com o chatbot de teor adulto, então, vamos falar assim, uma conversa de teor sexual, essas, naturalmente, vão ser não recomendadas antes dos 18 anos de idade.
OD: Com relação à responsabilização, existe algo em discussão? Se eu sou responsável por uma criança, autorizei aquela criança a fazer uso de uma rede social ou de uma inteligência artificial e a criança faz um mau uso daquilo – para bullying, por exemplo. Ou ainda, infelizmente, há até casos recentes de processos em que as empresas [de IA] são acusadas de não agirem adequadamente quando jovens trouxeram a chatbots o tema de suicídio. As ferramentas não barraram aquela conversa, não direcionaram para um canal especializado e alguns casos terminaram em tragédia. Então existe essa preocupação também. A partir do momento que um pai autoriza a criança ou adolescente a fazer uso daquela rede social [ou chatbot] e acontece algo ruim, existe uma discussão sobre responsabilização? Ou o ECA Digital também já dá conta disso?
Horta: O ECA Digital tem um artigo que pouca gente prestou atenção nele, que trata justamente de responsabilidade das famílias, que as famílias têm uma responsabilidade de supervisionar crianças e adolescentes no ambiente digital. O espírito da Constituição brasileira é que a proteção de crianças e adolescentes é uma responsabilidade compartilhada. Ela sempre vai ser uma responsabilidade da família, mas, também, da sociedade, aqui incluídas as empresas e o governo.
O que o ECA Digital traz é reforçar justamente essa ponta da responsabilidade das empresas. Então, a gente ouvia, com certa frequência, muitas delas dizendo: “mas eu disponibilizei uma ferramenta de controle parental, só que ela não foi utilizada”. Tem uma parte, uma parcela de responsabilidade que é das famílias, de conhecer onde as crianças e adolescentes estão, os produtos, de autorizar ou não.
A nossa visão é que hoje, na sociedade brasileira, essas ferramentas, quando existem, são muito pouco usadas. Uma ferramenta, como a aferição de idade, por exemplo, ou vinculação de contas, é uma daquelas que empodera as famílias. Porque, de fato, elas vão ser perguntadas se em ambientes que, por exemplo, são adequados para adolescentes, elas autorizariam as crianças a estarem.
Vou te dar um exemplo. Hoje, pela classificação indicativa, redes sociais, por exemplo, não são recomendadas antes dos 14, 16 ou 18 anos. Pouca gente sabe disso. Uma rede social, por exemplo, não é um ambiente para uma criança de 8 anos, de 6 anos, de 10 anos estar. Não são produtos seguros para esse público.
Quando a gente passa a ter essas camadas adicionais de proteção, como é o caso da aferição de idade, como é o caso da vinculação de contas, as famílias, de fato, são chamadas a decidir, são chamadas a perguntar com base nessa informação. Olha, isso aqui é uma rede social não indicada para menores de 14. Seu filho tem 8, você autoriza? Hoje, as famílias brasileiras não tomam esse tipo de decisão porque sequer são perguntadas.
Então, essa é uma forma de ampliar a responsabilidade das empresas, de chamar as famílias à responsabilidade e, sobretudo, o ECA Digital tem uma série de outros mecanismos que exigem que se desenhem aplicativos e jogos e redes sociais como seguras por padrão para esse público infantil e de adolescentes.
A gente tem uma expectativa de que ele vai reforçar esse esquema de proteção e, como você colocou no começo, sobretudo, ao prever uma autoridade administrativa que pode fiscalizar, como é o caso da ANPD, a gente entende que as empresas certamente vão se esforçar de colocar produtos mais seguros no mercado e de verificar se aqueles produtos estão sendo acessados antes da idade adequada e, eventualmente, derrubar contas que sejam de crianças que não deveriam estar em uma rede social, por exemplo.
OD: E no caso, por exemplo, de uma criança que já use redes sociais hoje, já tem uma conta. Especialmente o Instagram, e o TikTok, muitas crianças já usam. Esse controle, digamos, que é posterior, ele também vai existir?
Horta: Vale lembrar que o ECA Digital, prevê que tenha mecanismos de detecção de contas de crianças. Redes sociais são produtos para adolescentes, não são produtos para crianças. As redes sociais vão ter a obrigação de derrubar contas de crianças. Como vai se dar o cumprimento disso, a gente ainda vai observar. E várias delas já estão se adequando.
As grandes, você falou o caso de duas delas que lançaram contas para adolescentes. Porque tem uma coisa muito importante aqui. Os termos de uso das redes sociais, ao seguirem a lei americana, sempre foram de 13 anos. Então, hoje, pelos termos de uso das próprias redes sociais, uma criança de dez anos que está lá, não é correto.
Estamos falando de um produto para adolescente, não é um produto para criança. A gente tem a expectativa que várias delas façam, como já estão fazendo, a correção disso. Tem um passivo de contas que foram criadas sem essas etapas de verificação que o ECA Digital exige – que, portanto, elas vão ter que fazer um esforço de derrubar contas de crianças e de checar a idade real de adolescentes que estão nesse serviço.
OD: É muito difícil porque é justamente isso que você comentou há pouco. Não é comum essa verificação de idade. Muitas vezes, a criança pode até abrir a rede social, criar uma conta e o pai nem vai saber. A criança já tem um smartphone e vai consumindo conteúdo, como você bem disse, focado para adolescentes. A gente sabe que as crianças têm acesso. [De forma prática] Como é o antes e o depois do ECA Digital?
Horta: A nossa avaliação do governo, é que, especialmente depois da pandemia, que foi um momento em que teve uma introdução massiva em ambientes digitais, é que se deixou de fazer uma distinção que a gente sempre fez no mundo analógico. No mundo analógico, pais e mães sempre tiveram que se perguntar: “a partir de qual idade eu deixo meu filho sair sozinho de casa? A partir de qual idade ele pode encontrar com os amigos no condomínio, ou enfim, na rua? A partir de qual idade eu dou as chaves de casa? A partir de qual idade eu deixo em uma festa ou sair à noite?”.
Pais e mães sempre lidaram com esse tipo de pergunta, porque sempre foi claro para as famílias brasileiras que você tem uma autonomia progressiva, tem coisa que você deixa em uma determinada idade, tem coisa que você segura até determinada idade.
De alguma forma, por volta da pandemia, um pouco antes também, se perdeu isso e se pensou: “olha, se um adolescente tem um celular, ele pode fazer tudo com aquele celular”. Só que não é o caso. O ambiente digital é muito diverso. Ele tem ambientes que são seguros e ambientes que não são seguros. Tem um monte de coisa que uma criança pode fazer na internet que é enriquecedora, que ela vai aprender, que ela vai ter interações positivas. Tem um monte de coisa que não. Isso se chama princípio da autonomia progressiva.
A gente tem que parar de tratar na internet uma criança de três anos igual uma criança de oito, igual um adolescente de 12, igual um adolescente de 16, porque são etapas diferentes do desenvolvimento. Nossa expectativa é que, com a ECA digital, as famílias, efetivamente, possam decidir qual é o momento certo de autorizar um jogo digital, qual é o momento certo de criar uma conta na rede social.
E a gente deixar de lado essa visão de que uma criança de oito anos, por exemplo, ao ganhar um celular ou até acesso à internet, pode fazer tudo indistintamente. Tem coisa que não pode. Pornografia é proibida. Uma criança não pode ter acesso à pornografia.
A gente precisa dessas ferramentas, como a aferição de idade, para que a gente resgate o poder familiar de decidir o momento adequado de frequentar determinados lugares e fazer determinadas coisas – que sempre foi exercido dessa forma, fora da internet.
OD: Hoje também existe essa preocupação com a privacidade e compartilhamento de dados. Para, por exemplo, o pai liberar o filho ou filha a usar uma rede social, vai ter que enviar documentos. Já existe alguma ideia do que o pai vai ter que fazer para liberar aquele conteúdo?
Horta: A gente está trabalhando nesse momento e o objetivo da consulta pública é esse, para a gente minimizar, das diversas técnicas que existem de aferição de idade, tem algumas que são mais invasivas, outras que são menos. O governo está trabalhando para privilegiar aqueles métodos de aferição de idade que sejam mais preservadores da privacidade.
Para te dar um exemplo, o Brasil tem bases de dados públicas muito boas, muito confiáveis, e você pode fazer consultas à base de dados públicos sem necessariamente exigir que as pessoas tirem foto do documento de identidade ou façam reconhecimento facial a cada acesso na internet.
A gente está privilegiando os métodos e as técnicas que preservem a privacidade dos usuários. A gente não quer que nenhum aplicativo público ou privado fique, por exemplo, coletando todos os padrões de uso da internet das pessoas, porque a gente sabe que isso é violador da privacidade.
Tanto a ANPD, por meio do radar tecnológico, que é um documento que eles fizeram, entendendo, mapeando as técnicas de aferição de idade, quanto nós, no Ministério da Justiça, na consulta pública, estamos indicando que, das várias gerações de tecnologia, ou das várias soluções de tecnologia, existem algumas que preservam a experiência do usuário e preservam a privacidade de dados pessoais mais do que outras. E essas, evidentemente, devem ser privilegiadas no caso da implementação no Brasil.
OD: Vamos voltar para o ponto do comecinho da entrevista, porque existe um paralelo que você fez e que é legal de se aprofundar, que é, por exemplo, o caso da Austrália, onde existe, de fato, uma proibição. O que muda na prática entre uma regra de proibição, uma regra de consulta aos pais, e qual que é o objetivo final do governo? É justamente dar às famílias o poder de decisão, mas, também, a responsabilização a partir daquela decisão?
Horta: A gente tem um desafio no caso brasileiro que a média de acesso a vários desses produtos e
serviços inadequados para crianças é muito precoce. Então, de fato, existe um desafio em estimular as pessoas a adiarem a entrada em ambientes inadequados. Claramente é o caso das redes sociais.
A gente pecou pelo excesso no Brasil ao permitir crianças muito novas entrarem em redes sociais, por exemplo, que são ambientes que não foram desenhados para crianças. Eles são adequados a partir da adolescência. O Brasil podia ter optado por um caminho de banimento, como esses outros países estão optando, mas optou pela vinculação familiar, que a gente entende que é uma solução mais proporcional, porque chama as famílias à decisão e respeita o princípio da responsabilidade compartilhada que está prevista na Constituição brasileira.
OD: Já agradecendo muito sua participação, deixo um espaço para você comentar algo que não tenha sido discutido nessa entrevista ou reforçar algum ponto que seja mais importante.
Horta: Acho que é um momento de conversa da sociedade, de, inclusive, conscientizar as pessoas que essa mudança vai acontecer. Um país tão grande como o Brasil, tão diverso, provavelmente, as pessoas não estão sabendo que, em poucos meses, para você, por exemplo, comprar cigarro ou bebida alcoólica para um aplicativo, existirá alguma forma de verificação adicional. Porque, hoje, você só responde “eu tenho mais de 18 anos”. Isso vai acabar. Para produtos proibidos, isso não vai ser assim mais na internet brasileira.
O governo está empenhado em buscar, olhando a experiência internacional, as soluções técnicas que preservem a privacidade e preservem a própria fluidez do uso dessas ferramentas digitais para fazer do Brasil um case.
Eu tenho conversado muito com contrapartes estrangeiras, eles ficam muito surpresos com o quanto o ECA Digital é uma legislação avançada. Não havia uma expectativa de que um país como o Brasil pudesse colocar uma legislação tão protetiva no ambiente digital.
Apesar dos desafios, do pouco tempo de implementação, da necessidade de adaptar muitos produtos num prazo curto, a gente está otimista, porque, mais uma vez, o Brasil está se revelando pioneiro, como foi no Estatuto da Criança e Adolescente [ECA] de 1990, de ter uma legislação muito robusta, que a gente tem que, então, zelar para que ela seja implementada da melhor forma possível.
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