A decisão dos EUA de autorizar a exportação de chips avançados de inteligência artificial da Nvidia para a China marca uma mudança significativa na forma como o país equilibra segurança nacional e comércio. Nesta semana, o presidente Donald Trump aprovou a venda do processador H200 — o segundo chip de IA mais poderoso da empresa — para compradores chineses, mesmo após anos de restrições rígidas sobre esse tipo de tecnologia. Em troca, o governo norte-americano ficará com 25% da receita obtida com as vendas, em um modelo que transforma decisões estratégicas em acordos comerciais diretos. As informações são do TechXplore.
O movimento ocorre após um período de forte tensão entre Washington e Pequim. Ao longo do último ano, os dois países estiveram envolvidos em uma guerra comercial intensa, que chegou a incluir tarifas de até 145% sobre produtos chineses. Diante desse histórico, a liberação de um chip muito mais potente do que os modelos antes disponíveis para a China surpreendeu analistas e reacendeu o debate sobre os limites entre interesses econômicos e preocupações militares.
Dos controles rígidos ao acordo comercial da Nvidia
O acesso a semicondutores avançados é considerado essencial na corrida global pela inteligência artificial. Em outubro de 2022, o governo dos EUA adotou uma política conhecida como “small yard, high fence”, que restringia severamente a exportação de chips de IA e equipamentos de fabricação para a China. A estratégia incluía o bloqueio de entidades chinesas, a limitação de máquinas específicas e até a proibição de que engenheiros norte-americanos apoiassem instalações avançadas no país asiático.
Essas medidas tiveram impacto concreto. Entre 2022 e 2024, empresas chinesas de IA enfrentaram dificuldades para obter poder computacional suficiente, o que as obrigou a adaptar sistemas para rodar em hardware mais antigo. A política buscava proteger tecnologias consideradas sensíveis, sem interromper totalmente o comércio entre as duas maiores economias do mundo.
A abordagem atual, porém, é diferente. Em julho, a administração Trump já havia autorizado a venda do chip H20 da Nvidia para a China, mediante o repasse de 15% da receita ao governo dos EUA. Na época, a decisão foi vista como parte de negociações envolvendo o acesso norte-americano a minerais de terras raras. A liberação do H200, muito mais poderoso — cerca de seis vezes superior ao H20 —, aprofunda essa mudança de rumo e indica que critérios de segurança passaram a dividir espaço com acordos transacionais.
Chips de IA, uso militar e impactos globais
Embora não sejam produtos de consumo, os chips de IA estão no centro de sistemas militares modernos. Eles alimentam tecnologias como navegação autônoma de drones, sistemas automáticos de armas e algoritmos de direcionamento usados em conflitos atuais. Na prática, esses processadores sustentam aplicações já em uso em diferentes frentes de guerra.
Relatos indicam que forças na Ucrânia utilizam drones com IA capazes de ajustar rotas de forma autônoma, mesmo sob interferência eletrônica, elevando significativamente a precisão dos ataques. Em Israel, sistemas de IA teriam sido empregados para identificar dezenas de milhares de alvos em operações aéreas. A China, por sua vez, vem investindo em coordenação de enxames de drones, reconhecimento automático de alvos e decisões em tempo real no campo de batalha. Nos EUA, o Projeto Maven integra dados de sensores e satélites para apoiar ações militares.
Esse contexto reforça a natureza de “uso dual” dos semicondutores, que podem servir tanto a aplicações civis quanto militares. O desafio para os controles de exportação é que as mesmas tecnologias que treinam modelos de linguagem ou sistemas comerciais também podem ser adaptadas para fins bélicos.
Entre os principais pontos levantados por especialistas sobre essa nova fase do comércio de chips estão:
- a dificuldade de manter controles eficazes sobre tecnologias de uso dual;
- a transformação de restrições de segurança em acordos financeiros;
- o risco de enfraquecimento da previsibilidade das políticas de exportação;
- o impacto sobre aliados dos EUA, pressionados a alinhar suas próprias regras.
A mudança também traz implicações para parceiros estratégicos. Países como a Austrália, que têm forte relação comercial com a China e laços militares estreitos com os EUA, passam a enfrentar dilemas sobre até que ponto devem seguir decisões norte-americanas. A flexibilização dos controles por Washington levanta dúvidas sobre a coerência de alianças baseadas em avaliações comuns de risco.
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Ao permitir a exportação do H200 da Nvidia, os EUA sinalizam que o comércio pode se sobrepor, em certos momentos, à lógica tradicional da segurança nacional. Para críticos, transformar barreiras estratégicas em fontes diretas de receita enfraquece o próprio conceito de controle de exportações. Para defensores, trata-se de pragmatismo econômico em um cenário global cada vez mais competitivo. O impacto dessa decisão, no entanto, tende a ir além do mercado de chips, influenciando a dinâmica geopolítica da inteligência artificial nos próximos anos.
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