Experimento recria cheiro de múmias do Egito

Há anos, a professora Cecilia Bembibre, da University College London (UCL), se dedica à reconstrução de odores históricos como parte do que é chamado de preservação do patrimônio sensorial. Em um artigo publicado no site The Conversation, ela explica como informações valiosas de objetos antigos podem ser obtidas pelo cheiro – inclusive, o das múmias.

Segundo Bembibre, a conservação tradicional prioriza a aparência visual dos objetos, mas ignora um elemento essencial da experiência humana: o olfato. “Uma coisa que tende a ser ignorada ou mesmo perdida no processo de conservação é o cheiro”. 

Para enfrentar esse desafio, ela desenvolve métodos que identificam e preservam odores culturalmente significativos, contribuindo para uma abordagem mais abrangente da preservação histórica.

Entre os projetos da pesquisadora, destaca-se uma parceria com a Catedral de Saint Paul, em Londres, para recriar o cheiro de sua biblioteca, garantindo que esse elemento possa ser experimentado por futuras gerações. 

Sarcófagos em exibição no Cairo. Crédito: Cecília Bembibre

Outro exemplo é sua participação no Odeuropa, iniciativa financiada pela União Europeia que reuniu cientistas da computação e historiadores para documentar três séculos de história europeia por meio de odores. Graças a essa pesquisa, visitantes do Museu Ulm, na Alemanha, podem sentir cheiros recriados da Amsterdã do século XVII, incluindo aromas de canais e tílias.

Por que investigar o odor de corpos mumificados?

O trabalho mais recente de Bembibre avança ainda mais no tempo. Em parceria com as universidades de Ljubljana e Cracóvia e o Museu Egípcio do Cairo, ela integrou um estudo sobre o odor de corpos mumificados. O objetivo era identificar compostos olfativos presentes nas múmias e compreender os materiais usados no processo de embalsamamento. Para isso, nove corpos mumificados foram analisados, sendo quatro em exibição e cinco armazenados. O mais antigo datava de 3.500 anos atrás, abrangendo diferentes períodos da história egípcia.

Devido às diretrizes rigorosas sobre a preservação dessas relíquias, apenas técnicas não destrutivas foram aplicadas. A equipe, liderada pela professora Matija Strlič e pela pesquisadora Emma Paolin, utilizou métodos químicos para garantir que os corpos pudessem ser analisados sem riscos. Nos últimos séculos, muitos desses artefatos foram tratados com pesticidas sintéticos potencialmente perigosos, o que levou à exclusão de algumas múmias do estudo.

Nos corpos selecionados, pequenas quantidades de ar foram extraídas dos sarcófagos e analisadas por um grupo de oito especialistas em olfato, incluindo curadores do Museu Egípcio previamente treinados. O ar também foi coletado em tubos especiais para posterior análise laboratorial. Os compostos voláteis foram separados e estudados por cromatografia, permitindo que cada odor fosse identificado individualmente.

O processo de identificação dos odores exigiu um trabalho minucioso. Durante a análise, os pesquisadores precisavam descrever rapidamente cada cheiro e avaliar sua intensidade. “Pode ser até um cheiro a cada segundo, o que pode ser esmagador”, relata Bembibre sobre a experiência.

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Múmias fedem?

Embora seja comum associar múmias a odores desagradáveis, os resultados surpreenderam a equipe. Entre as descrições estavam notas “amadeiradas”, “florais”, “doces”, “picantes” e “semelhantes a resina”. 

Além disso, foram identificados ingredientes antigos de embalsamamento, como óleos de coníferas, incenso, mirra e canela. Também se detectou a presença de gorduras animais degradadas, resíduos humanos e substâncias modernas usadas para conservação, incluindo pesticidas sintéticos e óleos de origem vegetal.

Os corpos em exibição apresentavam odores mais fortes do que os armazenados, mas nenhum deles era intenso como um perfume. Um caso curioso foi o de uma múmia cujo cheiro remetia a chá preto. A análise química indicou que o responsável por essa característica era o cariofileno, composto encontrado em diversas plantas aromáticas.

O próximo passo da pesquisa será a reconstrução desses odores para que visitantes do Museu Egípcio possam experimentá-los diretamente. “Faremos uma construção química fiel do que cheiramos, além de uma interpretação de como o corpo teria cheirado quando foi selado em sua tumba”, disse Bembibre. A previsão é que essa experiência sensorial esteja disponível ao público em 2026.

A iniciativa já desperta interesse de outros museus que possuem coleções egípcias e buscam incorporar métodos semelhantes em suas exposições. Paralelamente, Bembibre trabalha na criação de um catálogo de cheiros de relevância cultural para o Reino Unido, abrangendo desde bibliotecas antigas até veículos clássicos e pratos tradicionais.

Cecília Bembibre examinando sarcófago egípcio. Crédito: Cecília Bembibre

A pesquisadora destaca que a incorporação do olfato na preservação do patrimônio pode revolucionar a forma como o público interage com artefatos históricos. “Experimentar cheiros ajuda a dar aos visitantes uma apreciação e compreensão mais holísticas dos assuntos”, afirma. 

Além de ampliar o conhecimento sobre os processos de embalsamamento, o estudo das múmias possibilita uma conexão mais profunda com o passado, permitindo que as pessoas sintam os mesmos aromas que acompanharam os antigos egípcios em sua jornada para a eternidade.

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