Explicação para anomalia gravitacional pode estar nas profundezas da Terra

Um par de satélites da NASA registrou um sinal gravitacional estranho sobre o Atlântico há quase 20 anos. O fenômeno, que durou cerca de dois anos e se estendia por milhares de quilômetros, intrigou os cientistas. Ele não vinha de oceanos, marés ou da atmosfera. Mas parecia surgir do interior da Terra.

Agora, uma nova análise sugere que o evento pode ter sido provocado por um processo geológico até então desconhecido, a mais de 2,5 mil quilômetros de profundidade. O episódio coincidiu com uma súbita perturbação no campo magnético do planeta e pode ter sido causado por uma transformação mineral no manto profundo, perto do núcleo — um movimento capaz de distorcer o próprio campo gravitacional da Terra.

O mistério que balançou a gravidade e o magnetismo da Terra

Entre 2006 e 2008, os satélites da missão GRACE – um projeto conjunto da NASA e do Centro Aeroespacial Alemão (DLR) – detectaram uma anomalia gravitacional gigante sobre o Atlântico Oriental, na altura da costa africana.

O sinal, orientado de norte a sul e com cerca de sete mil quilômetros de extensão, atingiu seu pico em janeiro de 2007, exatamente quando o campo magnético da Terra sofreu um súbito “solavanco”. 

A coincidência entre os dois fenômenos levou os pesquisadores a desconfiar de uma origem comum. Algo que, possivelmente, aconteceu nas profundezas do planeta.

Um sinal impossível de ignorar

O estranho padrão apareceu pela primeira vez quando cientistas revisaram séries históricas de dados do GRACE. Em meio às medições rotineiras de variação gravitacional global, um sinal forte e alongado começou a se destacar no Atlântico Oriental. 

Era uma anomalia gravitacional transitória, com orientação norte–sul e amplitude inédita: cerca de sete mil quilômetros, quase o comprimento do continente africano. 

Medições rotineiras de variação gravitacional global da missão GRACE traziam sinal forte e alongado no Atlântico Oriental (Imagem: Pedro Spadoni via ChatGPT/Olhar Digital)

Nenhum outro evento da série temporal apresentava intensidade ou duração comparáveis. O fenômeno durou aproximadamente dois anos, atingindo o auge em janeiro de 2007, antes de desaparecer gradualmente.

A coautora do estudo, Mioara Mandea, lembra que a primeira reação da equipe foi de desconfiança. “Minha resposta inicial foi de questionamento: o sinal é genuíno, como pode ser validado e como deve ser interpretado?”, contou a geofísica ao site Live Science

Depois de checar os dados com diferentes métodos e modelos, a anomalia se mostrou real. E intrigante. Mais do que um ruído estatístico, parecia o rastro de um evento físico profundo, com intensidade suficiente para alterar, ainda que por pouco tempo, o equilíbrio gravitacional da Terra.

O que não explicava o fenômeno

A primeira hipótese dos pesquisadores foi que o sinal tivesse relação com mudanças de massa na superfície da Terra — variações no nível do mar, na umidade do solo ou nas correntes oceânicas. 

Porém, os modelos hidrológicos, oceânicos e atmosféricos não batiam com a escala e a localização da anomalia. O padrão detectado era grande demais e persistente demais para ser explicado por flutuações de água ou variações climáticas sazonais. Nenhum outro evento conhecido havia gerado um desvio tão extenso e concentrado no campo gravitacional.

Com as causas superficiais descartadas, o foco se voltou para o interior do planeta. A coincidência com o “solavanco geomagnético” de 2007 — uma mudança abrupta na variação do campo magnético da Terra — reforçou a suspeita de que algo mais profundo estivesse em jogo. 

Os pesquisadores passaram a considerar que ambos os fenômenos poderiam ser manifestações diferentes de um mesmo processo, ocorrido próximo ao limite entre o manto e o núcleo, onde variações de temperatura e densidade são intensas. 

O mistério, então, deixou de ser se o sinal era real. E passou a ser o que poderia tê-lo causado lá embaixo.

A hipótese: uma transformação nas profundezas

A explicação mais provável para o fenômeno, segundo os autores do estudo, está a mais de 2,5 mil quilômetros de profundidade, numa região conhecida como camada D”. É a fronteira entre o manto sólido e o núcleo líquido da Terra. 

Ali, sob pressões e temperaturas extremas, pode ter ocorrido uma transformação de fase mineral, um tipo de reorganização súbita na estrutura dos minerais do manto. 

Transformação de fase mineral pode ter ocorrido na fronteira entre o manto sólido e o núcleo líquido da Terra (Imagem: Pedro Spadoni via ChatGPT/Olhar Digital)

O processo envolveria a passagem do silicato de magnésio (MgSiO₃) da forma perovskita para pós-perovskita, um estado mais denso e estável. 

Essa mudança, ainda pouco compreendida, poderia ter redistribuído rapidamente a massa do manto. Isso teria alterado levemente a gravidade, interferindo também na dinâmica do campo magnético.

Os modelos propostos indicam que essa transformação teria acontecido nas plumas ascendentes da Grande Província Africana de Baixa Velocidade de Cisalhamento (LLSVP) — uma vasta região quente e heterogênea sob o continente africano. 

Duas dessas plumas, com cerca de mil quilômetros de largura e temperatura apenas um grau mais fria que o entorno, poderiam gerar o sinal observado ao provocar uma deflexão de até 12 centímetros no limite núcleo-manto

Leia mais:

Por que isso importa

A descoberta reforça a ideia de que a Terra é um sistema vivo e interligado, no qual processos ocorridos a milhares de quilômetros de profundidade podem deixar rastros mensuráveis na superfície. 

O sinal gravitacional detectado pelo GRACE mostrou que o planeta ainda guarda mecanismos internos pouco compreendidos – capazes de alterar, por um breve instante, tanto a gravidade quanto o magnetismo. 

Cada novo dado ajuda a compor um retrato mais dinâmico do interior terrestre, onde transformações sutis moldam lentamente a geologia, o campo magnético e até o clima.

Para os pesquisadores, compreender esses fenômenos é essencial para decifrar o comportamento futuro do planeta. “Esta sinergia nos dá a oportunidade de descobrir e compreender melhor os processos ocultos no interior profundo da Terra”, resume a geofísica Mioara Mandea

O enigma gravitacional de 2007, escondido nas medições de um par de satélites, foi mais do que uma curiosidade científica. Foi um lembrete de que o planeta ainda pulsa. E de que, sob nossos pés, há forças que continuam a surpreender a própria ciência.

(Essa matéria também usou informações do estudo, publicado no periódico Geophysical Research Letters em 28 de agosto.)

O post Explicação para anomalia gravitacional pode estar nas profundezas da Terra apareceu primeiro em Olhar Digital.

Related posts

TCL anuncia monitor Dual 4K de 57” e parceria com a FURIA na BGS 2025

Marlon Wayans, de As Branquelas, critica animes após perder pra Demon Slayer nas bilheterias

Eletros inteligentes Midea: 20 itens para controlar com o celular, alexa ou google assistente