Um fóssil de vômito encontrado no Nordeste brasileiro levou a uma descoberta rara na paleontologia mundial: o registro de uma nova espécie de pterossauro, batizada de Bakiribu waridza, que viveu há cerca de 110 milhões de anos.
O achado, publicado na revista Scientific Reports na segunda-feira (10), marca o primeiro réptil voador filtrador já identificado nos trópicos. E o primeiro do grupo dos arqueopterodactiloides na Formação Romualdo, na Bacia do Araripe (CE).
O material foi descrito por pesquisadores da UFRN, URCA e USP, que o identificaram numa massa de regurgitação fossilizada, o que os cientistas chamam de regurgitalite (nome formal do fóssil de vômito).
Mais do que revelar uma espécie, o estudo traz um raro retrato da cadeia alimentar do Cretáceo. Os restos do pterossauro – junto a fragmentos de peixes preservados no mesmo bloco de rocha – indicam que o animal foi devorado e depois regurgitado por um predador, possivelmente um dinossauro espinossaurídeo.
O episódio, fossilizado ao longo de milhões de anos, transformou um momento de predação numa cápsula de tempo que hoje ajuda a recontar a história da vida no antigo ecossistema tropical do Araripe.
Um fóssil inusitado e uma nova espécie brasileira
O fóssil que levou à descoberta estava guardado há décadas no acervo do Museu Câmara Cascudo, em Natal (RN), catalogado apenas como “peixe indeterminado”.
Ao ser reexaminado, revelou algo muito mais extraordinário: fragmentos de mandíbulas e dentes pertencentes a um pterossauro desconhecido.
A análise mostrou que o material estava misturado a restos de quatro peixes – todos organizados de forma uniforme, como se tivessem sido engolidos e depois expelidos juntos.
Essa configuração levou os pesquisadores a classificarem o achado como uma regurgitalite – ou seja, um vômito fossilizado. É um tipo de fóssil raríssimo, capaz de registrar de maneira direta um episódio de predação ocorrido há mais de 100 milhões de anos.
A nova espécie, batizada de Bakiribu waridza, foi identificada na Formação Romualdo, parte do Grupo Santana, uma das unidades geológicas mais estudadas da Bacia do Araripe, no Nordeste do Brasil.
O nome combina palavras do povo indígena Kariri – “bakiribú”, que significa pente, e “waridzá”, que quer dizer boca – em referência à dentição única do animal.
O estudo aponta que esse pterossauro era um filtrador. Isto é, se alimentava peneirando pequenos organismos da água, como fazem hoje baleias e flamingos.
A descoberta é duplamente inédita: é o primeiro pterossauro filtrador já identificado em regiões tropicais e o primeiro arqueopterodactiloide descrito na Formação Romualdo, após mais de meio século de pesquisas paleontológicas na região.
Para a paleontóloga Aline Ghilardi, da UFRN, uma das autoras do estudo: “É como ganhar na mega-sena da paleontologia, o tipo de achado que acontece uma vez na vida”, segundo o UOL.
Dentes em forma de pente e o elo evolutivo perdido
Com mandíbulas alongadas e fileiras densas de dentes finos, o Bakiribu waridza exibia uma estrutura bucal altamente especializada para filtração.
Os pesquisadores estimam que o animal possuía cerca de 440 a 560 dentes, distribuídos em ambas as mandíbulas, com densidade de 17,6 dentes por centímetro – uma das mais altas já registradas entre pterossauros.
As coroas dentárias, com formato subquadrangular, e a implantação dos dentes em estilo acrodonte (sem cavidades individuais, como se estivessem colados ao osso) são características únicas dentro do grupo dos Ctenochasmatidae, ao qual o dinossauro descoberto pertence.
Essa combinação de traços indica que o Bakiribu filtrava pequenas presas, como plâncton e micropeixes, ao passar a água entre os dentes, de modo semelhante ao Pterodaustro, espécie parente encontrada na Argentina.
A análise filogenética do estudo posiciona o Bakiribu como espécie irmã de Pterodaustro guinazui, preenchendo uma lacuna evolutiva entre formas mais antigas, como Ctenochasma, e as mais derivadas dentro do clado Ctenochasmatinae.
Em termos anatômicos, o novo pterossauro é considerado um intermediário entre esses dois grupos, com dentes longos e numerosos, mas menos densos que os do Pterodaustro.
Essa transição revela como os pterossauros aperfeiçoaram a alimentação por filtragem ao longo do tempo, adaptando-se a diferentes ambientes aquáticos.
Segundo os autores, a descoberta ajuda a entender não só a evolução do grupo, mas também os padrões de dispersão e diversidade ecológica dos pterossauros nos continentes do antigo supercontinente Gondwana.
O que o vômito conta sobre o Cretáceo no Araripe
A interpretação do fóssil como uma regurgitalite permitiu aos cientistas reconstruir uma rara cena de predação do Cretáceo.
No mesmo bloco de rocha, estavam misturados ossos fragmentados do pterossauro e restos de quatro peixes orientados na mesma direção, como se tivessem sido engolidos cabeça primeiro, padrão típico de predadores piscívoros modernos.
A ausência de sinais de corrosão digestiva indica que o material foi expelido logo após a ingestão, antes que o ácido estomacal pudesse alterar os ossos.
Para os pesquisadores, o predador provavelmente consumiu o pterossauro primeiro e os peixes em seguida, regurgitando parte da refeição devido ao desconforto mecânico causado pelos dentes e ossos engolidos.
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Entre os possíveis culpados, os espinossaurídeos – grandes dinossauros carnívoros com hábitos piscívoros – surgem como candidatos mais prováveis.
O grupo já era comum na região e há registros de fósseis que comprovam sua dieta à base de peixes e até pterossauros.
O estudo sugere ainda que o Bakiribu pode ter vivido em outro tipo de ambiente, como lagunas ou águas calmas. E sido carregado ou ingerido fora da área onde o fóssil foi depositado.
Isso reforça o caráter excepcional da descoberta. Além de revelar uma nova espécie, o fóssil preserva um instante de interação entre presas e predadores de 110 milhões de anos atrás. É um registro direto e quase cinematográfico do cotidiano da vida pré-histórica no Araripe.
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