Frankenstein sempre foi um marco da literatura de terror e ficção científica, mas também um reflexo das tensões entre ciência, ética e imaginação no início do século XIX.
O interesse pela obra voltou a crescer com a nova adaptação da Netflix, que apresenta mudanças importantes em relação ao romance. Mudanças, aliás, que foram exploradas na matéria sobre as diferenças entre o livro e o filme.
Em meio ao debate renovado, uma pergunta retorna: afinal, a ciência que inspirou Mary Shelley tinha alguma base real?
Para entender isso, é preciso voltar no tempo e observar como eletricidade, experimentação médica e discussões filosóficas moldaram uma das histórias mais influentes da literatura.
A criatura de Victor Frankenstein não surgiu apenas de imaginação literária. Ela nasceu em um período de descobertas intensas e de temores profundos sobre até onde a ciência poderia, ou deveria, ir.
Quem foi Mary Shelley e como surgiu Frankenstein?
Mary Shelley tinha apenas 18 anos quando desenvolveu a ideia que se tornaria Frankenstein. Em 1816, ela passou uma temporada na Suíça com Percy Shelley, Lord Byron e outros intelectuais, durante um período marcado por tempestades e clima sombrio.
As conversas do grupo giravam em torno de temas filosóficos e científicos, e foi ali que surgiu o famoso desafio de escrever uma história de terror.
Essas discussões intensas foram fundamentais para a criação do romance, e também para influenciar obras posteriores, incluindo leituras modernas como a crítica que interpreta o novo filme como um manifesto sobre inteligência artificial.
Mary Shelley cresceu rodeada por pensadores, políticos, escritores e estudiosos. Seu pai, William Godwin, e sua mãe, Mary Wollstonecraft, eram figuras influentes, e a jovem autora teve contato desde cedo com debates sobre ciência, ética e sociedade.
Seu romance surgiu como uma resposta ao espírito de sua época: inquieto, curioso e temeroso diante da capacidade humana de ultrapassar limites naturais.
O contexto histórico e científico
O início do século XIX foi uma era de experimentação ousada. A eletricidade, recém-descoberta e pouco compreendida, era vista quase como uma força vital.
Pesquisadores investigavam suas aplicações no corpo humano, acreditando que choques elétricos poderiam restaurar funções musculares ou até mesmo aproximar cadáveres de movimentos reflexos.
Demonstrações públicas de galvanismo lotavam auditórios. Membros de animais mortos se contraíam diante das faíscas elétricas, fascinando e perturbando a plateia.
Esse ambiente científico influenciou diretamente Mary Shelley e pode ser percebido na atmosfera sombria e experimental de seu livro. Até hoje, esse imaginário inspira criações visuais marcantes, como revelado na reportagem especial sobre como foi criada a maquiagem do monstro do novo filme.
A ciência do período caminhava sem muitas regulações éticas, algo que ecoa nos temas explorados no romance. Shelley traduziu em literatura um medo coletivo: o receio de que o conhecimento científico pudesse ultrapassar limites morais.
Qual é a ciência por trás do monstro de Frankenstein?
Embora Mary Shelley não descreva em detalhes como Victor Frankenstein cria seu monstro, a obra sugere fortemente o uso de eletricidade e manipulação de tecidos orgânicos.
Essa falta de precisão não é acidental: a autora estava mais interessada nas implicações filosóficas do ato do que em seu processo técnico. Mas sua inspiração, sim, veio diretamente de experimentos reais.
Entre os mais influentes estava o galvanismo, uma área que buscava entender como correntes elétricas influenciavam músculos e nervos. Esses testes, conduzidos por alguns dos cientistas mais conhecidos da época, foram fundamentais para que Shelley imaginasse um criador capaz de “animar” matéria morta.
Esse diálogo entre imaginação literária e ciência experimental continua inspirando interpretações modernas da obra, como ilustram as leituras divertidas e inesperadas reunidas na lista dos melhores memes que surgiram após o lançamento do filme.
O que é galvanismo?
O galvanismo nasceu a partir dos experimentos de Luigi Galvani, que observou que pernas de rãs mortas se moviam quando conectadas a diferentes metais. Ele acreditava que havia uma “eletricidade animal” responsável pelos impulsos vitais. A descoberta rapidamente se espalhou pela Europa e inspirou tanto admiração quanto temor.
Mas Giovanni Aldini, sobrinho de Galvani, levou os experimentos ainda mais longe. Em demonstrações públicas, aplicava correntes elétricas em cadáveres recém-executados.
Os corpos se contorciam, abriam os olhos, levantavam braços. As reações eram involuntárias, mas assustadoras o suficiente para alimentar rumores de reanimação.
Esses relatos eram amplamente divulgados em jornais, e Mary Shelley sem dúvida teve contato com eles.
Experimentos reais com eletricidade e corpos humanos
Além dos galvanistas, outros pesquisadores investigavam como a eletricidade afetava tecidos e órgãos. Erasmus Darwin, por exemplo, estudou movimentos involuntários em organismos e especulou sobre a natureza da vida.
Técnicas rudimentares de reanimação também começavam a ser testadas, incluindo métodos incipientes de ventilação artificial e massagem cardíaca.
Esse cenário científico, ao mesmo tempo promissor e assustador, influenciou diretamente a obra de Shelley. A criatura de Frankenstein nasceu de um universo em que a fronteira entre vida e morte parecia, pela primeira vez, aberta à experimentação.
Não por acaso, temas semelhantes seguem inspirando obras audiovisuais, como mostra a seleção de filmes parecidos com Frankenstein, ideal para quem deseja explorar abordagens semelhantes sob outras perspectivas.
Frankenstein é cientificamente possível?
Apesar do fascínio pelos experimentos da época, a ciência moderna é clara: não, a criação do monstro de Frankenstein não é possível. O corpo humano começa a sofrer degradação celular minutos após a morte. Tecidos perdem função, nervos deixam de conduzir impulsos e o cérebro sofre danos irreversíveis após poucos minutos sem oxigênio.
Mesmo com avanços como transplantes complexos, biotecnologia e suporte vital moderno, nada se aproxima da reanimação imaginada por Shelley. O romance opera em um território especulativo, onde a ciência real fornece apenas a fagulha inicial.
Ainda assim, adaptações modernas continuam reinterpretando a história. A nova versão da Netflix, por exemplo, apresenta um desfecho repleto de nuances, detalhado na matéria que explica o final do filme.
Por que a criação do monstro é impossível
O principal obstáculo é biológico. Cada célula do corpo depende de oxigênio constante para manter suas funções. Tecidos começam a se decompor rapidamente após a morte, e não existe tecnologia capaz de restaurar a atividade elétrica do cérebro sem danos severos.
Além disso, integrar partes de diferentes corpos, como sugerido no romance, é impraticável. Mesmo transplantes modernos exigem compatibilidade extrema e imunossupressão pesada. Construir um organismo com peças diversas violaria praticamente todos os princípios conhecidos da imunologia.
Shelley não buscava precisão científica. Ela queria explorar as consequências éticas da ambição desmedida e isso permanece o coração da narrativa.
A ética da ciência: a grande mensagem de Frankenstein
Frankenstein continua relevante porque trata de responsabilidade científica. O romance não critica a ciência, mas sim o abuso dela. Victor Frankenstein cria vida, mas não assume responsabilidade pelo que fez. A criatura, abandonada e rejeitada, torna-se símbolo dos perigos de uma ciência desumana.
Esse debate é atual. Ele aparece em discussões sobre inteligência artificial, biotecnologia, manipulação genética e tecnologias emergentes. A criatura de Shelley é um alerta permanente para os riscos de ignorar a ética.
A ciência por trás de Frankenstein, portanto, não é real no sentido literal, mas é profundamente verdadeira como reflexo das inquietações científicas, filosóficas e morais do início do século XIX.
Mary Shelley transformou debates complexos sobre eletricidade, vida e responsabilidade em uma narrativa que atravessa séculos.
Para continuar explorando esse universo, vale conhecer mais adaptações e análises aqui no Minha Série ou compartilhar este conteúdo com alguém que também gosta de histórias que misturam ciência, imaginação e ética!