Governos foram a principal causa de apagões da Internet em 2025

Em uma lista compilada pela empresa Cloudflare que inclui desastres naturais, corte de cabos, ataque cibernético e blecaute, as ordens de governos para desligar a Internet ocupam o topo como principal causa para apagões no acesso à rede neste ano, correspondendo a quase metade (48%) dos 174 incidentes registrados. Apesar de não ser novidade, como a reação do governo egípcio à Primavera Árabe em 2011, o ano de 2025 foi marcado pela grande quantidade desses bloqueios. Estariam os governos em guerra contra a Internet?

A Cloudflare possui um ponto de vista privilegiado para gerar esses números. Se pensarmos que em uma ponta da linha temos a hospedagem de conteúdo e na outra um usuário, a empresa atua nas duas para deixá-los online. Do lado da hospedagem, oferece serviço de CDN e anti-DDoS para aproximadamente 20% dos sites na Internet mundial. O tráfego tanto originado como destinado a esses sites passa pelos servidores da empresa.

Do lado do usuário, ela é a mantenedora do serviço de DNS 1.1.1.1 e portanto monitora e contabiliza os sites, apps e serviços acessados por milhões de internautas que aderiram a esse serviço gratuito, já que cada requisição inicial passa pelos seus servidores, mesmo quando o site acessado não é um dos protegidos pela empresa.

Quando sites hospedados em uma região do mundo param de responder ou há desaparecimento de volume significativo da navegação dos usuários geograficamente localizados, a empresa consegue perceber quase instantaneamente que há um apagão e registra esse incidente.

Esses registros são apresentados em um relatório aberto chamado Cloudflare Radar e um dos indicadores publicados é o “Internet Outages” (apagões de Internet) que no acumulado de 2025 se encerra com o seguinte ranking:

  • Determinados pelo governo: 48%
  • Blecaute: 14%
  • Ruptura de cabo: 11%
  • Problemas técnicos: 8%
  • Desconhecido: 7,5%
  • Incêndio: 2,9%
  • Evento climático: 2,9%
  • Ataque cibernético: 1,7%
  • Desastre natural: 1,1%
  • Erro de configuração: 1,1%
  • Problema de rede: 0,57%
  • Manutenção: 0,57%
  • DNS: 0,57%

Esses 48% correspondem às ordens de desligamento expedidas pelos governos do Afeganistão, Irã, Iraque, Líbia, Panamá, Síria, Sudão e Tanzânia. Uma leitura desatenta dessa lista faria alguém crer que apenas regimes autoritários estão em guerra com a Internet.

Enquanto neles os apagões ocorreram durante protestos contra o resultado das eleições (Tanzânia), contra reforma previdenciária (Panamá), contra o governo atual (Irã e Líbia) e para prevenir imoralidade (Afeganistão), as nações democráticas estão também em guerra com a Internet, mas de forma fria, velada.

Para camuflar as intenções autoritárias, o poder legislativo dessas nações tem produzido projetos de lei repletos de vigilantismo que reduzem a liberdade de expressão, a de reunião, de imprensa e descaracterizam a Internet usando quatro desculpas básicas: o combate à pirataria, ao terrorismo, às notícias falsas, e a proteção das crianças e adolescentes.

Na coluna passada, conversamos sobre o caso da Austrália que baniu os menores de 16 anos das redes sociais alegando protegê-los. Para dificultar o uso de VPNs para burlar o bloqueio, o órgão regulador pede às plataformas que tomem medidas impressionantes para detectar e banir crianças e adolescentes: reconhecimento biométrico do rosto e tom de voz, análise de indicadores como vocabulário, modo de escrever, horários das postagens, categoria dos assuntos de interesse e perfil típico com quem conversam online. Tal aparelho tecnológico, uma vez criado para rastrear menores de idade por sua biometria e comportamento, pode ser usado também para rastrear adultos caso o governo e as empresas assim decidam.

No Brasil, temos sancionada e com entrada em vigor em 2026 a Lei Felca, que já teve seus efeitos colaterais esmiuçados noutra edição dessa coluna. O discurso é que crianças serão protegidas de conteúdo inapropriado. A prática é que todos os adultos serão fichados a cada acesso a conteúdos até educativos, como a Wikipédia. Assim como na lei australiana, temos uma gangorra travada: as consequências adversas para o internauta são elevadas enquanto a eficácia em proteger crianças e adolescentes é muito baixa.

A eficácia é baixa, pois como o combate igualmente ineficaz à pirataria nos mostra, a implantação de obstáculos severos no acesso a algum conteúdo acaba fomentando a criação de alternativas longe da superfície da rede, mais escondidas das autoridades e dos efeitos de qualquer lei.

É o caso do Reino Unido, em que diante da exigência da apresentação de documentos para permitir o acesso a sites adultos, o PornHub obteve uma redução de 75% de audiência no país sem aumento dela em qualquer outro. É seguro deduzirmos que em vez de terem se tornado castos, os britânicos agora consomem esse mesmo conteúdo por plataformas não reguladas e não monitoradas, sem vínculo a uma empresa, expondo adultos e menores de idade a riscos maiores do que existiam antes.

Diferentemente dos internautas dos países mais autoritários que conseguem enxergar mais nitidamente essas ofensivas contra a rede – como o caso recente do Nepal que resultou na deposição do governo – os internautas dos países de aparência democrática sofrerão da síndrome do sapo fervido.

Essas leis entrarão em vigor, mas entorpecidos pelos vídeos verticais em listas infinitas, não percebem que ainda chamam de Internet algo que não é mais mundial. Passaremos a ter uma rede apenas nacional e fechada, controlada por um grupo pequeno de empresas sob a curadoria do governo local e sem privacidade na comunicação pela rede entre cidadãos.

Na coluna em que falamos sobre o ninho que chocou a Internet não existe mais, vimos o berço governamental e militar da tecnologia que compõe essa rede. É preocupante ver que 34 anos após a abertura dela para usuários residenciais e a transferência de sua gestão a entidades não governamentais, os governos são a maior ameaça à integridade e operação da Internet.

Nem os conflitos bélicos (Palestina e Ucrânia), a sabotagem de cabos submarinos ou as transformações climáticas geraram tantos apagões como os ordenados pelos governos, mesmo em um ano marcado pelos por falhas em gigantes da tecnologia, como a queda da AWS, da Microsoft Azure e até da própria Cloudflare.

Governos tentam engolir a rede assim como Cronos engoliu seus filhos para impedir a profecia de Gaia de que seria destronado por um deles. Na mitologia grega, isso deflagrou a Guerra dos Titãs. E na Internet propriamente dita, onde está seu Zeus agora?

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