Todas as sextas-feiras, ao vivo, a partir das 21h (pelo horário de Brasília), vai ao ar o Programa Olhar Espacial, no canal do Olhar Digital no YouTube. O episódio da última sexta-feira (26) – que você confere aqui – repercutiu a chegada do módulo Bion-M n.º 2: a “Arca de Noé” com 75 roedores e mais de 1,5mil moscas, dentre outros seres vivos, lançada ao espaço pela Roscosmos, a agência espacial russa.
A divulgadora científica Annanda Paula explicou o dilema ético desse experimento e o que ele revela sobre o futuro da exploração espacial. Fundadora da página Uma dose de Astronomia, Paula atua há quatro anos com divulgação científica, trazendo novidades astronômicas e combatendo a desinformação.
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“Arca de Noé” foi um laboratório em órbita
Em 20 de agosto, a Roscosmos lançou uma capsula com um conjunto de espécimes: 75 camundongos, mais de 1,5 mil moscas, culturas celulares, micróbios, sementes de plantas e outros materiais orgânicos. Esses seres vivos orbitaram a Terra entre 370 e 380km acima do solo por quase um mês. Nesse período, foram submetidos aos efeitos da radiação cósmica e da microgravidade.
O módulo pousou em 19 de setembro na região de Orenburgo, na Rússia. No local, cientistas iniciaram a análise das moscas, buscando sinais de danos causados pelo ambiente espacial. Os demais espécimes foram levados ao Instituto de Problemas Biomédicos da Academia Russa de Ciências, em Moscou.

“Essa missão é como um laboratório na órbita da Terra. Ela vai trazer muitas respostas sobre como sustentar a vida em outros locais com diferenças de radiação e gravidade”, explicou Paula.
Marcelo Zurita, astrônomo e apresentador do Olhar Espacial, notou que as moscas podem ter se reproduzido, uma oportunidade única de ver os efeitos do espaço na procriação. “O ciclo de vida das moscas-das-frutas dura entre 30 e 50 dias. Elas ficaram um mês no espaço, o suficiente para surgir uma nova geração”, comentou.
Experimentos podem impactar novas tecnologias e preparar a ciência do futuro
O programa científico da missão contou com dez seções de experimentos. Duas foram dedicadas aos efeitos combinados da radiação e da gravidade reduzida, com o objetivo de desenvolver tecnologias de suporte à vida em missões espaciais. Outras três investigaram os impactos do voo sobre os organismos.
Nas cinco seções seguintes, haviam testes variados de biotecnologia e física, além de experimentos preparados por estudantes da Federação Russa e da República da Bielorrússia. Para a divulgadora científica, essa foi uma oportunidade de aproximar os jovens do mundo da pesquisa e inovação.
“Ao incluir as crianças e adolescente, estamos construindo a ciência do futuro. Esses estudantes que enviaram seus projetos podem se tornar os cientistas do futuro que trarão as respostas que precisamos”, disse Paula.

Missão reacende dilema ético
O uso de espécimes na missão reacendeu o debate sobre experimentos com animais. Essa não é a primeira vez que a humanidade envia seres vivos à órbita da Terra. Em 1947, pesquisadores dos Estados Unidos enviaram moscas-das-frutas para estudar os efeitos da radiação cósmica nesses organismos. Os insetos retornaram vivos, abrindo portas para missões mais ambiciosas.
Paula relembrou o caso da cadela Laika, lançada pela União Soviética em 1957 a bordo do foguete Sputnik. Ela foi o primeiro canino enviado ao espaço. No entanto, sua missão acabou em desastre: ela faleceu durante uma falha do sistema de controle da temperatura da cabine. A partir da quinta orbita, o interior do módulo superou os 40°C e Laika não resistiu.

“Foi importante para os estudos, mas não houve um planejamento para o retorno da Laika. Ela faleceu horas após a decolagem”, relatou a divulgadora científica.
Embora a Roscosmos tenha projetado Bion-M n.º 2 para manter os animais em segurança, a missão ainda é uma situação de estresse para esses seres. Zurita questionou a necessidade desses experimentos: “o sacrifício de Laika impulsionou o avanço da ciência, mas é uma crueldade. Nos faz pensar se não valeria a pena tentar outra forma, sem sacrificar vidas”, disse o astrônomo.
Seres humanos serão os próximos animais no espaço
Os experimentos com animais em orbita trazem um vislumbre do futuro da exploração espacial. Os efeitos que os mamíferos, como os camundongos, sofrem são alertas para os perigos de longos períodos fora da Terra.
Os astronautas na Estação Espacial Internacional (ISS, na sigla em inglês), por exemplo, sofrem inúmeros efeitos. Impactos como perda de massa muscular e óssea, problemas de visão e atrofia do coração são comuns para os sujeitos que passam meses no ambiente espacial.
Para Zurita, essas experiências são um alerta para as futuras missões ao Planeta Vermelho. “Nós não estamos prontos para ir à Marte, esse não é o momento para isso. Os experimentos feitos com insetos e camundongos nos mostram isso: o nosso organismo não está preparado para ser submetido a tanta radiação no espaço”, destacou o especialista.

Paula acredita que a humanidade está em seus momentos iniciais de viagem espacial. Segundo ela, as dificuldades da missão Artemis, que pretende levar humanos de volta a Lua, são um indicador de que Marte pode estar mais distante do que pensávamos.
Embora com avanços inegáveis na tecnologia, vindos de empresas como a SpaceX e agências espaciais ao redor do globo, a dupla de especialistas acredita que a conquista de outros planetas está em um futuro distante. “É inevitável que o ser humano irá até Marte algum dia, mas não agora”, concluiu Zurita.
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