Um estudo publicado este mês na revista Nature Communications traz uma nova explicação para as estrias escuras que surgem nas encostas de Marte. Chamadas linhas de declive recorrentes (RSL, na sigla em inglês), elas são, segundo a pesquisa, formadas em sua maioria por processos “secos”, impulsionados por poeira, vento e areia.
Liderada pelo cientista planetário Valentin Tertius Bickel, pesquisador de pós-doutorado da Universidade de Berna, na Suíça, a equipe examinou um extenso conjunto de imagens orbitais registradas pelo satélite Mars Reconnaissance Orbiter (MRO), da NASA, ao longo de 18 anos, desde 2006. Também foram analisadas observações feitas pelo orbitador ExoMars Trace Gas Orbiter (TGO), da Agência Espacial Europeia (ESA), que no fim de 2023 capturou o momento em que uma avalanche de poeira desceu das encostas do vulcão Apollinaris Mons.
Em resumo:
- As marcas parecem resultar principalmente da dinâmica de poeira, vento e areia;
- Eventos como impactos de meteoroides e tremores no solo têm peso local, mas pequeno no conjunto;
- Análise com aprendizado de máquina reuniu um “censo” global de estrias ao longo de quase duas décadas;
- Os resultados ajudam a esclarecer o debate sobre a presença de água líquida atual em Marte.
Cientistas queriam saber se havia relação com presença de água
As estrias escuras intrigam cientistas há anos por surgirem e se dissiparem com as estações, o que levantou a hipótese de que poderiam estar ligadas a água salgada ocasionalmente fluindo sob a superfície.
Para testar essa e outras explicações, a equipe examinou de forma integrada vários registros. O ponto de partida foi uma imagem capturada pelo Sistema de Imagem de Superfície em Cores e Estereoscopia (CaSSIS), a câmera do TGO, mostrando faixas escuras ao pé de encostas no Apollinaris Mons, associadas a uma avalanche de poeira ocorrida em 24 de dezembro de 2023.
Em paralelo, Bickel aplicou técnicas de aprendizado de máquina a um vasto conjunto de imagens do MRO reunidas entre 2006 e 2024. Em vez de apenas contabilizar ocorrências, a equipe mapeou padrões e localizou áreas onde as estrias aparecem com maior frequência. A análise também estimou quanto desses eventos pode estar ligado a impactos de meteoroides ou pequenos tremores, concluindo que esses gatilhos explicam apenas uma parte das formações, dominadas por vento, poeira e areia.
“A dinâmica da poeira, do vento e da areia parece ser o principal fator sazonal que impulsiona a formação de estrias nas encostas”, afirma Bickel. Em suas palavras, “impactos de meteoroides e terremotos parecem ser fatores distintos localmente, mas relativamente insignificantes em nível global”. Segundo ele, ao reforçar o papel desses processos físicos, o estudo reduz a necessidade de invocar a presença de água líquida atual para explicar a maioria das marcas.
Os autores ressaltam que a abordagem combinada (flagrantes de eventos recentes, como a avalanche capturada pelo TGO, somados a uma leitura global de longo prazo com o MRO) é crucial para entender um planeta em constante mudança. “Essas observações podem levar a uma melhor compreensão do que acontece em Marte hoje”, diz Colin Wilson, cientista do projeto ExoMars Trace Gas Orbiter da ESA, em um comunicado. “Obter observações contínuas, de longo prazo e em escala global que revelem um Marte dinâmico é um objetivo fundamental das sondas orbitais atuais e futuras.”
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Principal objetivo é garantir a segurança dos futuros astronautas em Marte
Ao reunir as peças, o trabalho aponta para um cenário em que forças atmosféricas e geológicas secas moldam as encostas marcianas, sem descartar por completo outros processos.
Isso tem implicações diretas para questões maiores: quando a água da superfície desapareceu, para onde foi e se Marte chegou a abrigar vida em algum momento. Hoje, nove missões de cinco agências estão no planeta para encontrar essas respostas, com o lançamento de novas sondas – e, mais adiante, de astronautas – planejados para as próximas décadas.
Esses resultados ajudam a definir como e onde procurar sinais de água antiga e possíveis ambientes habitáveis. Também oferecem orientações práticas para futuras missões tripuladas, que precisarão lidar com poeira fina, encostas instáveis e ventos fortes.
Ao compreender melhor esses riscos, planejadores podem reduzir a exposição de astronautas a ambientes perigosos e desenvolver equipamentos mais seguros – avanços concretos para a saúde e o bem-estar de quem, um dia, vai trabalhar na superfície de Marte.
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