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NASA criou o açúcar sem calorias, mas por que ele nunca chegou ao mercado?

by Fesouza
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O açúcar é parte fundamental da alimentação humana há séculos, mas também está no centro de debates sobre saúde pública. Cada grama do tipo comum tem cerca de 4 calorias, e seu consumo em excesso está diretamente relacionado a doenças como obesidade, diabetes tipo 2, resistência à insulina, hipertensão e até problemas cardíacos.

Por isso, pesquisadores do mundo todo estão em busca de alternativas que mantenham o sabor doce sem os efeitos nocivos das calorias.

Uma das histórias mais curiosas tem a ver com a NASA, que teria desenvolvido, ou viabilizado por meio de tecnologias associadas a seu programa espacial, um açúcar sem calorias. A ideia parecia revolucionária, mantendo as características do açúcar tradicional, incluindo sabor e textura, mas sem o impacto calórico e metabólico.

O produto, conhecido como tagatose, surgiu em pesquisas financiadas e impulsionadas pelo programa de transferência de tecnologia da agência, o Spinoff.

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A iniciativa tem como objetivo adaptar descobertas feitas para o espaço a aplicações do dia a dia, e já foi responsável por inovações em setores como saúde, engenharia e alimentos. Porém, se esse açúcar realmente existiu e foi considerado seguro, por que nunca chegou nas prateleiras dos supermercados? Descubra tudo na matéria a seguir.

açúcar
O açúcar comum, como a sacarose, é rapidamente quebrado pelo organismo em glicose e frutose, que entram na corrente sanguínea e fornecem energia rápida para o funcionamento das células. (Imagem: Africa Studio/Shutterstock)

Por que a NASA criou o açúcar sem calorias?

O açúcar comum, como a sacarose, é rapidamente quebrado pelo organismo em glicose e frutose, que entram na corrente sanguínea e fornecem energia rápida para o funcionamento das células. Esse fornecimento rápido de calorias é útil em situações de esforço físico intenso, mas no dia a dia, quando o gasto energético não é proporcional, o excesso de glicose é transformado em gordura e armazenado.

Esse é um dos motivos que fazem o açúcar ser considerado um vilão moderno, pois apesar de ser prazeroso ao paladar, seu consumo em excesso está fortemente ligado ao aumento de peso e às doenças metabólicas.

Em tempos antigos, alimentos açucarados eram raros e forneciam energia imediata, aumentando as chances de sobrevivência, o que fazia sentido na época. Mas hoje, vivemos em um cenário com grande quantidade de açúcares refinados, que estão presentes em doces e sobremesas, alimentos ultraprocessados, bebidas, molhos e até produtos salgados.

Isso criou um desequilíbrio entre o que o corpo está preparado para receber e o que de fato consome diariamente. A Organização Mundial da Saúde recomenda que os açúcares livres não ultrapassem 10% das calorias diárias, mas a média de consumo global costuma exceder esse valor.

Por conta dessa preocupação crescente, surgiu um alto interesse por alternativas ao açúcar tradicional. Em seus programas de pesquisa, a NASA estudava substâncias capazes de substituir o açúcar sem trazer os mesmos efeitos calóricos.

Entre os compostos analisados estava o tagatose, um açúcar raro encontrado em pequenas quantidades em alguns laticínios e frutas. O tagatose pareceia ser a solução perfeita, por ter um sabor semelhante ao da sacarose e um poder adoçante próximo de 90% em relação ao açúcar comum.

Assim, ele adoça de forma bem semelhante ao açúcar, mas com apenas cerca de 1,5 calorias por grama, muito menos do que as 4 calorias da sacarose.

O desenvolvimento do tagatose surgiu como parte de pesquisas de biotecnologia associadas ao programa espacial, já que substâncias estáveis, seguras e de baixo impacto metabólico são úteis em missões de longa duração.

A molécula é um isômero da galactose e passa pelo organismo de forma diferente do açúcar comum, sendo que apenas cerca de 20% é absorvido no intestino delgado e metabolizado pelo corpo, enquanto o restante segue para o cólon, onde pode ser fermentado pelas bactérias intestinais.

Isso explica por que sua carga calórica é tão baixa e por que ele tem um efeito glicêmico reduzido, sendo considerado promissor para pessoas com diabetes.

Comparado à sacarose, o tagatose tem vantagens adicionais, pois além de não causar picos de glicose no sangue, ele não contribui para o desenvolvimento de cáries, já que não serve de alimento para as bactérias que atacam os dentes.

Estudos também mostram que ele pode até mesmo estimular o crescimento de bactérias benéficas no intestino, funcionando como um prebiótico. Essas características, em teoria, poderiam colocar o tagatose como um substituto muito mais saudável do que adoçantes artificiais de alta intensidade, como aspartame ou sucralose, que não agregam textura nem funções culinárias semelhantes às do açúcar.

Sete colheres alinhadas com diferentes tipos de açúcar.
A Organização Mundial da Saúde recomenda que os açúcares livres não ultrapassem 10% das calorias diárias, mas a média de consumo global costuma exceder esse valor. (Imagem: photographyfirm/Shutterstock)

Por que o tagatose nunca chegou ao mercado?

O primeiro obstáculo foi o custo de produção, porque produzir tagatose em escala industrial exige processos complexos de conversão enzimática a partir da lactose. Apesar dos avanços biotecnológicos, esse processo ainda era caro e não conseguia competir com o preço baixíssimo do açúcar refinado.

Enquanto o açúcar comum pode ser produzido em toneladas a partir da cana ou da beterraba a custos muito baixos, o tagatose dependia de processos sofisticados que deixavam o produto final mais caro, tornando-o inviável para uso em massa na indústria.

Outro ponto importante foi a aceitação regulatória, já que para ser comercializado globalmente, qualquer novo ingrediente alimentar precisa passar por extensos testes de segurança em diferentes países. Mesmo que o tagatose tenha sido aprovado pelo FDA (EUA) e também reconhecido como seguro por entidades na Europa, o processo de aprovação levou tempo e limitou seu avanço.

Além disso, apareceram relatos de efeitos colaterais digestivos, como gases e desconforto abdominal, quando consumido em grandes quantidades, uma consequência do fato de boa parte da substância não ser absorvida e acabar fermentada no intestino.

O mercado também teve um peso decisivo, pois quando o tagatose começou a ser testado comercialmente, outros adoçantes já dominavam o setor. A sucralose, aprovada em 1998, e a stevia, popularizada nos anos 2000, já ocupavam espaço como alternativas ao açúcar.

Esses produtos, mais baratos e disponíveis, acabaram ganhando preferência da indústria e dos consumidores. Assim, mesmo com vantagens nutricionais, o tagatose não conseguiu competir em escala com esses concorrentes.

E, para fechar, a percepção pública também influencia, sendo que muitos consumidores ainda enxergam com desconfiança adoçantes derivados de processos biotecnológicos, preferindo opções “naturais” como stevia ou mel.

Essa barreira cultural dificultou ainda mais a expansão do tagatose, enquanto novas tendências de alimentação, como a busca por reduzir adoçantes em geral, também diminuíram o espaço para ele.

Ainda que existam nichos nos quais o tagatose ainda é estudado e utilizado, ele não conseguiu superar as barreiras impostas por custos altos e concorrência. Então, mesmo com apoio de tecnologias avançadas e potencial reconhecido, transformar uma inovação científica em produto acessível para milhões de pessoas é um processo complexo e com muitos obstáculos.

NASA criou o açúcar sem calorias, mas por que ele nunca chegou ao mercado?
O açúcar comum pode ser produzido em toneladas a partir da cana ou da beterraba a custos muito baixos, e o tagatose depende de processos sofisticados que deixam o produto final mais caro. (Foto: Pixel-Shot/Shutterstock)

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