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Neurônios humanos são implantados em ratos em experimento sobre restauração cerebral

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Pedaços de tecido cerebral humano cultivados em laboratório foram transplantados com sucesso em filhotes de ratos, um feito impressionante da engenharia biológica que pode fornecer modelos mais realistas para condições como o autismo e outros distúrbios neuropsiquiátricos, além de servir como uma maneira de restaurar cérebros lesionados.

Um artigo publicado nesta quarta-feira (12) na revista Nature descreve o experimento, por meio do qual organoides 3D, desenvolvidos a partir de células-tronco para se assemelhar a um modelo simplificado do córtex humano, foram conectados e integrados com o tecido circundante no córtex de cada rato para formar uma parte funcional do cérebro do próprio roedor, exibindo atividade relacionada à percepção sensorial.

Isso, de acordo com o líder do estudo, o neurocientista Sergiu Paşca, da Universidade de Stanford, nos EUA, supera as limitações típicas dos organoides cultivados, fornecendo uma nova plataforma para modelar o desenvolvimento cerebral humano em um sistema vivo.

“A maior parte do trabalho que meu laboratório vem fazendo foi motivada por essa missão de tentar entender os transtornos psiquiátricos no nível biológico para que possamos realmente encontrar terapias eficazes”, explicou Paşca em uma coletiva de imprensa. “Muitas dessas condições psiquiátricas, como autismo e esquizofrenia, são provavelmente exclusivamente humanas, ou pelo menos, estão ancoradas em características únicas do cérebro humano. E o cérebro humano certamente não tem sido muito acessível, o que impediu o progresso que temos feito na compreensão da biologia dessas condições”.

Sergiu Paşca, neurocientista da Universidade de Stanford, que liderou a pesquisa. Crédito: Timothy Archibalt

Estudo mais aprofundado das funções e desenvolvimento cerebrais

Em 2009, os cientistas tiveram um progresso: células cerebrais cultivadas a partir de células-tronco pluripotentes induzidas. As células maduras colhidas de humanos adultos foram projetadas reversas (ou induzidas) para devolvê-las ao estado ‘em branco’ das células-tronco – a forma que as células tomam antes de crescerem em células com especializações, como células da pele ou cardíacas.

Essas células-tronco, então, foram guiadas a desenvolver-se em células cerebrais, que os cientistas cultivaram para formar pedaços de tecido cerebral – os chamados organoides. Esses modelos de áreas-chave da anatomia cerebral, como o córtex externo enrugado, poderiam ser usados para estudar funções e desenvolvimento cerebrais de perto.

Uma fatia de cérebro de rato mostrando o organoide cortical humano em verde brilhante. Crédito: Pasca Lab, Universidade de Stanford

Por mais úteis que sejam, organoides in vitro têm limitações. Por não estarem conectados a sistemas vivos, eles não amadurecem completamente, tirando dos pesquisadores a oportunidade de observar como eles se integram com outras partes principais de um cérebro.

Além disso, um organoide cerebral em um prato de laboratório não pode revelar as consequências comportamentais de quaisquer defeitos que os cientistas possam identificar. Uma vez que os transtornos psiquiátricos são definidos pelo comportamento, isso reduz a capacidade de identificar as características fisiológicas desses transtornos.

Cérebros de ratos adultos não responderam adequadamente

Em pesquisas anteriores, cientistas tentaram superar esses obstáculos implantando organoides cerebrais humanos no cérebro de ratos adultos. Por causa da incompatibilidade de desenvolvimento, os transplantes não vingaram: os neurônios em desenvolvimento no organoide não poderiam formar uma forte conexão com a rede totalmente desenvolvida de um cérebro de rato adulto.

Em razão disso, Paşca e seus colegas resolveram enxertar o tecido cerebral humano no cérebro de ratos recém-nascidos, que ainda não se desenvolveram totalmente.

Assim, organoides corticais humanos foram cultivados em um prato e depois transplantados diretamente no córtex somatossensorial (a área do cérebro responsável pelo recebimento e processamento de informações sensoriais) de filhotes de ratos com apenas alguns dias de idade. 

Ratos são totalmente maduros sexualmente entre 6 e 12 semanas, e os cientistas deixaram as cobaias em descanso por 140 dias, para então analisar os resultados.

Os pesquisadores tinham geneticamente projetado os organoides para responder à simulação de luz azul, ativando neurônios quando a luz azul brilhava sobre eles. Esse estímulo nos neurônios humanos foi realizado enquanto os ratos estavam sendo treinados para lamber um bico para beber água. 

Mais tarde, quando a luz azul brilhava sobre os organoides, os ratos lambiam automaticamente – exibindo uma resposta não vista em grupos de controle.

Isso indicou que não só o organoide estava funcionando já como parte do cérebro dos ratos, como poderia ajudar a impulsionar o comportamento em busca de recompensas.

Outro grupo de neurônios no organoide mostrou atividade quando os cientistas tocavam os bigodes dos ratos – evidência de que os neurônios podem responder à estimulação sensorial.

Segundo a equipe, células cerebrais cultivadas a partir de três pacientes humanos com uma doença genética chamada síndrome de Timothy também foram usadas para alguns dos organoides. A síndrome de Timothy afeta o coração e o sistema nervoso, geralmente resultando em morte precoce.

Após os testes comportamentais, os ratos foram eutanasiados, e seus cérebros extraídos e dissecados, permitindo que os pesquisadores observassem a integração dos organoides em um nível celular. Eles descobriram que os neurônios organoides ficaram muito maiores do que qualquer neurônio cultivado in vitro, estendendo-se para o cérebro dos ratos e formando redes com os neurônios nativos dos roedores.

Os neurônios nos ratos com transplantes de organoides com a síndrome de Timothy mostraram formas menos elaboradas, e estabeleceram diferentes conexões sinápticas com o tecido cerebral circundante em comparação com grupos de controle. 

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Embora a plataforma ainda tenha algumas limitações, a equipe acredita que no potencial de se tornar uma poderosa nova ferramenta para entender o desenvolvimento cerebral e doenças neuropsiquiátricas.

“No geral, essa plataforma in vivo representa um recurso poderoso para complementar estudos in vitro de desenvolvimento cerebral humano e doenças”, disseram os autores em do artigo. “Prevemos que essa plataforma nos permitirá descobrir novos fenótipos em nível de circuito em células derivadas do paciente que, de outra forma, foram evasivas, e testar novas estratégias terapêuticas”.

Fonte: The New York Times

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