Após uma campanha de sucesso no Oscar com Ainda Estou Aqui, o Brasil está ganhando os holofotes no mundo dos cinemas mais uma vez. O Agente Secreto, em cartaz atualmente no país, conquistou prêmios importantes em Cannes e chamou atenção internacional logo na primeira exibição.
Além do prestígio no festival francês, o longa já caiu no gosto da crítica especializada. Enquanto a campanha do Oscar começa a tomar forma, o filme desponta como um dos favoritos para disputar categorias como Melhor Ator, Melhor Filme Internacional e, quem sabe, até Melhor Filme — algo extremamente raro para uma produção fora do eixo Estados Unidos–Europa.
Com orçamento de aproximadamente R$ 27 milhões, o filme dirigido por Kleber Mendonça Filho não utilizou a Lei Rouanet para captar recursos. O projeto foi financiado com diversas fontes, incluindo R$ 7,5 milhões do Fundo Setorial Audiovisual (FSA) — um dos principais mecanismos públicos de fomento ao cinema brasileiro.
Mas, afinal, O Agente Secreto vale todo esse investimento? Após assistir ao filme, eu trago aqui a minha opinião na crítica abaixo!
Afinal, de onde vêm os recursos do FSA?
O uso de dinheiro público na cultura, principalmente no cinema, sempre levanta discussões. No entanto, antes de pensar se o valor “compensa”, é importante entender de onde esse dinheiro vem e qual é a função dele dentro das políticas culturais do país.
Para começar: o filme não tirou dinheiro da saúde, da educação, da segurança ou de qualquer área essencial do Estado. Isso precisa ser dito porque é, de longe, a confusão mais comum quando o assunto é financiamento público no audiovisual.
Na verdade, todo o dinheiro utilizado em O Agente Secreto como financiamento público vem do próprio setor cultural. A grana do Fundo Setorial Audiovisual é captada principalmente por meio da Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (CONDECINE) e do Fundo de Fiscalização das Telecomunicações (FISTEL).
O fundo também recebe recursos do Fundo Nacional de Cultura, de rendimentos das aplicações financeiras, da devolução de valores por projetos anteriores que deram retorno, de multas aplicadas pela Ancine e até de parcerias e doações. No papel, a ideia é que o sistema funcione de maneira circular: é o próprio setor audiovisual retroalimentando o setor audiovisual, garantindo que novos projetos possam sair do papel.
O CONDECINE, inclusive, virou pauta recentemente após a aprovação da cobrança do imposto para serviços de streaming, como a Netflix. Com a mudança, as plataformas terão que destinar uma porcentagem de seu faturamento para o investimento em obras nacionais.
Algumas pessoas temem que o novo imposto aumente o preço dos serviços de streaming, afinal, plataformas como a Netflix usam qualquer desculpa para ficar mais caros. No entanto, a alteração também pode ter um lado positivo.
A Netflix gasta, literalmente, bilhões anualmente em produções de qualidade questionável na Coreia do Sul e Espanha. Por que não destinar algumas migalhas ao Brasil, que já é berço de produções de sucesso como Donos do Jogo e Caramelo?
Mas para que serve, exatamente, esse fundo?
Com o dinheiro captado pelo imposto que incide em salas de cinema, canais de televisão e outras frentes culturais, os recursos do FSA são utilizados em diferentes frentes. O objetivo é apoiar não só longas-metragens, mas também empresas, salas de cinema, distribuidoras, pesquisas, formação técnica e inovação, segundo o site oficial.
A escolha de projetos é gerenciada por um comitê com representantes de diferentes ministérios. Eles determinam prioridades, limites, métodos de seleção e acompanham o desempenho das linhas de fomento. A Ancine, por exemplo, faz a parte operacional, analisando os projetos, acompanhando contratos e fiscalizando o uso do dinheiro.
Como visto acima, o dinheiro do FSA vem do setor audiovisual e só pode ser usado dentro do segmento, incluindo filmes brasileiros. Seguindo essa lógica, por si só, o filme O Agente Secreto já pode ser considerado um sucesso dentro do programa.
O Agente Secreto faz sentido dentro dessa lógica?
O fundo existe para fomentar obras que ajudem o audiovisual brasileiro a crescer, seja gerando empregos, aumentando a presença do país no mercado internacional ou fortalecendo nossa identidade cinematográfica. Goste você ou não, o filme O Agente Secreto já faz tudo isso ao mesmo tempo.
Além do impacto artístico, que já vem sendo reconhecido pela crítica no Brasil e no exterior, o longa também movimenta profissionais brasileiros em todos os estágios da produção. O próprio elenco conta com diversos nomes que estão em ascensão ou estrearam no longa, como a jovem Laura Lufési e a simpática Tânia Maria, de 78 anos, que dá vida para Dona Sebastiana.
Além disso, o longa-metragem também colocou o país novamente no mapa dos grandes festivais, conquistando prêmios relevantes e abrindo portas reais rumo ao Oscar. Esse tipo de circulação internacional é um dos objetivos centrais do FSA, porque transforma o cinema brasileiro em produto competitivo — e não apenas em expressão cultural local.
No entanto, mesmo com o apelo internacional, é interessante notar como O Agente Secreto funciona muito bem como um filme sobre o Brasil e que conversa com brasileiros.
O Agente Secreto é um filme bom e diferente
O filme brasileiro Ainda Estou Aqui ganhou o mundo e chegou até o Oscar com uma história emocionante, totalmente calçada em fatos, falando sobre as consequências da ditadura militar no Brasil. O Agente Secreto chegou a um patamar similar de popularidade seguindo outro caminho.
Enquanto o regime militar está presente no filme, toda a ameaça aparece de maneira mais “fantasmagórica”: o protagonista Armando, que se disfarça como Marcelo, está fugindo de matadores de aluguel e se escondendo em Recife.
Com essa premissa, o longa-metragem traz um clima de tensão que vem acompanhado de ação, drama e até fantasia. Com uma fotografia afiada e atuações de ponta lideradas por Wagner Moura, o filme retrata o sombrio período ditatorial de uma forma pessoal e cinematográfica, sem aquele “visual de novela da Globo”.
Com essa abordagem mais lúdica, porém realista, e a produção de ponta, o filme pode ser uma ótima porta de entrada para quem não acompanha o cinema nacional com frequência. O longa-metragem é a prova de que podemos fazer histórias diferentes e interessantes, tanto visualmente quanto na parte narrativa.
Um retrato da aura brasileira e da memória
A narrativa de O Agente Secreto se expande para mostrar a “aura brasileira”, incluindo personagens realistas e pontos que não parecem fazer sentido, mas que representam muito bem o imaginário brasileiro. Um exemplo é a “Perna Cabeluda”, que aparece na história do filme e traz inspirações reais, mostrando como algumas histórias absurdas permanecem na memória dos brasileiros.
Eu nunca morei em Recife e confesso que estou totalmente por fora do imaginário local, mas foi fascinante ir descobrindo e conhecendo as maluquices apresentadas pelo filme. E mesmo com a distância causada pela imensidão do Brasil, ainda consegui achar tudo bastante crível, pois também temos várias lendas similares no sul do Brasil que rasgam o tempo e vivem na memória do povo até hoje.
Falando em memória, a história do filme também funciona muito bem como um retrato do imaginário brasileiro e do mundo. Toda a narrativa do filme gira em torno de identidade e do poder da lembrança, incluindo até o divisivo desfecho, o que garante um alcance amplo para a história.
A história funciona de maneira universal acompanhando uma pessoa que está sendo perseguida após um conflito com um homem poderoso.
Assim como Ainda Estou Aqui, o filme retrata o impacto da ditadura militar na vida dos brasileiros, mas faz isso de forma diferente, mais ampla. Mesmo sem usar o pano de fundo do regime, a história funciona de maneira universal acompanhando uma pessoa que está sendo perseguida após um conflito com um homem poderoso.
Essa abordagem garante não só a tensão de um filme de espionagem para O Agente Secreto, mas uma narrativa capaz de garantir identificação. Afinal, todo mundo já perdeu alguém cedo demais e pensou como a vida seria diferente se essa pessoa estivesse presente além de memórias que se esvaziam com o tempo.
Esse caráter que mistura uma história cheia de emoção com uma construção bem feita pode ser a combinação que levou o longa-metragem a conquistar a atenção de tantos críticos mundo afora. E, além disso, a qualidade do filme também pode ser uma inspiração para que mais pessoas conheçam diferentes obras do cinema brasileiro, que já possui muitas pérolas de qualidade que não ganham tanta atenção do público.
O longa-metragem, no fim das contas, é a prova de que produções brasileiras vão muito além de comédias pastelão, mostrando o potencial do cinema nacional para criar obras que conversam com o nosso povo, mas também possuem qualidade internacional. Se o FSA existe para apoiar produções capazes de levar o audiovisual brasileiro a outro patamar, O Agente Secreto é exatamente o tipo de filme que justifica sua existência.
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