O autismo é considerado uma doença?

A pergunta que muitos se fazem revela uma confusão conceitual importante, ainda que estruturada na ideia de que doença, transtorno psicológico e autismo sejam sinônimos. Mas a resposta tem mais nuances e controvérsias do que parece. Se cientistas fazem descobertas que indicam múltiplas origens para o autismo, também precisamos repensar como o classificamos. Além disso, entender como o autismo se relaciona com características como hiperfoco ajuda a diferenciar mitos de evidências científicas.

Embora formalmente o Transtorno do Espectro Autista (TEA) seja listado em manuais diagnósticos como o DSM-5 e a CID-11, especialistas em neurociência e neurodiversidade argumentam com dados contundentes que o autismo é um transtorno do neurodesenvolvimento, não uma doença no sentido clássico.

O termo “doença” carrega conotação de algo que precisa ser curado, eliminado ou corrigido. O autismo não funciona assim. Pessoas autistas têm características cerebrais distintas que afetam principalmente a comunicação, interação social e comportamento, sem que isso implique degradação ou degeneração neurológica. Essa distinção semântica não é apenas acadêmica, é política, pois sustenta uma visão de inclusão versus medicalização excessiva.

Afinal, o que é o autismo?

Classificação: doença, transtorno ou síndrome?

O uso de fones de ouvido por uma criança em um ambiente fechado é um exemplo de estratégias sensoriais frequentemente adotadas por indivíduos no espectro autista (Imagem: Alireza Atari / Unsplash)

O autismo é oficialmente classificado como Transtorno do Espectro Autista (TEA), não como doença. A diferença importa. De acordo com as classificações internacionais:

  • Doença: alteração biológica que se manifesta por sintomas e causa enfermidade ou moléstia, geralmente com potencial para cura ou remissão.
  • Síndrome: conjunto de sinais e sintomas simultâneos, com causas ainda não completamente definidas.
  • Transtorno: condição de ordem psicológica e/ou mental que gera comprometimento na vida normal de uma pessoa, mas não necessariamente uma patologia a ser eliminada.

O TEA enquadra-se na terceira categoria. Pesquisadores da Universidade de Cambridge publicados na revista Nature reforçam que o autismo não é uma condição homogênea, mas um conjunto de diferentes perfis biológicos e de desenvolvimento. Isso significa que o autismo de uma criança diagnosticada aos 3 anos pode ser neurobiologicamente diferente do autismo de um adulto diagnosticado aos 35 anos.

Como o autismo se desenvolve no cérebro

Ilustração de um cérebro estilizado com o símbolo do infinito colorido, usada para representar o autismo como condição neurológica distinta e não como doença ou transtorno psicológico (Imagem: Black Salmon / Shutterstock.com)

Pessoas autistas têm estruturas e funcionamento cerebral distintos. As pesquisas indicam alterações em áreas relacionadas à comunicação social, processamento sensorial e comportamento. Diferentemente de muitas doenças, o cérebro autista não está “danificado”, mas organizado de forma diferente, com particularidades em como processa informações, particularmente sociais e sensoriais.

Um achado fundamental foram os estudos genéticos envolvendo mais de 45 mil pessoas autistas que revelaram que crianças diagnosticadas cedo (antes dos 6 anos) apresentam perfis genéticos típicos do autismo infantil. Já indivíduos diagnosticados após os 10 anos mostram maior propensão a problemas de saúde mental como depressão, com perfis genéticos que se aproximam mais de TDAH. Essa heterogeneidade sugere que diferentes mecanismos biológicos podem originar apresentações semelhantes de autismo, reforçando a complexidade dessa condição.

Diferenças entre cérebros autistas e não autistas

Conectividade e microestrutura, diferenças típicas entre cérebros autistas e não autistas, ilustração conceitual baseada em literatura científica, sem inferir valor ou desempenho (Imagem: Renata Mendes via IA / Olhar Digital)

O cérebro autista processa informações de forma única. Pessoas com autismo frequentemente apresentam:

  • Hipersensibilidade sensorial: reações intensas a sons, luzes, texturas ou sabores que neurotípicos não perceberiam como desafiadores.
  • Padrões de pensamento concentrado: capacidade de hiperfoco profundo em tópicos de interesse, com absorção completa e perda de noção do tempo.
  • Dificuldades em comunicação social: interpretação literal de linguagem, desafios em contato visual e em compreender expressões faciais ou contexto social implícito.
  • Pensamento visual-espacial forte: muitos autistas pensam em imagens e padrões, em vez de palavras lineares.

Esses não são déficits em sentido absoluto, mas diferenças que exigem adaptação do ambiente neurotípico.

Os níveis (ou graus) de autismo

Os três níveis de autismo refletem diferentes demandas de suporte. Desde necessidades mínimas de assistência em comunicação social até apoio muito substancial em múltiplas áreas da vida, cada nível reconhece a individualidade de cada pessoa autista (Imagem: Renata Mendes via GPT Image / Olhar Digital)

O DSM-5 classifica o autismo em três níveis de suporte, abandonando termos como “síndrome de Asperger” ou “autismo infantil”:

  1. Nível 1 (Leve): necessidade de suporte mínimo. Dificuldade em iniciar interações sociais, inflexibilidade comportamental, mas capacidade de realizar muitas atividades independentemente.
  2. Nível 2 (Moderado): necessidade de suporte substancial. Déficits graves em comunicação verbal e não verbal, dificuldades aparentes mesmo com apoio, limitação em iniciar interações.
  3. Nível 3 (Severo): necessidade de suporte muito substancial. Déficits graves causam prejuízos funcionais significativos, extrema dificuldade em comunicação e mudanças de atividade.

Essa classificação reconhece que autismo não é doença e, como transtorno psicológico, é um espectro de necessidades de apoio.

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Características principais

Observar a criança enquanto ela brinca é um momento de interação e atenção às necessidades de comunicação no autismo (Imagem: New Africa / Shutterstock.com)

Segundo o DSM-5, o diagnóstico de TEA requer déficits persistentes em:

  • Comunicação social: incluindo dificuldade em comunicação não verbal, dificuldade em ajustar comportamento para contextos sociais diferentes, redução de interesse em compartilhar emoções ou experiências com outros.
  • Comportamentos restritos e repetitivos: movimentos estereotipados (abanar as mãos, girar e andar na ponta dos pés), insistência em rotinas ou padrões ritualizados de comportamento verbal ou não verbal, interesses restritos e intensos, reatividade aumentada ou reduzida a estímulos sensoriais.

Sintomas observáveis

Sensibilidade sensorial é comum no autismo. A imagem ilustra um momento de possível sobrecarga auditiva, quando sinais externos se tornam excessivos e a necessidade de proteção sensorial se manifesta (Imagem: Mimzy / Pixabay)

Os sinais podem ser notados já nos primeiros meses de vida, embora o diagnóstico normalmente ocorra entre 2 e 3 anos. Incluem:

  • Atraso na fala ou uso repetitivo e ecolálico da linguagem;
  • Falta de contato visual ou resposta ao próprio nome;
  • Dificuldade em brincar imaginativamente ou de forma cooperativa;
  • Apego excessivo a rotinas, com reações intensas a mudanças;
  • Padrões de movimento repetitivos;
  • Reações extremas a estímulos sensoriais.

Diagnóstico

O diagnóstico de autismo envolve uma avaliação cuidadosa que considera comportamentos, desenvolvimento e necessidades individuais para garantir o apoio adequado (Imagem: H_Ko / Shutterstock.com)

O diagnóstico de TEA é essencialmente clínico. Profissionais especializados (neurologistas, psiquiatras e neuropsicólogos) observam a criança, entrevistam pais e aplicam instrumentos específicos de avaliação padronizados. Não existe biomarcador específico ou teste de sangue que detecte autismo. O relato detalhado das famílias sobre desenvolvimento e comportamento é fundamental para uma avaliação precisa.

A identificação oportuna permite intervenções comportamentais e apoio educacional na idade mais precoce possível, aproveitando a neuroplasticidade cerebral do desenvolvimento infantil.

Autismo não tem cura, mas pode ser gerenciado com sucesso. O acompanhamento multidisciplinar costuma incluir:

  • Terapia comportamental (ABA): análise do comportamento aplicada, focada em desenvolver habilidades sociais e comunicativas.
  • Fonoaudiologia: para apoiar desenvolvimento de linguagem e comunicação.
  • Terapia ocupacional: para lidar com questões sensoriais e desenvolvimento de habilidades de vida diária.
  • Apoio educacional especializado: estratégias e recursos na escola para facilitar aprendizado.
  • Medicação (quando necessária): para gerenciar comorbidades como ansiedade, depressão ou TDAH, não para “curar” o autismo.
Autismo tem cura?

Não. Autismo não é uma doença e sim um transtorno psicológico, portanto, não tem cura. É uma condição do neurodesenvolvimento que acompanha a pessoa ao longo de toda a vida. O objetivo é apoio e desenvolvimento de habilidades adaptativas.

Adultos podem ter autismo?

Sim. Muitos adultos recebem diagnóstico tardio, particularmente mulheres, cujas manifestações podem ser menos óbvias ou mascaradas socialmente. Diagnóstico em adultos segue os mesmos critérios do DSM-5 e pode melhorar significativamente a qualidade de vida e autoaceitação.

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