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O que acontece com a atribuição quando colocamos um computador em um óculos?

by Fesouza
13 minutes read

Estava acompanhando o último lançamento da META e mesmo com todas as falhas pensei em algo aqui que gostaria de compartilhar com vocês.

Enquanto todo mundo estava focado em realidade aumentada e chamadas de vídeo, eu tive um insight completamente diferente: e se pudéssemos treinar um modelo de IA para detectar anúncios no campo visual desses óculos?

Não estou falando só de outdoors. Estou falando de TODOS os anúncios – seja no seu smartphone, laptop, TV, ou numa placa na rua. Os óculos não distinguem entre digital e físico. Eles simplesmente veem o que você vê.

E nem estou falando de algo que é impossível ou que está em uma tecnologia muito muito distante, empresas como a VISUA já entregam algo muito parecido para detecção de marcas.

Aí que a ficha caiu: Será que isso permitiria entender ou rastrear a interação do usuário com anúncios?

  • PS: Esse artigo é um exercício de futurologia. Tudo que estou pensando aqui pode ser uma completa bobagem – mas se não for, pode mudar completamente como fazemos marketing.

O setup: imagine que cada pessoa é um sensor ambulante

Feche os olhos e imagine: você está caminhando pela rua, vê um outdoor da Nike, entra numa loja, compra um tênis. Simples, né? Agora me responda: como provar que o outdoor influenciou sua compra?

Durante décadas, essa pergunta atormentou marketeiros. Hoje, gastamos bilhões em publicidade baseados em suposições, correlações duvidosas e o famoso “achômetro”. Mas e se eu te dissesse que estamos a literalmente alguns anos de resolver esse problema de uma vez por todas?

E se cada pessoa pudesse carregar um dispositivo capaz de registrar exatamente o que ela vê, por quanto tempo olha, em que contexto, e conectar isso diretamente com suas ações posteriores?

  • Bem-vindo ao futuro da atribuição publicitária.*

O estado atual: vivemos na era do “achômetro”

O problema fundamental

Hoje, embora existam soluções como Marketing Mix Modeling (MMM) e testes de incrementalidade que conseguem resolver muitos problemas de atribuição, a maioria das empresas ainda opera no “achômetro”. Por quê?

  • Ferramentas que já funcionam (mas poucos usam direito):*
  • MMM: Modela impacto de diferentes canais estatisticamente
  • Testes de incrementalidade: Medem lift real através de grupos de controle
  • Attribution modeling avançado: Vai além do last-click
  • Por que ainda vivemos no achismo então?*
  • Complexidade: MMM exige expertise estatística que muitas empresas não têm
  • Custo: Implementação robusta custa centenas de milhares
  • Tempo: Resultados levam meses para aparecer
  • Resistência: Plataformas não incentivam (preferem seus próprios relatórios)
  • O cenário atual é assim:*
  • Facebook diz: “Seu anúncio gerou 1.000 conversões”
  • Google afirma: “Na verdade, foram nossos anúncios que converteram”
  • MMM mostra: “Na verdade, foi uma combinação de TV + Facebook + sazonalidade”
  • Realidade: Só 20% das empresas investem em MMM robusto

Pesquisas mostram que mesmo empresas com MMM frequentemente veem discrepâncias de 15-30% entre diferentes metodologias de medição.

É como tentar montar um quebra-cabeça onde cada peça vem de uma caixa diferente. MMM seria como contratar um estatístico para deduzir a imagem final — funciona, mas é caro, lento, e nem todo mundo tem acesso.

Os walled gardens e suas “verdades”

As big techs criaram ecossistemas fechados onde:

  • Meta vê apenas o que acontece no Facebook/Instagram
  • Google só enxerga YouTube/Search/Display
  • TikTok, Snapchat, LinkedIn… cada um com sua versão da “verdade”
  • Resultado:* A maioria das empresas ainda gasta fortunas baseada em relatórios que se contradizem, mesmo existindo ferramentas melhores (que são complexas/caras demais para implementar).

O buraco negro da medição publicitária total

O problema não é só o mundo físico – é que vivemos numa realidade híbrida onde digital e físico se misturam constantemente, mas nossa medição publicitária ainda trata como mundos separados:

  • Mundo físico:*
  • Outdoors: medição baseada em localização de smartphone (imprecisa)
  • TV: pesquisas de audiência com amostras minúsculas
  • Rádio: basicamente chute educado
  • Ponto de venda: zero conexão com exposição prévia
  • Mundo digital:*
  • Cross-device tracking quebrado: impossível conectar phone + tablet + desktop de forma confiável
  • Ad blockers: anúncios “servidos” mas não visualizados
  • Viewability duvidosa: anúncio “100% visível” mesmo quando usuário está em outra aba
  • Multi-screen blindness: pessoa vendo TV + mexendo no celular, mas cada canal medido separadamente
  • A realidade híbrida que ninguém consegue medir:*

Você está no sofá, vê um comercial de Netflix na TV, pega o celular, vê um anúncio da mesma série no Instagram, pesquisa no Google, e assiste no tablet. Qual touchpoint “converteu”? Ninguém sabe.

  • O mercado de publicidade digital movimenta US$ 500+ bilhões anuais* baseado em medições que ignoram completamente essa realidade multi-tela, multi-ambiente.

A convergência: quando três revoluções se encontram

Revolução 1: computer vision atingiu maturidade

Não estamos mais falando de ficção científica.* A tecnologia atual já consegue:

  • 87% de precisão na detecção de objetos em tempo real
  • Reconhecimento de logos com 83,6% de acurácia
  • Processamento de vídeo de 2 horas em uma única passada (Vertex AI)
  • Bibliotecas com dezenas de milhares de marcas catalogadas
  • Exemplo prático:* A empresa VISUA já oferece sistemas comerciais que detectam automaticamente marcas em conteúdo visual, processam em tempo real, e geram relatórios estruturados.

Revolução 2: wearables se tornaram mainstream

O que mudou desde o fracasso do Google Glass:

  • Aceitação social: Ray-Ban Meta vendeu +2 milhões de unidades
  • Tecnologia: Processadores ARM eficientes, baterias de 8h, design discreto
  • Ecossistema: Apps, integrações, casos de uso claros
  • Preço: De US$ 1.500 (Glass) para US$ 299 (Ray-Ban básico)

Revolução 3: IA generativa criou contexto semântico

Não basta mais detectar “uma pessoa olhando para uma tela”. Agora conseguimos:

  • Identificar o tipo de conteúdo (anúncio vs editorial)
  • Categorizar por vertical (moda, tech, food)
  • Medir emoções através de micro-expressões
  • Conectar com intenção através de comportamento subsequente
  • O Meta Llama 3.2 já faz isso nos óculos Ray-Ban.* É questão de expandir as capacidades.

O momento “e se”: cenários que mudam tudo

Cenário 1: o mundo como dashboard

Imagine acordar e ver seus óculos inteligentes te mostrando:

  • “Você foi exposto a 47 anúncios ontem”
  • “Olhou para 12 por mais de 3 segundos”
  • “3 resultaram em pesquisas posteriores”
  • “1 gerou compra”
  • Para consumidores:* Transparência total sobre influência publicitária
  • Para marcas:* Dados precisos de atenção e conversão
  • Para plataformas:* Fim das discussões sobre “quem converteu”

Cenário 2: o fim do CPM, nascimento do CPO?

E se ao invés de pagar por impressões, você pagasse apenas por olhares confirmados?

  • CPM (Cost Per Mille):* Quanto você paga por 1.000 “impressões”
  • CPO (Cost Per Olhar):* Quanto você pagaria por 1.000 “olhares reais”

A diferença seria revolucionária:

  • CPM: “Seu anúncio apareceu na tela”
  • CPO: “Alguém comprovadamente olhou para seu anúncio”
  • Implicação:* E se anúncios fossem pagos apenas quando gerassem atenção real? Imagine o impacto nos preços de mídia.

Cenário 3: medição total da realidade híbrida

Finalmente conectar TODA a jornada do consumidor:

  • Outdoor Busca no GoogleAnúncio no InstagramCompra na loja
  • Comercial na TVNotification no smartphoneConversa sobre produtoCompra online
  • Banner no desktopStory no Instagram mobilePesquisa no tabletVisita à loja física

Mas aqui está o insight revolucionário: os óculos não distinguem “anúncio físico” vs “anúncio digital”. Eles simplesmente detectam qualquer conteúdo publicitário no campo visual do usuário, seja numa tela ou num outdoor.

Isso significa:

  • Cross-device tracking real: Os óculos veem quando você olha para smartphone, tablet, laptop, TV
  • Multi-screen attribution: Medição simultânea de TV + segunda tela
  • Ad blocker irrelevance: Mesmo anúncios bloqueados no código aparecem visualmente
  • Real viewability: Medição de atenção real, não apenas “pixel na tela”
  • Pela primeira vez na história*, teríamos medição unificada de TODA exposição publicitária — digital e física — numa única fonte de verdade.

Cenário 4: o fim da medição digital fragmentada

Aqui está o que ninguém está falando: os óculos resolveriam problemas do mundo digital que nem percebemos como “problemas” ainda.

  • Cross-device tracking real:*
  • Hoje: “87% de confiança” que usuário X no desktop = usuário Y no mobile
  • Amanhã: Certeza absoluta porque os óculos veem você olhando para ambos
  • Multi-screen simultâneo:*
  • Hoje: TV diz “1M de visualizações”, Instagram diz “500K impressões” no mesmo horário
  • Amanhã: Os óculos medem exatamente quantas pessoas estavam vendo ambos
  • Viewability real:*
  • Hoje: Anúncio “100% viewable” mesmo com usuário em outra aba
  • Amanhã: Medição de atenção real por milissegundo
  • Ad fraud elimination:*
  • Hoje: Bots geram trilhões de impressões falsas
  • Amanhã: Impossível fraudar um olhar humano real
  • Resultado:* O mercado de publicidade digital, que hoje vale US$ 500+ bilhões, seria completamente reprecificado baseado em atenção real ao invés de impressões estimadas.

As implicações profundas: o que muda (tudo)

Para marcas: o fim do desperdício

  • Hoje:* “Metade do meu orçamento de marketing é desperdiçada. O problema é que não sei qual metade.” (John Wanamaker, 1838-1922)
  • Amanhã:* Saber exatamente qual anúncio, em que momento, gerou que resultado.
  • Resultado:* Orçamentos de marketing podem se tornar 50-70% mais eficientes.

Para agências: nova categoria de profissional

Surge a necessidade de “Attribution Engineers“:

  • Especialistas em conectar dados cross-platform
  • Modelagem de jornadas complexas em tempo real
  • Otimização baseada em atenção real vs impressões

Para plataformas: fim dos walled gardens?

Se óculos inteligentes podem medir tudo, as plataformas perdem o monopólio da “verdade” sobre suas próprias conversões.

  • Cenário disruptivo:* Uma startup criando “Google Analytics da Vida Real” conectando todas as exposições publicitárias com resultados reais.

Para consumidores: transparência vs privacidade

  • O lado bom:* Você saberá exatamente como está sendo influenciado
  • O lado complexo:* Seus padrões de atenção se tornam dados vendáveis

A realidade técnica: já é possível hoje

Stack tecnológico necessário

  1. Hardware: Óculos com câmera + processador (✅ Existe)
  2. Computer Vision: Detecção de anúncios (✅ Vertex AI)
  3. Database: Catalogação de marcas (✅ Empresas como VISUA)
  4. ML Model: Classificação de conteúdo (✅ APIs disponíveis)
  5. Analytics: Dashboard de atribuição (✅ Ferramentas existem)

Exemplo de implementação prática

  • Passo 1:* Óculos capturam vídeo do campo visual
  • Passo 2:* API do Vertex AI identifica logos/marcas na imagem
  • Passo 3:* Timestamp + localização + duração do olhar são registrados
  • Passo 4:* Correlação com comportamento posterior (compras, buscas, visitas)
  • Passo 5:* Dashboard mostra ROI real de cada ponto de contato
  • Custo para implementar:* Bem menos que uma campanha no Meta Ads

Os obstáculos: por que não aconteceu ontem

Barreira 1: privacidade e regulamentação

  • GDPR (Europa): Exige consentimento explícito para dados visuais
  • BIPA (Illinois): US$ 1.000-5.000 de multa por violação biométrica
  • CCPA (Califórnia): Dados visuais são considerados informação pessoal
  • Realidade:* Em abril de 2025, a Meta eliminou proteções cruciais de privacidade dos óculos Ray-Ban: usuários não podem mais impedir que gravações de voz sejam armazenadas na nuvem, recursos de IA com câmera estão sempre ativados exceto se comandos “Hey Meta” forem completamente desabilitados, e gravações são retidas por até um ano para treinamento de IA.

Barreira 2: adoção em massa

Para significância estatística, precisamos de pelo menos 10% da população usando óculos inteligentes.

  • Cenário atual:* ~2 milhões de óculos Meta vendidos
  • Necessário:* ~30 milhões nos EUA

Barreira 3: aceitação social

O Google Glass falhou porque criou o fenômeno “Glasshole” – pessoas eram banidas de restaurantes e bares.

  • Diferença hoje:* Ray-Ban conseguiu design socialmente aceitável.

Barreira 4: infraestrutura de adtech

Todo o ecossistema programático atual foi construído para CPM, não CPG.

  • Mudança necessária:* Reconstruir DSPs, SSPs, ad exchanges para métricas baseadas em atenção (CPO ao invés de CPM).

As questões filosóficas: o que isso significa?

Pergunta 1: queremos um mundo completamente rastreável?

  • Benefício:* Propaganda relevante, menos desperdício, transparência
  • Custo:* Fim do anonimato, novos níveis de vigilância

Pergunta 2: quem controla os dados?

  • Modelo Meta: Empresa controla tudo
  • Modelo Apple: Dados ficam no dispositivo
  • Modelo Aberto: Usuário escolhe o que compartilhar

Pergunta 3: o marketing fica melhor ou mais invasivo?

  • Cenário otimista:* Anúncios super relevantes, menos spam
  • Cenário pessimista:* Manipulação baseada em dados íntimos de atenção

Conclusão: a pergunta não é “se”, mas “como”

A tecnologia para medir cada olhar, cada momento de atenção, cada ponto de contato na jornada do consumidor já existe. Os óculos inteligentes são apenas o veículo.

  • A verdadeira revolução não é colocar um computador em um óculos.*
  • É transformar cada pessoa em um sensor de marketing.*

As perguntas que ninguém está fazendo

  • E se cada segundo do seu olhar pudesse ser monetizado?* Quanto vale um olhar de 3 segundos para um outdoor da Nike? E um olhar de 0,5 segundo para um anúncio no Instagram?
  • E se suas pupilas se tornassem o novo cookies?* Quando terceiros conseguirem comprar dados de onde você olha, o que muda na sua relação com o espaço público?
  • E se a privacidade visual deixasse de existir?* Hoje você pode fechar os olhos ou olhar para outro lado. Amanhã, isso também será registrado como “comportamento de evitação publicitária”.
  • E se descobrissem que 90% dos anúncios digitais nunca foram realmente vistos?* O que acontece com um mercado de US$ 500 bilhões construído sobre uma mentira?
  • E se o seu padrão de atenção revelasse mais sobre você do que seu histórico de navegação?* Os algoritmos podem descobrir suas inseguranças apenas pela forma como você evita olhar certas coisas?

A pergunta final que deveria te deixar acordado à noite

Em 10 anos, quando cada superfície for rastreável e cada olhar for medível, vamos nos perguntar:

  • Como conseguimos viver décadas achando que sabíamos onde as pessoas estavam prestando atenção, quando na verdade não fazíamos a menor ideia?*

E mais importante: Quando a medição perfeita chegar, ainda vamos querer saber a resposta?

  • O futuro da atribuição não está chegando. Ele já está aqui.*
  • A única questão é: você vai colocar os óculos ou vai ser medido pelos óculos dos outros?*

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