O evento de Carrington, de 1859, foi a tempestade solar mais forte já registrada. Na época, a tecnologia ainda era escassa e, mesmo assim, o fenômeno causou incêndios nas linhas de transmissão e provocou auroras em locais improváveis, como Cuba.
Hoje, a tecnologia avançou. Temos satélites orbitando a Terra, nos fornecendo linhas de comunicação, internet e sinais GPS. Então, o que aconteceria se uma supertempestade solar atingisse nosso planeta?
A Agência Espacial Europeia (ESA) resolveu descobrir.
Teste simulou uma supertempestade solar atingindo a Terra
Antes de cada lançamento, a ESA realiza simulações detalhadas para se preparar para qualquer possível anomalia. O satélite de observação Sentinel-1D será lançado em 4 de novembro e, desde setembro, equipes do Centro Europeu de Operações Espaciais (ESOC) da agência europeia estão conduzindo testes em Darmstadt, na Alemanha.
Um dos experimentos envolveu submeter o satélite à maior tempestade solar já vista. A simulação foi inspirada no evento de Carrington, mas considerando toda a tecnologia que temos disponível atualmente. O objetivo é testar a capacidade das equipes de responder a um cenário como esse, considerando uma interrupção das comunicações.
A simulação não foi à toa. O Sol passa por ciclos a cada 11 anos. No ciclo atual, as tempestades solares fortes têm sido mais comuns, segundo observações da NASA. Inclusive, elas também causaram auroras em locais incomuns, como no norte dos Estados Unidos, Alemanha e França.
Esses eventos são resultantes de erupções solares ou ejeções de massa coronal no Sol. As erupções liberam uma grande quantidade de radiação e partículas carregadas em direção ao espaço. Quando essas partículas atingem a magnetosfera da Terra, podem interagir com o campo magnético do planeta, desencadeando uma série de efeitos. Entre eles, a interrupção na comunicação com satélites, falhas nas redes elétricas e na conexão (como internet), e interrupção de sinais GPS.
Considerando que dependemos fortemente dessas tecnologias, os resultados de uma supertempestade solar poderiam ser catastróficos para nós.
O Olhar Digital deu detalhes sobre como funcionam as tempestades solares neste link.
Simulação considerou um evento poderoso
- Na simulação, o satélite foi lançado com sucesso. A fase de separação aconteceu como planejada e o controle da missão aguarda a chegada do sinal;
- Minutos depois, eles recebem uma transmissão cheia de ruídos e percebem que algo está errado;
- O satélite que acabou de ser lançado – e todos os outros em órbita – foram atingidos por uma erupção solar de classe X45, o tipo mais poderoso na escala de medição;
- A onda magnética que atingiu as máquinas viaja à velocidade da luz e atingiu a Terra em apenas oito minutos após a erupção.
De acordo com a simulação, a erupção solar tem intensa radiação de raios-x e ultravioleta, capazes de interromper sistemas de radar, comunicações e dados de rastreamento. Outros satélites também estão inativos e perderam a capacidade de rastrear o que está acontecendo.
E continua. No teste, momentos depois, a Terra é atingida por uma segunda onda. Desta vez, ela vem com partículas de alta energia, que levaram entre 10 a 20 minutos para chegar por aqui. Elas estão começando a perturbar os componentes eletrônicos de bordo do satélite, podendo causar danos permanentes.
15 horas depois da erupção solar, veio a terceira fase, que a ESA descreveu como a “mais destrutiva”. Uma enorme ejeção de massa coronal (nuvens de plasma quente com partículas carregadas) viajaram a até 2 mil km/s e atingiram a Terra, desencadeando uma tempestade geomagnética catastrófica.
Os resultados disso, por aqui, foram auroras vistas em locais incomuns, como na Itália, destruição das redes elétricas e surtos na corrente elétrica que poderiam danificar estruturas metálicas. No espaço, os efeitos da supertempestade solar incluíram o aumento no arrasto dos satélites, empurrando-os para fora da rota da missão, e possíveis colisões uns com os outros ou com detritos espaciais.
De acordo com Jorge Amaya, Coordenador de Modelagem do Clima Espacial da ESA, uma tempestade nesse nível poderia aumentar o arrasto dos satélites em 400%, o que, além de aumentar o risco de colisão, diminui a vida útil das máquinas, devido ao combustível necessário para compensar essa deterioração.
Já segundo Jan Siminski, do Escritório de Detritos Espaciais da ESA, um evento dessa magnitude “degradaria severamente a qualidade dos dados de conjunção, tornando as previsões de colisão cada vez mais difíceis de interpretar, já que as probabilidades mudam rapidamente”.
Amaya completou:
O imenso fluxo de energia ejetado pelo Sol pode causar danos a todos os nossos satélites em órbita. Satélites em órbita baixa da Terra são normalmente mais bem protegidos por nossa atmosfera e nosso campo magnético contra perigos espaciais, mas uma explosão da magnitude do evento Carrington não deixaria nenhuma nave espacial segura.
Jorge Amaya, Coordenador de Modelagem do Clima Espacial da ESA
Como se proteger de uma supertempestade solar como essa?
Segundo Gustavo Baldo Carvalho, Diretor de Simulação do Sentinel-1D, a explosão pegou os membros da equipe de surpresa. Mesmo assim, eles sabiam que, a partir do momento que a erupção solar começou, eles tinham pouco tempo para agir. Entre 10 a 18 horas, a ejeção de massa coronal aconteceria e eles precisavam estar preparados.
O treinamento foi justamente uma preparação para esses eventos na vida real, já que a expectativa é que eles se tornem mais comuns. Inclusive, de acordo com Carvalho, não é uma questão de “se” uma tempestade solar como esse acontecerá, mas “quando”.
Por se tratar de um ambiente controlado, a simulação trouxe dados importantes para nortear planos de reação em um caso real.
Simular o impacto de tal evento é semelhante a prever os efeitos de uma pandemia: sentiremos seu impacto real em nossa sociedade somente após o evento, mas precisamos estar preparados e ter planos para reagir imediatamente. Este exercício foi a primeira oportunidade de abordar um evento tão importante e incluir a reação do Escritório de Meteorologia Espacial da ESA nas operações estabelecidas da ESA.
Jorge Amaya, Coordenador de Modelagem do Clima Espacial da ESA
E no futuro?
Em comunicado, a ESA afirmou que, além de testar a resiliência do clima espacial, a simulação destaca a necessidade urgente de melhorar a capacidade de prever eventos climáticos no espaço.
Pensando nisso, o programa de Segurança Espacial da ESA está desenvolvendo o Sistema Distribuído de Sensores de Clima Espacial (D3S), uma série de satélites meteorológicos para monitorar diferentes parâmetros do clima espacial ao redor da Terra e fornecer dados para proteger nosso planeta.
Leia mais:
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Mais para frente, a missão Vigil, também da ESA, será pioneira em observar a “lateral” do Sol e revelar mais informações sobre a atividade solar, incluindo detecção de eventos potencialmente perigosos. O lançamento está previsto para 2031.
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