A física de partículas, com toda a sua complexidade invisível, é uma das tentativas mais ousadas da ciência de explicar como o Universo funciona em sua essência. No fundo das coisas, quando descemos ao nível das menores partículas conhecidas, encontramos uma simetria surpreendente que governa a natureza — e talvez uma ainda mais profunda, que está por ser descoberta.
Essa última seria a supersimetria, uma ideia elegante, ainda teórica, que poderia resolver alguns dos maiores mistérios da física moderna.
No início do século XX, a ideia de que o átomo era um constituinte indivisível da matéria caiu por terra: descobriu-se que ele possui um núcleo composto por prótons e nêutrons, cercado por elétrons e, com o avanço dos aceleradores de partículas, físicos revelaram que prótons e nêutrons também são compostos de partículas ainda menores: os quarks.
Esse progresso culminou na formulação do Modelo Padrão da física de partículas, uma teoria que descreve as partículas fundamentais — como quarks, léptons (como o elétron), bósons (como o fóton, o bóson W e Z, o glúon e o bóson de Higgs) — e as forças fundamentais (exceto a gravidade).
O Modelo Padrão possui um sucesso oriundo de uma confiabilidade notável na descrição da natureza da matéria. Contudo, embora tenha feito inúmeras previsões confirmadas em experimentos com altíssima precisão, ainda possui lacunas e problemas em aberto.
Uma dessas questões fundamentais é: por que a massa das partículas é o que é? O que compõe a matéria escura, que representa cerca de 85% da massa do Universo? Como unificar a gravidade com as demais forças? É nesse cenário que surge a supersimetria, ou SUSY, sigla para o termo em inglês supersymmetry.
A supersimetria propõe uma simetria profunda entre dois tipos fundamentais de partículas: férmions e bósons. Os férmions (como os quarks e elétrons) são partículas que obedecem ao princípio de exclusão de Pauli — elas constituem a matéria. Já os bósons (como o fóton ou o bóson de Higgs) são mediadores das forças fundamentais.
A SUSY propõe que para cada férmion do Modelo Padrão exista um parceiro supersimétrico bóson, e para cada bóson, um parceiro férmion. Esses pares são chamados de superparceiros. Por exemplo:
- o elétron teria um parceiro chamado selectron;
- o quark, um esquark;
- o fóton, um fotino;
- o glúon, um gluino.
E assim por diante.
Esses superparceiros ainda não foram detectados, mas os físicos acreditam que, se a SUSY for uma simetria real da natureza, ela deve estar “quebrada”, o que significa que essas partículas teriam massas muito maiores que suas contrapartes conhecidas — e, portanto, seriam difíceis de detectar com os aceleradores de partículas atuais.
A supersimetria não é apenas uma ideia estética. Ela resolve problemas concretos da física. Um dos mais importantes é o chamado problema da hierarquia.
Segundo o Modelo Padrão, o bóson de Higgs interage com todas as partículas massivas. Essas interações deveriam afetar drasticamente sua massa, tornando-a absurdamente alta — a menos que ocorra um cancelamento delicado de efeitos quânticos.
A supersimetria permitiria que os superparceiros produzissem contribuições opostas às das partículas comuns, anulando os efeitos divergentes e estabilizando a massa do Higgs. Isso preserva a naturalidade da teoria.
Outro motivo importante: matéria escura. Diversas evidências astronômicas e cosmológicas indicam que existe uma forma invisível de matéria permeando o cosmos. O Modelo Padrão não prevê nenhuma partícula que possa explicar isso. A SUSY, por outro lado, prevê a existência de partículas estáveis, neutras e massivas, como o neutralino, que é um candidato natural a matéria escura.
Além disso, a supersimetria permite uma unificação das forças fundamentais em altas energias. Enquanto as forças eletromagnética, fraca e forte têm intensidades diferentes em baixas energias, a SUSY indica que elas podem convergir para um mesmo valor quando extrapoladas as energias extremamente altas — algo desejado em teorias de grande unificação.
Apesar de todas essas vantagens teóricas, a supersimetria ainda não foi confirmada. O Grande Colisor de Hádrons (LHC), o maior acelerador de partículas do mundo, tem procurado sinais de superparceiros desde sua inauguração em 2008. Até agora, nenhuma evidência direta foi encontrada. Isso levou muitos físicos a repensar os parâmetros da SUSY ou considerar versões alternativas da teoria.
Uma das alternativas é a supersimetria minimal, chamada MSSM (Minimal Supersymmetric Standard Model), que adiciona o menor número de novas partículas possível ao Modelo Padrão. Outras propostas, como a Next-to-Minimal Supersymmetric Standard Model (NMSSM), introduzem novos campos para corrigir dificuldades teóricas.
Mesmo sem confirmação experimental, a SUSY continua sendo uma das ideias mais estudadas da física teórica. Isso porque seu arcabouço matemático se encaixa perfeitamente em outras áreas, como as teorias de supercordas, que tentam unificar todas as interações fundamentais, incluindo a gravidade.
Se a supersimetria estiver correta, estaremos diante de uma revolução científica comparável à descoberta da mecânica quântica ou da relatividade. A busca pelos superparceiros continua, e novos colisionadores, mais potentes que o LHC, estão sendo projetados para sondar energias ainda mais altas.
A física, afinal, é uma ciência de fronteiras — e a SUSY está exatamente onde termina nosso conhecimento e começa a próxima etapa da exploração teórica e experimental do Universo.