Muitas vezes, o uso do termo “hiperfoco” não é acompanhado pela sua definição, partindo do princípio de que quem o escuta ou lê sabe exatamente o que significa. Foi assim que a palavra se tornou um meme nas redes sociais, utilizada como sinônimo de um pico de interesse. Entretanto, embora não haja um consenso único sobre o que constitui o hiperfoco, ele ainda é um termo clínico utilizado em relação a transtornos psiquiátricos.
Em linhas gerais, o hiperfoco é um fenômeno que reflete a absorção completa de uma pessoa em uma tarefa, a ponto de ela parecer ignorar ou “desligar-se” completamente de todo o resto. O termo é mais frequentemente mencionado no contexto do autismo e do TDAH – condições que têm consequências nas habilidades de atenção.
O que é o hiperfoco e como isso se tornou meme nas redes sociais?
As redes sociais estão repletas de tendências, que trazem consigo muitos termos e gírias novos. Embora o TikTok, o Instagram e o X (antigo Twitter) sirvam como plataforma para compartilhar experiências, o uso excessivo de termos clínicos nessas redes tem patologizado comportamentos comuns.

Muitas vezes, o resultado disso são vivências reais reduzidas a conteúdo cômico. Usar termos diagnósticos como metáforas inadequadas para comportamentos “estranhos”, ou meros traços de personalidade, acaba minimizando condições sérias – e as pessoas que as têm. Por esse motivo, é importante se familiarizar com o significado de uma palavra antes de adicioná-la ao seu vocabulário.
Em suma, o hiperfoco é um fenômeno que reflete a absorção completa de uma pessoa em determinada tarefa, acompanhada por uma diminuição da consciência de si mesma, do tempo e do ambiente ao seu redor. Alguns estudos também o definem como um fenômeno clínico de “fixação”, expressando uma dificuldade em mudar a atenção de um assunto para outro, semelhante a um “estado hipnótico”.
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Pessoas neurotípicas também têm hiperfoco?
Ainda que a maioria das pessoas neurotípicas possam relatar ter vivido um estado semelhante ao hiperfoco em algum momento de suas vidas, ele é mais frequentemente mencionado no contexto do autismo, esquizofrenia e transtorno do déficit de atenção e hiperatividade.
Quando nesse estado, esses indivíduos negligenciam outras coisas além da condição na qual já estão focados, ficando “presos” nesta atividade.

Em outras palavras, pessoas que experimentam hiperfoco se veem cronicamente incapazes de mobilizar esforços para tarefas que não estão relacionadas à hiperfixação. Isso ocorre mesmo quando estas pessoas estão plenamente conscientes de que sua falha em realizar outras tarefas pode causar problemas significativos posteriormente.
Embora sejam necessários estudos mais específicos sobre o assunto, acredita-se que o hiperfoco resulte de níveis baixos de dopamina, um neurotransmissor nos lobos frontais do cérebro. Essa deficiência de dopamina dificulta a “mudança de marcha” para realizar demais tarefas, mesmo que necessárias, pois ela afeta a função executiva.
Como o hiperfoco afeta as pessoas no dia a dia?
Um exemplo de hiperfoco é quando uma criança fica tão absorta em um livro ou videogame que não ouve os responsáveis chamando seu nome. Em adultos, a dificuldade de trocar de tarefa interfere em tarefas domésticas ou no trabalho, acarretando perdas de reuniões, compromissos e consultas.
Além disso, enquanto em estado de hiperfoco, indivíduos muitas vezes também se esquecem de comer ou usar o banheiro – sem perceber quando ou se estão com fome, sede ou “apertados”.

Na literatura sobre TDAH e TEA, o hiperfoco é frequentemente descrito de forma negativa. Embora não seja inerentemente prejudicial, se não for controlado, pode levar a problemas na escola, perda de noção do tempo, perda de produtividade no trabalho, e pode até desembocar no distanciamento de amigos e família.
Não é a primeira vez que isso acontece
Outros termos clínicos, também relacionados à saúde mental, têm sido usados indevidamente nas redes sociais. O TikTok tem uma infinidade de conteúdos chamando pessoas egoístas de narcisistas – não fazendo relação à figura da mitologia grega, mas de forma patológica.
O narcisismo, transtorno de personalidade que afeta de 0,5 a 1% da população, parece ser o sucessor do “TOC”. Essa sigla do Transtorno Obsessivo-Compulsivo é outro termo clínico, frequentemente usado indevidamente para se dizer que gosta de quadros alinhados e um quarto limpo.

Mais recentemente, o meme “não verbal” surgiu no TikTok e no X. Criadores e usuários utilizam “ficar não verbal” de forma humorística para descrever situações comuns, como uma bateria social descarregada.
Isso banaliza a experiência de indivíduos que realmente não falam ou falam muito pouco, particularmente aqueles com autismo. Mais uma vez, ao cooptar o termo e interpretar mal seu significado, cria-se um equívoco que estigmatiza a experiência real.
O mesmo se aplica ao meme dos “pensamentos intrusivos”, usado para descrever um impulso aleatório ou uma vontade passageira, como gritar em público ou pintar o cabelo. Ele se tornou popular devido à experiência comum de ter impulsos bizarros ou fora do padrão – mas deturpa o significado clínico dos pensamentos intrusivos.
Na verdade, os pensamentos intrusivos são ideias indesejadas e muitas vezes repetitivas que entram em conflito direto com os valores fundamentais de uma pessoa. Esses pensamentos não são colocados em prática, mas podem causar ansiedade, vergonha e paralisia. Para muitas pessoas que vivem com TOC, agir de acordo com um pensamento intrusivo é o pior pesadelo.
O que você diz importa
Influenciadores ou criadores de conteúdo, e mesmo os usuários, precisam estar cientes das consequências de usar essa terminologia de forma frívola, especialmente quando há uma falta de compreensão do que significam.
Para não banalizar conversas sobre saúde mental, é importante estar atento ao tipo de conteúdo que criamos e consumimos, tomando decisões informadas e críticas antes de pular de cabeça nas tendências.
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