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Objeto misterioso pode mudar o que sabemos sobre matéria escura e o Universo

by Fesouza
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Astrônomos identificaram o menor objeto escuro já detectado nas profundezas do Universo. Com cerca de um milhão de vezes a massa do Sol, a estrutura foi revelada pela curvatura que causou na luz de uma galáxia a bilhões de anos-luz da Terra.

O achado, feito por meio de uma rede global de radiotelescópios que funciona como um “telescópio do tamanho da Terra”, marca um avanço inédito na observação de estruturas cósmicas. E ajuda a testar os limites das teorias sobre a matéria escura, componente misterioso que ocupa grande parte do Universo.

Objeto misterioso estava em ponto cego do Universo

A detecção desse objeto é um marco na astronomia moderna. Ele foi identificado pela leve distorção que provocou na luz de uma galáxia distante, dentro do sistema JVAS B1938+666, que atua como uma lente natural no espaço. 

Essa “dobra” sutil na luz revelou a presença de uma massa escura sem precedentes. Ela era pequena demais para ser vista, mas grande o bastante para deformar o caminho dos fótons.

A descoberta mostra até onde a gravidade pode servir como instrumento de observação. Também reforça o poder das lentes cósmicas para investigar o que existe além do alcance direto dos telescópios.

O achado histórico: o menor objeto escuro já visto

O objeto recém-detectado é o mais leve já observado pelo efeito de sua gravidade. Ele não emite luz nem qualquer outro tipo de radiação.

Sua presença foi revelada por uma pequena “falha” no arco de luz de uma galáxia distante. É um exemplo de lente gravitacional, fenômeno previsto por Einstein no qual corpos massivos distorcem o caminho da luz.

aglomerado de galáxias em formato de ponto de interrogação
O aglomerado de galáxias MACS-J0417.5-1154 distorce o espaço-tempo, fazendo galáxias distantes aparecerem várias vezes devido à lente gravitacional (Imagem: NASA, ESA, CSA, STScI, Vicente Estrada-Carpenter – Saint Mary’s University)

A análise dos dados mostrou que essa estrutura invisível causava uma distorção sutil demais para ser explicada apenas pela galáxia principal. 

Ao incluí-la no modelo, os astrônomos conseguiram reproduzir com precisão o formato observado. O resultado teve um nível de confiança raríssimo em observações científicas.

Publicado simultaneamente nas revistas Nature Astronomy e Monthly Notices of the Royal Astronomical Society na quinta-feira (09), o estudo representa um salto técnico e conceitual. 

É a primeira vez que uma massa tão pequena – mil vezes menor que uma galáxia típica – é identificada a uma distância cosmológica. Até agora, estruturas assim só haviam sido inferidas perto da Via Láctea.

O ‘telescópio do tamanho da Terra’

Para alcançar esse nível de precisão, os cientistas recorreram à Interferometria de Linha de Base Muito Longa (VLBI), técnica que combina dados de radiotelescópios espalhados pelo globo – por exemplo: o Green Bank Telescope (EUA), o VLBA e a rede europeia EVN

Juntos, eles formam um sistema que simula um telescópio do tamanho da Terra, com resolução suficiente para distinguir detalhes de milésimos de segundo de arco. É o equivalente a enxergar uma moeda em outro continente.

Ilustração de rede de radiotelescópios gigantes espalhados pelo planeta Terra
Cientistas recorreram à técnica que combina dados de radiotelescópios espalhados pelo mundo (Imagem: Pedro Spadoni via ChatGPT/Olhar Digital)

Essa superprecisão permitiu detectar o pequeno desvio na luz causado pelo objeto em questão. A equipe aplicou técnicas que analisam diretamente os dados captados pelos telescópios, não apenas as imagens reconstruídas. 

Assim, foi possível encontrar perturbações minúsculas na distribuição de massa e confirmar a existência da estrutura invisível.

O trabalho demonstra o potencial da VLBI para sondar o Universo em escalas até então inacessíveis. Hoje, é o único método capaz de identificar objetos de baixa massa a distâncias tão grandes. 

Essa combinação de sensibilidade e precisão abre caminho para uma nova era da astronomia: a que usa a gravidade como lente para estudar o invisível.

Sistema JVAS B1938+666: um espelho cósmico

O sistema JVAS B1938+666 é formado por uma galáxia elíptica massiva que distorce a luz de um objeto mais distante. Essa curvatura cria um arco gravitacional finíssimo, que funciona como um espelho natural no espaço. Por meio dele, os astrônomos conseguem observar regiões do universo que, de outra forma, seriam impossíveis de enxergar.

A galáxia de fundo é um Objeto Simétrico Compacto (CSO) – uma galáxia ativa jovem que emite jatos de partículas de alta energia. Esses jatos formam pequenos lóbulos de rádio, separados por cerca de 642 parsecs (pouco mais de dois mil anos-luz). 

O ambiente ao redor é denso. E o gás e a poeira freiam a expansão dos jatos, o que cria condições ideais para pequenas variações gravitacionais, como as provocadas pelo objeto escuro, se tornarem detectáveis.

Curiosamente, o mesmo sistema já havia revelado, em 2012, outro objeto escuro, cerca de cem vezes mais massivo que o atual. Isso reforça a ideia de que o JVAS B1938+666 pode ser um laboratório natural para estudar a matéria escura e entender como pequenas estruturas se distribuem dentro de galáxias distantes.

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O enigma da matéria escura

A descoberta também reforça o modelo da Matéria Escura Fria (ΛCDM), segundo o qual o Universo é composto em grande parte por partículas invisíveis que se agrupam em halos de diferentes tamanhos. 

Ilustração de matéria escura
Representação artística da matéria escura, que, junto com a energia escura, compõe quase 90% do Universo (Imagem: KIPC/SLAC?AMNH)

Esses “aglomerados escuros” seriam essenciais para a formação das galáxias. Encontrar um objeto tão pequeno e distante confirma que as lentes cósmicas podem revelar justamente esses blocos fundamentais da estrutura do cosmos.

No entanto, o novo objeto trouxe um desafio. Ele é mais denso do que o previsto pelas simulações. A concentração de massa medida supera em várias vezes o esperado para um aglomerado comum de matéria escura fria. 

Isso abre espaço para hipóteses alternativas, como a matéria escura auto-interagente, na qual as partículas colidem ou se agrupam de formas diferentes das previstas pelo modelo tradicional.

O próximo passo é encontrar outros exemplos. Cada nova detecção ajudará a comparar densidades e frequências dessas estruturas. E a testar se o Universo realmente se comporta como os modelos indicam. Ou se há algo mais escondido sob o véu gravitacional.

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