Um dos fósseis de hominíneos mais completos já encontrados pode não pertencer a nenhuma espécie conhecida, segundo um novo estudo publicado no American Journal of Biological Anthropology. O esqueleto StW 573, apelidado de Little Foot, ou Pé Pequeno, foi descoberto na África do Sul e, há décadas, desafia pesquisadores interessados em entender os primeiros capítulos da evolução humana.
Agora, uma nova análise sugere que o Pé Pequeno não se encaixa nem em Australopithecus africanus nem em Australopithecus prometheus, espécies associadas ao mesmo período e à mesma região. Para os autores do estudo, o conjunto de evidências aponta para um parente humano até então não identificado, o que adiciona mais complexidade ao já fragmentado quebra-cabeça da ancestralidade humana.
O que é um hominíneo?
Hominíneos são os membros do grupo que reúne os humanos modernos (Homo sapiens) e seus ancestrais diretos extintos, como espécies do gênero Australopithecus, caracterizados principalmente pela locomoção bípede e por mudanças progressivas no crânio e na dentição.
Enquanto isso, hominídeos formam um grupo mais amplo, que inclui, além dos hominíneos, os grandes primatas atuais, como chimpanzés, gorilas e orangotangos, bem como seus ancestrais comuns.
Um fóssil raro e excepcionalmente preservado
- O fóssil Pé Pequeno foi encontrado em 1998, nas cavernas de Sterkfontein, na África do Sul, e se tornou um dos esqueletos de hominíneos mais completos já recuperados.
- A remoção do material, incrustado em rocha sólida, levou anos.
- Em 2019, o paleoantropólogo Ronald Clarke analisou o fóssil e afirmou que ele pertenceria a Australopithecus prometheus, uma espécie proposta originalmente em 1948 a partir de achados em Makapansgat. Essa classificação, no entanto, sempre foi controversa.
- Hoje, a maior parte da comunidade científica considera A. prometheus e A. africanus praticamente indistinguíveis, defendendo que se tratariam de uma única espécie, possivelmente capaz de cruzamento entre si.
Nova análise do crânio muda o cenário
A reavaliação liderada por Jesse Martin, da Universidade La Trobe, começou quando ele e seus estudantes decidiram examinar uma parte específica do crânio do Pé Pequeno. Esse trecho corresponde exatamente à região usada na descrição original de A. prometheus, feita em 1948.
Segundo Martin, foram identificadas três diferenças marcantes apenas nessa área posterior do crânio. A forma do crânio aproxima o Pé Pequeno de hominíneos muito mais antigos do que aqueles tradicionalmente classificados como A. africanus ou A. prometheus. Ao mesmo tempo, outras características do esqueleto indicam que ele não pode ser apenas um sobrevivente tardio de uma espécie mais primitiva.
Uma espécie diferente, mas ainda sem nome
Para os pesquisadores, a combinação de traços antigos e mais recentes aponta para algo novo. “Achamos que é demonstrável que não se trata de A. prometheus nem de A. africanus”, afirmou Martin em entrevista ao site IFLScience. “É mais provável que seja um parente humano previamente não identificado.”
Apesar disso, a equipe optou por não nomear formalmente a nova espécie neste momento. O motivo é a necessidade de analisar o fóssil por completo e de revisar outros espécimes atualmente classificados como A. africanus, que podem se alinhar melhor às características do Pé Pequeno.
Diferenças anatômicas relevantes
Entre os principais pontos que diferenciam Pé Pequeno de A. africanus estão a forma como as suturas do crânio se unem, a presença de uma crista sagital semelhante à observada em machos de espécies muito maiores, como gorilas, e uma protuberância occipital externa bastante pronunciada.
Esses elementos reforçam a ideia de que havia mais de uma espécie de hominíneo convivendo na região sul da África há mais de 2 milhões de anos, algo que hoje já é amplamente aceito, mas que nem sempre foi consenso na paleoantropologia.
Idade incerta e múltiplas linhagens
Outro ponto ainda em debate é a idade do Pé Pequeno. Um método de datação indica cerca de 2,6 milhões de anos, enquanto outro sugere mais de 3 milhões de anos. Estudos científicos já foram publicados defendendo cada uma dessas estimativas, sem que haja um acordo definitivo.
Martin destaca que sabemos que pelo menos duas espécies de hominíneos viveram na região nesse período, mas ainda não está claro onde Pé Pequeno se encaixa na árvore evolutiva, nem se alguma linhagem posterior descende dele. A situação se torna ainda mais complexa com a proximidade de achados como o Homo naledi, encontrado a poucos quilômetros de distância e conhecido por misturar características antigas e modernas.
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Um quebra-cabeça em constante expansão
Para Martin, cada nova escavação reforça como a diversidade humana no passado foi maior do que se imaginava. Ele lembra que, até a década de 1970, era comum a ideia de que só poderia existir uma única espécie de hominíneo por vez. Hoje, há evidências claras de diferentes gêneros coexistindo.
O pesquisador também observa que o fato de o Homo sapiens ser o único representante vivo de seu gênero é uma exceção na história da vida. Segundo ele, a própria trajetória evolutiva sugere que a convivência entre múltiplas espécies aparentadas era a regra, e não a exceção, ao longo da evolução humana.
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