Adquirida em junho de 2019 pela Microsoft, a Double Fine Productions é uma das empresas de games mais “experimentais” do mercado de games. O estúdio conta com clássicos como Full Throttle e Grim Fandango em seu catálogo, além do psicodélico Psychonauts 2.
E a nova investida do estúdio é um projeto tão peculiar quanto muitos outros: Keeper, o jogo em que você controla um farol acompanhado por uma ave, em um mundo completamente maluco e diferente do nosso. O jogo foi anunciado durante o Xbox Game Showcase de junho de 2025 e, desde então, ganhou pouquíssima promoção da Microsoft — apenas um trailer e um podcast com desenvolvedores.
Em meio às crises que a empresa passa no Brasil e no mundo, e com o lançamento de grandes outros jogos em outubro, Keeper pode voar abaixo do radar de muitos gamers. Mas, afinal, o título merece holofotes? Após testar o game antecipadamente aqui no Voxel, já adianto que a resposta é sim, mas você pode saber tudo em detalhes na review completa a seguir.
Uma história sem palavras
Enquanto a Double Fine é conhecida por jogos de história bem elaboradas, Keeper leva o estúdio para outro caminho. O jogo conversa com os memes das tirinhas da cartunista Laerte Coutinho: não é entender, mas de sentir.
Toda a narrativa do game é contada sem palavras, e tudo ocorre de maneira fora da caixa. O jogador acompanha um farol que ganha vida e, ao lado de um pássaro chamado Ramo, precisa explorar uma ilha e chegar ao topo de uma montanha, que está
“Numa ilha situada em um mar perdido no tempo, um farol esquecido permanece adormecido à sombra de uma montanha distante. Os ramos ressecados se espalham e se entrelaçam. Então, ele desperta”, diz a descrição oficial do game.
“Tomado por uma misteriosa determinação, e na companhia de uma mística ave marinha, ele embarca em uma história comovente de uma amizade improvável, uma odisseia de transformações intrigantes e uma jornada inesperada rumo ao centro da ilha, para mundos além da compreensão”, diz a sinopse oficial.
Enquanto o começo do jogo é meio lento, já que o farol nem sabe andar, a progressão da narrativa e do gameplay é sublime. Eu me surpreendi bastante ao ver que o game vai muito além de você controlar um farol desengonçado, com uma bela evolução na narrativa e na jogabilidade no decorrer da jornada, e tudo sem usar nenhuma palavra.
Toda a jornada do gameplay também envolve uma narrativa silenciosa sobre natureza, amizade, conexão e mudanças. Lee Petty, principal responsável pelo game, disse no podcast do Xbox que a ideia do game surgiu durante a pandemia, imaginando um mundo em que a vida seguiria em frente sem os humanos, e isso fica bem claro durante o gameplay.
O jogador explora cenários muito diferentes, encontra criaturas estranhas e lida com ambientes que parecem ter saídos de uma pintura. E tudo isso colabora para montar um mundo psicodélico ameaçado por uma força sobrenatural, e você deve usar o “poder da amizade” para prosseguir.
É importante ressaltar, também, que a duração da campanha é curta, o que faz sentido para um jogo como esse, e não existem muitos segredos escondidos. Ou seja, Keeper é uma experiência a ser vivida e aproveitada de maneira despretensiosa — sem buscar por rejogabilidade ou grandes objetivos e pontuações.
Enquanto o jogo não conta com diferentes espaços de saves, o que seria bem vindo, pelo menos você pode revisitar cada parte do gameplay em capítulos separados, após a conclusão do jogo. Assim, é possível dar um pulo nas suas partes favoritas, seja para revisitar a história ou tirar prints que podem render belos wallpapers.
Um jogo onde você não morre, e tudo está vivo ao seu redor
Um detalhe interessante do gameplay de Keeper é que você não morre, mesmo se tentar. Ainda assim, o gameplay está repleto de ação e vida em todo o canto.
Com câmera fixa em terceira pessoa, o jogo te coloca para explorar o ambiente e resolver quebra-cabeças para progredir. O título não conta com muitas instruções e a interface é bem limpa, dando liberdade para o jogador descobrir o que está acontecendo, como se estivesse explorando uma obra de arte.
Tudo isso vem acompanhado de um level design bem feito e que guia o jogador silenciosamente, principalmente com movimentos de câmera e o ambiente. As ações, normalmente, envolvem usar o foco de luz do farol para interagir com o mundo ao seu redor, além de realizar interações com Ramo, que pode levantar objetos e mover coisas.
A simplicidade do gameplay torna o game perfeito para quem curte experiências mais artísticas e introspectivas, incluindo títulos como Journey e até Stray. No entanto, isso não quer dizer que o jogo é relaxante: com o decorrer da jornada, a jogabilidade muda bastante, seguindo a ideia de “evolução da natureza” da história, e garante diversos momentos cheios de ação e emoção.
Minha única crítica nesta parte fica, justamente, para a câmera. Enquanto a abordagem fixa serve para entregar momentos cinematográficos e ajudar na exploração, ela acaba atrapalhando em momentos com o gameplay mais aberto.
Visual deslumbrante
Na parte visual, Keeper encanta com a seus gráficos psicodélicos e diferenciados. Aqui, as texturas realistas e os múltiplos quadros por segundo são deixados de lado para focar em um estilo artístico marcante.
O jogo surpreende ao trazer criaturas com estilos bem únicos, além de cenários que são quase pinturas. Enquanto o começo do game traz tons mais monótonos, a evolução do gameplay presenteia o jogador com cores vivas e viagens visuais.
Se você achou Psychonauts 2 uma viagem psicodélica, se prepare, pois Keeper dobra esta aposta. Com isso em mente, é válido ressaltar que o jogo claramente não é para qualquer um. No entanto, se você gosta desse tipo de viagem, com certeza vai se divertir no game.
Um lampejo de uma Xbox que não existe mais
Com sua proposta bem diferente, Keeper pode ser considerado um jogo único no catálogo da Xbox Game Studios. O jogo mostra o potencial criativo da Double Fine e marca a realização de uma promessa feita lá em 2019, quando o estúdio foi comprado pela Microsoft para diversificar o catálogo do Game Pass.
No entanto, a tendência é que jogos como esse se tornem cada vez mais raros no catálogo da empresa. O game traz uma proposta autoral e introspectiva, garantindo uma experiência single-player sem igual. No entanto, isso é entregue com gráficos artísticos e um jeito diferente de contar história, o que claramente não conversa “com as massas” que a Microsoft precisa alcançar desde que comprou a Activision Blizzard.
Depois de muitas decisões questionáveis, como fechar a Tango Gameworks após o sucesso de Hi-Fi Rush, estou com receio de a Double Fine ser deixada de lado dentro da Microsoft simplesmente por fazer o que faz de melhor: jogos divertidos e diferentes.
O futuro do estúdio claramente está nas mãos de pessoas com grandes folhas de pagamento, mas tudo que posso dizer para o público é para aproveitar a jornada controlando o farol e o pássaro Remo. Afinal, considerando a conjuntura atual do mercado e da Microsoft, pode ser que a própria Double Fine tenha um encerramento tão poético quanto Keeper — quem jogar até o final, vai entender — mesmo cumprindo o seu papel com maestria.
Vale a pena?
Keeper é, de longe, um dos jogos mais originais de 2025. Sem usar palavras e com um gameplay simples, o game te leva para uma jornada bela e cheia de surpresas, que certamente vai agradar quem curte títulos mais artísticos.
Seu gameplay e história claramente não são para qualquer um, mas se você assina o Game Pass, com certeza vale a pena baixar e dar uma chance ao game, pois ele pode surpreendê-lo com sua temática envolvendo conexão, amizade e natureza. E se você abandonou a assinatura e não quer se arriscar a comprar o jogo com preço cheio, que é de apenas R$ 99, vale a pena deixá-lo em sua lista de desejos.
Com seu estilo único, Keeper é o farol que ilumina um caminho esquecido do Xbox — o de experiências autorais, poéticas e inesquecíveis. Resta agora torcer para quem mais jogos como esse ganhem os holofotes na empresa, algo que, convenhamos, é bem difícil de acontecer a partir de agora.
Nota: 90
Pontos positivos:
- Visual psicodélico e artístico de encher os olhos;
- Narrativa sem palavras, mas cheia de emoção e significado;
- Gameplay simples, mas evolutivo e envolvente;
- Level design inteligente e intuitivo;
Pontos negativos:
- Câmera fixa pode atrapalhar em momentos mais abertos;
- Pode não agradar quem busca ação constante ou histórias longas.
Keeper está disponível para jogar no PC e Xbox Series S e X, incluído no Xbox Game Pass Ultimate. Uma cópia do game para console foi cedida pela Microsoft para a realização desta review.