Nem o bolão mais otimista do fã de Nintendo apostava em um retorno de Kirby Air Ride em pleno 2025. O subestimado jogo de corrida da bolota rosa, lançado para o GameCube há mais de 20 anos, foi criado por Masahiro Sakurai, lendário produtor, em parceria com a HAL Laboratory, principal desenvolvedora dos títulos do mascote.
Quando digo que o retorno era improvável, há motivos plausíveis: a Big N possui outras franquias mais relevantes para reviver no momento e, bem, Kirby Air Ride não foi um sucesso estrondoso, nem de crítica, com média na casa dos 60 em veículos especializados, nem comercial, especialmente quando comparado aos demais exclusivos da empresa. Mas, como dizem por aí: console novo, vida nova.
O Switch 2, ainda com um line-up tímido de jogos first-party, parecia o palco ideal para que Sakurai, hoje um desenvolvedor com mais bagagem, colocasse em prática suas ideias ambiciosas e elevasse a franquia Air Ride ao status que almejou. Buscando alcançar o potencial que a obra original poderia ter atingido nos anos 2000, ele enfim conseguiu criar um game de “corrida”, entre muitas aspas, digno de coexistir com Mario Kart.
DNA de Smash
Kirby Air Riders talvez não seja o jogo que você imagina. Inofensivo à primeira vista, reunindo todo o elenco de personagens fofinhos da série, com destaque para Rick, o hamster gigante de Kirby’s Dream Land 2, Air Riders é puro caos. É sério: as pistas de corrida, coloridas e relaxantes, na verdade são zonas de guerra que rapidamente remetem aos ringues de Super Smash Bros.
O DNA de Super Smash Bros. Ultimate, aliás, a produção mais recente de Sakurai, se manifesta em cada estrutura de Air Riders. Da interface aos inúmeros itens desbloqueáveis, de skins a veículos e cartões de jogador, o código genético do brawler está por todos os cantos, papo de Ctrl C + Ctrl V mesmo. Isso não é ruim; pelo contrário, é uma feliz constatação.
Qualquer semelhança não é mera coincidência. Air Riders não se parece com Smash por acaso: a essência de Sakurai está ali. Como eu dizia, o título não se limita a ser apenas um jogo de corrida com mecânicas próprias e também funciona como um brawler que incorpora elementos de party game nos moldes de Mario Party.
Ficar em primeiro lugar nem sempre vai ser o seu objetivo: destruir mais caixas que o adversário, comer mais PNGs de comida e derrotar um número maior de inimigos são somente algumas das disputas que se pode travar em Kirby Air Riders. Correr, portanto, é só o meio pelo qual você realiza ações, e não o componente central da experiência.
O segredo é sustentar o ritmo de aceleração
O ato de correr, inclusive, é automático: o personagem se move sozinho, e você deve gerenciar o botão de derrapar para acionar o turbo e ganhar velocidade. O pulo do gato é que essa técnica também controla a frenagem, por isso é ideal reservá-la às curvas sinuosas. Em outras palavras, você perde velocidade primeiro para depois disparar o turbo quando a derrapagem é bem executada.
Air Riders não seria um título do mascote rosa se não fosse possível engolir inimigos e se transformar. Os corredores podem sugar animais para arremessá-los nos rivais, tal qual um casco de Mario Kart, ou ainda devorá-los para absorver temporariamente seus poderes. Qualquer ação ofensiva, vale reforçar, garante um boost adicional de velocidade.
O segredo da jogabilidade de Air Riders é manter o jogador sempre em busca de recursos e estratégias para sustentar o ritmo de aceleração. As investidas corpo a corpo, aqui chamadas de giro rápido, são a principal técnica de ataque, mas podem acabar atrasando o jogador se não forem realizadas com precisão.
Ativar o giro rápido, contudo, é meio estranho: é preciso mover o analógico esquerdo rapidamente para os lados, como se estivesse executando um combo de jogo de luta. Estranho no sentido de não ser nada natural para uma ação tão básica, especialmente quando usada no calor do momento. Além disso, pressinto que esse comando será o gatilho de muitos drifts nos Joy-Cons do Switch 2, então é bom já ter à mão o número da garantia do acessório.
Falando em botões, devo ressaltar a simplicidade de Air Riders no controle. Embora ofereça muitas possibilidades durante a jogatina, tudo funciona com pouquíssimos botões: dois, no máximo três. É clichê dizer isso, eu sei, mas é aquele jogo fácil de aprender, ainda que tenha suas nuances, e difícil de dominar se você quiser jogar bem ou em um nível minimamente competitivo no multiplayer.
Antídoto contra o tédio
Ainda sobre os aspectos de gameplay, Air Riders impõe um senso de velocidade e adrenalina altíssimo, funcionando como antídoto contra qualquer sintoma de tédio ou sonolência. Em certos momentos, tudo acontece de forma tão rápida que você mal percebe o que ocorreu, só acompanha com os olhos, num fluxo frenético e hipnotizante que me trouxe boas lembranças dos jogos recentes de Sonic.
Se você, assim como este redator que vos escreve, sofre de cinetose, é recomendável fazer pausas frequentes entre as sessões, sobretudo se estiver jogando em telas maiores. A velocidade, por vezes, prega peças na nossa percepção de movimento, e o balanço da câmera também não ajuda. Que fique registrado: há recursos de acessibilidade para minimizar esse efeito, mas não são muitos.
O level design, por sua vez, é impecável, servindo como vitrine do trabalho artesanal de Sakurai na concepção das pistas inspiradas nos cartões-postais do Planeta Pop. Dos atalhos e rampas aos trechos sobre trilhos, os obstáculos das pistas se renovam a cada curva, tanto no desafio quanto na estética: trata-se de um jogo visualmente aconchegante, em contraste com seu ritmo caótico.
Modos de jogo para todos os gostos
No que tange aos modos de jogo, o Rali Rasante é o mais básico do pacote e representa as disputas tradicionais de corrida. Você pode jogar sozinho, em coop local ou multiplayer, mas não há nada parecido com as copas de Mario Kart, apenas opções mais, digamos, casuais, o que, a meu ver, é um potencial desperdiçado para um game com mapas, karts e personagens tão legais.
Também temos o Vista Aérea, em que é possível se aventurar por corridas em miniatura vistas de cima, ideal para quem deseja um modo menos “bagunça” que os demais. O cardápio ainda inclui o Autoescola, um vasto tutorial que explica todas as mecânicas de maneira bastante didática, dos fundamentos das máquinas rasantes ao uso das habilidades de cópia, sem que as explicações fiquem maçantes.
A Prova Urbana, por sua vez, é vendida como a opção principal de jogatina, situada em um pequeno mundo aberto. A ideia é reforçar sua máquina com itens espalhados pelo cenário, nos moldes de uma arena de batalha, para, ao final, encarar seus adversários numa competição aleatória, seja uma corrida ou um combate direto, repondo qualquer déficit de dopamina que você possa ter.
Por fim, há um modo história nomeado de Pé na Estrada, com direito a cutscenes caprichadas e tudo, bem ao estilo Sakurai. A trama conta as origens de como as máquinas rasantes vieram ao Planeta Pop e revela o poder por trás delas, uma adição interessante para quem gosta da lore dos títulos mais modernos de Kirby.
Levei pouco mais de duas horas para finalizar a minha primeira run na história (um tempo curto, eu sei). Porém, há uma explicação: o game quer que você repita a campanha tão logo a termine, por meio do Novo Jogo+, para desbloquear novas máquinas e percorrer caminhos distintos, uma vez que as fases têm bifurcações e, portanto, mais de um desfecho.
O formato da história lembra a campanha de Super Smash Bros. Ultimate, ainda que o conteúdo seja distribuído de maneira diferente e, aqui, estimule a repetição (e não, não fica parecendo uma forma de inflar superficialmente o tempo de gameplay). A dinâmica é absolutamente viciante: você escolhe um entre três minigames, sobe de nível e usa seus pontos para evoluir atributos específicos do seu kart.
Os minigames, conforme comentei no início deste texto, são curtinhos e têm semblante de party game: é tudo tão rápido e intenso que é difícil enjoar. Como eu disse, não temos só confrontos de corrida. Correr é só uma entre várias opções de jogo que Kirby Air Riders tem a oferecer. Sem surpresas, é louvável o trabalho do mestre Sakurai para tentar diversificar e expandir a experiência desse spin-off.
Antes do veredito, não posso deixar de mencionar o excelente trabalho de localização em português do Brasil. Os textos não só foram bem adaptados como também ganharam voz em uma dublagem acima da média, dando mais emoção às partidas já eletrizantes de Air Riders. Que a Nintendo continue investindo no nosso país, tal como fez aqui, porque o retorno é certo.
Vale a pena?
Misto de corrida e brawler, com um cadinho de party game, Kirby Air Riders preserva a alma do jogo original de GameCube e realça a identidade de Masahiro Sakurai, cuja essência está por todos os cantos, dos menus e desafios inventivos às minúcias de gameplay. Apesar de ser um título com ritmo ligado no 220, existe algo reconfortante na atmosfera positiva e despretensiosa que ele transmite.
Nota: 85
Prós (pontos positivos):
- Ritmo ligado no 220, apesar da vibe reconfortante;
- Despretensioso à primeira vista, mas com mecânicas únicas de gameplay;
- Mistura corrida, brawler e party game no melhor estilo Sakurai;
- Visualmente acolhedor, apesar de caótico na execução;
- Modos de jogo para todos os gostos.
Contras (pontos negativos):
- Poucas opções no modo tradicional de corrida;
- A execução do giro rápido é um convite ao drift do Joy-Con;
- Recursos tímidos para minimizar a cinetose por movimentos rápidos.
Uma cópia de Kirby Air Riders foi gentilmente cedida pela Nintendo para o propósito de análise no Nintendo Switch 2. O jogo está disponível apenas para o novo console da marca.