Uma das simulações virtuais mais realistas do córtex cerebral de um camundongo foi feita por cientistas do Instituto Allen (EUA) e colaboradores de outros países. O modelo digital, processado pelo Fugaku, um dos supercomputadores mais rápidos do mundo, reúne quase dez milhões de neurônios, 26 bilhões de sinapses e 86 regiões interconectadas do cérebro. A simulação replica forma e função do órgão com detalhamento inédito.
O feito abre caminho para “experimentos virtuais” que podem transformar a pesquisa sobre distúrbios cerebrais. Com o modelo, é possível simular digitalmente doenças como Alzheimer e epilepsia para observar como o dano se espalha pelas redes neurais, estudar cognição e consciência ou testar tratamentos de forma segura.
A tecnologia também permite investigar como os problemas começam antes mesmo dos sintomas aparecerem. Isso é algo difícil de capturar em estudos tradicionais.
Supercomputador Fugaku permite simular o cérebro com precisão e escala inéditos
A simulação é uma reconstrução digital de todo o córtex do camundongo, com resolução subcelular. O modelo capta a estrutura real e o comportamento das células cerebrais: os ramos que partem dos neurônios, as ativações das sinapses (contatos minúsculos que transmitem mensagens) e o fluxo e refluxo de sinais elétricos através das membranas.
Além disso, a simulação captura até os fluxos de íons e as flutuações de voltagem dentro dos compartimentos que formam as morfologias neuronais em forma de árvore.
O projeto foi liderado por cientistas do Instituto Allen, em Seattle, e por Tadashi Yamazaki, da Universidade de Eletrocomunicações do Japão.
O trabalho só foi possível graças ao supercomputador Fugaku, capaz de processar mais de 400 quadrilhões de operações por segundo.
Para você ter ideia: contar um número por segundo até chegar a esse total levaria mais de 12,7 bilhões de anos, que é quase a idade do Universo.
O Instituto Allen forneceu a base biológica do cérebro virtual, usando dados reais do Allen Cell Types Database e do Allen Connectivity Atlas.
Para construir a simulação, a equipe usou o Brain Modeling ToolKit e um simulador chamado Neulite, que transformou equações matemáticas em neurônios virtuais capazes de disparar e comunicar.
“O Fugaku é usado para pesquisa numa ampla gama de campos da ciência computacional, como astronomia, meteorologia e descoberta de medicamentos”, disse Yamazaki, em comunicado publicado pelo Instituto Allen.
O investigador do Instituto Allen, Anton Arkhipov, completou: “Isto mostra que a porta está aberta. Podemos executar este tipo de simulações cerebrais de forma eficaz com poder computacional suficiente”.
Cientistas podem testar novas terapias e buscar a cura de doenças em ambiente digital
Pesquisadores podem usar o modelo para investigar como distúrbios neurológicos se formam, como as ondas cerebrais contribuem para a atenção e como as convulsões se movem pelas redes neurais, por exemplo.
A simulação é uma ferramenta poderosa para entender doenças como epilepsia e Parkinson. E como esses problemas podem surgir antes mesmo de os sintomas aparecerem. Antes, essas questões só podiam ser investigadas usando tecido cerebral real, um experimento de cada vez.
O modelo digital permite estudar a interação entre as áreas do cérebro mantendo os detalhes da atividade dos neurônios, algo muito limitado quando se analisa um animal vivo enquanto realiza tarefas.
Segundo Diego Szczupak, professor da Universidade de Pittsburgh, o trabalho do Instituto Allen é “impressionante”. Isso porque simulações cerebrais costumam envolver milhares ou dezenas de milhares de sinapses, não bilhões.
“O melhor que a gente consegue [com análise em animal] ainda é muito limitado hoje em dia comparado com simular todos os neurônios de um cérebro”, explica o professor, segundo o jornal Folha de S. Paulo.
O objetivo de longo prazo é construir modelos de cérebros inteiros, chegando eventualmente a modelos humanos. Cientistas estão numa nova era na qual entender o cérebro significa, quase literalmente, ser capaz de construir um.
Arkhipov define o feito como “um marco técnico que nos dá confiança de que modelos muito maiores não são apenas possíveis, mas alcançáveis com precisão e escala”.
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Ainda assim, o professor Szczupak destaca que não é possível reproduzir a realidade de maneira total nos modelos. Outras limitações incluem a falta de variabilidade de anatomias e a falta de plasticidade do órgão (conceito relacionado às mudanças sofridas pelos neurônios e outros elementos que compõem o cérebro, mesmo após sua formação).
Yamazaki reconhece o desafio. “É um feito técnico, mas é apenas o primeiro passo”, disse. “Deus está nos detalhes, então [também está] nos modelos detalhados biofisicamente, eu acredito.”
Assista abaixo um vídeo (acelerado) da simulação do córtex cerebral de um camundongo:
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