Uma gasta, a outra guarda: como árvores irmãs enfrentam secas na África

Na savana africana, duas árvores irmãs encontraram jeitos opostos de enfrentar a seca. Enquanto uma gasta toda a água que consegue e acelera o crescimento mesmo sob o sol escaldante, a outra reduz o ritmo, fecha as folhas e tenta resistir o máximo possível. Agora, cientistas descobriram que essa diferença de comportamento está escrita nos próprios genes dessas plantas.

Pesquisadores das universidades Wake Forest e Ohio State analisaram, pela primeira vez, como o DNA de duas espécies de acácia reage quando falta água. A Vachellia tortilis, conhecida como acácia-sombrinha, e a Vachellia robusta, a acácia-espinheira-esplêndida, mostraram estratégias genéticas completamente diferentes para sobreviver. 

O estudo, publicado na revista The Plant Journal, ajuda a entender como as árvores mais icônicas da África se adaptam à seca. E o que isso pode dizer sobre o futuro das savanas num mundo mais quente e árido.

Duas árvores, dois modos de sobreviver à seca na África

A pesquisa revela que, sob o mesmo sol e a mesma falta de chuva, cada acácia segue um caminho próprio para continuar viva. O estudo acompanhou o comportamento genético das duas espécies durante 43 dias de seca controlada, identificando quais genes são ativados e desativados à medida que a água se torna escassa.

Os cientistas desenvolveram uma técnica inédita para observar essa reação em tempo real. E descobriram que, embora as duas árvores usem os mesmos sistemas biológicos para lidar com o estresse, cada uma faz isso à sua maneira

A tortilis “gasta tudo” para crescer rápido e depois entra em modo de espera; a robusta “segura” seus recursos e tenta manter o equilíbrio até a volta da chuva.

As estratégias genéticas: a gastadora e a muquirana

Na savana, onde a seca pode durar meses, cada espécie precisa escolher uma estratégia para sobreviver. No caso das acácias estudadas, a diferença é radical.

Enquanto uma “gasta tudo” logo no início, a outra “economiza” para durar mais. O contraste aparece tanto no comportamento das árvores quanto no modo como seus genes reagem à falta d’água.

Vachellia tortilis – a acácia-sombrinha, que “vai com tudo”:

  • Adapta-se a regiões mais áridas, onde a chuva é rara e imprevisível;
  • Mesmo com pouca água, mantém a fotossíntese e o crescimento – como se tentasse aproveitar cada gota antes que o solo seque;
  • Quando a seca se intensifica, “desliga” parte do metabolismo e entra em um tipo de hibernação temporária, até que volte a chover;
  • Durante o experimento, apresentou 285 genes reativos, com queda acentuada na atividade fotossintética e no controle do estresse oxidativo;
  • Quase 95% desses genes reduziram a atividade de forma contínua, sinal de desligamento gradual do organismo para economizar energia;
  • É uma estratégia de “evitação passiva”: crescer rápido, gastar tudo e esperar o próximo ciclo de chuva.
A acácia-sombrinha “gasta tudo” para crescer rápido e depois entra em modo de espera (Imagem: Robur.q/Wikimedia Commons)

Vachellia robusta – a acácia-espinheira-esplêndida, que resiste até o fim:

  • Vive em zonas mais úmidas, onde as chuvas são frequentes, mas também pode enfrentar períodos curtos de seca;
  • Em vez de acelerar, reduz o ritmo e conserva água, mantendo a fotossíntese em níveis estáveis por mais tempo;
  • No experimento, ativou 660 genes, mais que o dobro da tortilis – e 73% deles aumentaram de atividade, sinal de um esforço ativo para resistir ao estresse hídrico;
  • Mesmo sob seca moderada, continuou regulando proteínas que controlam energia, açúcares e radicais livres, adiando ao máximo o colapso celular;
  • Só nas fases finais da seca começou a desacelerar, convergindo com a tortilis quando o estresse se tornou extremo;
  • É uma estratégia de “resistência ativa”: lutar até o fim, economizando recursos para atravessar a estiagem.
A acácia-espinheira-esplêndida “segura” seus recursos e tenta manter o equilíbrio até a volta da chuva (Imagem: JMK/Wikimedia Commons)

Segundo o biólogo James Pease, da Ohio State University, “a acácia-sombrinha não economiza: ela vai com tudo, tenta crescer e capturar carbono até o limite. Quando a água acaba, deixa a parte aérea morrer e tenta de novo na próxima estação”. Já a robusta, explica, “prefere segurar a água e preservar o que tem, em vez de gastar tudo de uma vez”.

O experimento: 43 dias de seca em laboratório

Para entender essas estratégias, os pesquisadores cultivaram mudas das duas espécies em condições controladas. Durante pouco mais de seis semanas, parte das plantas foi mantida irrigada e outra parte ficou completamente sem água. 

A cada estágio (antes, durante e depois da seca), os cientistas coletaram folhas para observar como os genes reagiam à falta de umidade, medindo a atividade de milhares de sequências genéticas. 

Foram analisados 80 conjuntos de dados de RNA, que mostram, em tempo real, quais genes “ligam” e “desligam” à medida que o estresse hídrico avança.

O diferencial do estudo foi o uso de uma técnica inédita, chamada Reação Gênica Diferencial (DRG), criada especialmente para este trabalho. Ela permite comparar a variação de cada gene ao longo do tempo em plantas com e sem irrigação, filtrando as mudanças naturais do crescimento. 

Essa abordagem revelou o momento exato em que as árvores mudam de comportamento – quando deixam de crescer para resistir – e abriu caminho para entender como as plantas tropicais podem se adaptar às secas prolongadas.

Leia mais:

Ok, mas e daí? Genética, seca e futuro da savana

As duas acácias representam respostas opostas, mas complementares, à escassez de água. E ajudam a explicar como a savana africana consegue se manter viva em meio a variações climáticas extremas. 

As duas espécies de acácia analisadas pelo estudo trazem respostas opostas, mas complementares, à escassez de água da savana africana (Imagem: k.z/Shutterstock)

Com o avanço das mudanças climáticas e a previsão de secas mais longas e irregulares na África, entender essas respostas genéticas se torna essencial. 

Espécies com perfil “gastador” podem sofrer mais em períodos prolongados de estiagem, enquanto as “conservadoras” tendem a se tornar dominantes. Isso pode alterar a distribuição das plantas e, consequentemente, o equilíbrio dos ecossistemas. 

O estudo, além de desvendar a biologia das acácias, oferece uma nova ferramenta para investigar como as árvores ajustam seu próprio genoma para sobreviver.

O post Uma gasta, a outra guarda: como árvores irmãs enfrentam secas na África apareceu primeiro em Olhar Digital.

Related posts

PlayStation: jogos para PS4 e PS5 com até 90% OFF na PS Store

Rússia confirma testes bem-sucedidos de novo drone nuclear submarino

Top 7 melhores celulares Samsung para comprar em 2025