Vou ser direto: existe uma ilusão coletiva de que tecnologia, sozinha, resolve problemas. Parece que basta “colocar um sistema”, “instalar um software” ou “implantar uma inovação” que os erros desaparecem e tudo vira eficiência. Mas isso não é verdade — e o VAR é um exemplo perfeito.
Quando o árbitro de vídeo foi anunciado, venderam a ideia de que todos os problemas seriam resolvidos, sem discussões, sem erro, sem polêmica. A tecnologia estava chegando para “corrigir a falha humana”. E, na prática, fazia todo sentido: o juiz poderia recorrer ao vídeo e analisar o replay sob vários ângulos e com apoio de outros árbitros. A chance de errar seria quase zero.
Na prática, o que aconteceu foi o contrário. A partir da tecnologia, ao invés de resolver problemas antigos, criaram novos problemas. Toda rodada tem um problema. Jogos decisivos são interrompidos por cinco, seis, oito minutos. Tem revisão, re-revisão, linha de impedimento torta, narrador duvidando, treinador indignado, torcida revoltada e, no fim… erro. Ou pelo menos, mais dúvida do que antes. As pessoas brigam com a imagem.
O que fica claro? A tecnologia não resolveu o problema — só mudou a forma do problema aparecer. Porque a questão nunca foi somente a existência ou não de uma ferramenta. A questão sempre foi competência e cultura, para ficar no campo das coisas lícitas. Não adianta colocar uma câmera, um sistema, um algoritmo ou uma inteligência artificial se quem está operando tudo isso não tem preparo, clareza de critérios, capacidade de análise ou responsabilidade para decidir.
É exatamente o que acontece nas empresas. Todos dizem que querem modernizar processos, acelerar decisões, ganhar escala. Aí investem em automação, CRM, chatbot, BI, ERP, plataforma disso, ferramenta daquilo. Mas sem preparo humano, a tecnologia vira exatamente o oposto do que prometia ser: vira travamento, vira ruído, vira custo, vira burocracia.
Não é raro ver empresas que “digitalizaram” e ficaram mais lentas. Que implantaram sistemas e ficaram mais confusas. Que investiram caro e passaram a viver em reuniões para tentar entender por que a tecnologia não está “rodando”. Oras, é simples: tecnologia não faz milagre. Ela só amplifica o que já existe. Se a empresa é desorganizada, vai virar uma bagunça digital. Se a liderança não sabe o que quer, a ferramenta não vai decidir sozinha. Se o time não foi treinado, o software não vai tomar boas decisões. Só vai gerar relatórios bonitos com interpretações ruins.
Tecnologia mal aplicada cria uma nova camada de complexidade. Gente usando ferramenta pela metade. Dados sem contexto. Sistemas que não conversam entre si. Decisões lentas porque “precisamos ver no sistema”. E pronto: aquilo que entrou para facilitar começa a atrapalhar. Bem-vindo ao mundo da tecnoburocracia — quando a inovação vira papelada digital.
No fundo, a história é simples: toda tecnologia é uma ferramenta. E ferramenta nenhuma resolve problema estrutural quando colocada na mão errada. Martelo na mão de marceneiro constrói móvel. Martelo na mão errada quebra parede. O VAR está aí para provar. A tecnologia não garante justiça, eficiência ou progresso. Quem garante isso são as pessoas capazes de usá-la com competência, método e responsabilidade.
Inovação boa não começa com tecnologia — começa com gente bem preparada. Esse é o jogo. Quem não entender isso vai continuar culpando o sistema enquanto perde por erro próprio.