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Pulsares de Milissegundos – Personagens Sombrios do Enredo Cósmico

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Se nosso Universo fosse uma série, sem dúvida seria uma de nossas favoritas. Uma trama rica em personagens intrigantes e reviravoltas inesperadas. Teríamos estrelas gigantescas, planetas misteriosos e galáxias majestosas, cada uma representando seu papel na narrativa cósmica. Mas o papel de grande vilão, certamente seria muito bem desempenhado por um  pulsar de milissegundo. Um personagem sombrio, misterioso, intenso e antagonista nas mais aterrorizantes cenas deste enredo cósmico.

Os pulsares são estrelas de nêutrons remanescentes de uma explosão de supernova. Desde que foram observados pela primeira vez em 1967, eles atraem a atenção de rádio-astrônomos de todo mundo por sua característica peculiar de emitir pulsos regulares de radiofrequência. É verdade que isso levou muita gente a acreditar que essas emissões eram uma tentativa de comunicação de uma civilização alienígena. Mas o que a Ciência comprovou é que esta história não seria uma ficção científica do Steven Spielberg, e sim uma novela dramática repleta de traições e reviravoltas e com o vilão se dando bem no fim. 

No final de sua vida, quando uma estrela com massa um pouco maior que a do Sol deixa de produzir a energia que se contrapõe à gravidade, ela acaba colapsando. Em poucos segundos, toda a estrela cai vertiginosamente sobre si mesma, comprimindo o núcleo de tal forma, que o elétrons dos seus átomos constituintes se fundem com os prótons formando nêutrons. A energia gerada nesse processo desencadeia uma grande explosão, num dos eventos mais energéticos do Universo, chamado de “supernova”. Uma supernova lança no espaço uma imensa quantidade de matéria e deixa para trás apenas um núcleo ultra-compacto formado pelos nêutrons resultantes da compressão final, a que chamamos de estrela de nêutrons.

Veja que no último episódio dessa temporada, a morte da estrela gerou um novo personagem para esta série espacial. E a estrela de nêutrons é um personagem intrigante, cuja complexidade é definida nos últimos momentos de vida da estrela original. Quando colapsa, a estrela mantém o seu momento angular. Isso significa que, quanto mais ela se comprime, mais rápido ela gira. É o mesmo fenômeno que faz com que uma bailarina gire mais rápido quando contrai os braços. 

Mas nesse caso, a estrela original com milhões de quilômetros é comprimida para uma esfera com apenas 20 a 25 km de diâmetro e, consequentemente, a sua rotação cai de alguns dias para algo em torno de 1 segundo. O campo magnético original concentrado na estrela de nêutrons interage com os gases e os elétrons remanescentes na superfície, lançando no espaço um intenso fluxo de partículas e radiação que, dependendo da posição do espectador, pode ser visto como uma transmissão alienígena, emitindo pulsos regulares de sinal de rádio. 

Grande parte desse roteiro já havia sido previsto pela Ciência antes mesmo da observação do primeiro pulsar. Mas os cientistas ficaram intrigados quando perceberam que alguns pulsares giram muito mais rapidamente do que previam seus modelos matemáticos, chegando a várias centenas de rotações por segundo. Isso poderia ser explicado se o pulsar tivesse uma companheira transferindo momento angular para ela, mas ao olhar para esses pulsares, eles pareciam estar sozinhos. E foi ao tentar entender as causas dessa rotação acelerada, que os cientistas acabaram revelando o passado sombrio dos pulsares de milissegundo. 

A história começa  com o nascimento da estrela original, que não veio só. Na infância, nossa personagem tinha uma irmã gêmea.  Como Ruth e Raquel, uma era boazinha, tinha uma massa semelhante a do Sol e a outra era maior, mais massiva e mais quente. Nós sabemos como terminam as estrelas mais massivas no Universo… Depois de consumir rapidamente todo seu combustível, nossa insaciável irmã malvada, acabou explodindo em uma supernova e dando origem a um pulsar. 

Enquanto a outra irmã, seguiu sua vida calma e estável por bilhões de anos, o pulsar resultante da supernova perdeu energia e se resfriou. Parecia que a vilã estava morta. E de fato estava, mas depois de um longo período de calmaria na família, uma surpreendente reviravolta acontece. 

Ao envelhecer, estrelas com massa semelhante ao Sol, se expandem, tornando-se uma gigante vermelha. E quando se expande, nossa inocente estrela acaba alimentando o cadáver de sua irmã morta com parte de sua matéria. Além de aquecer novamente a estrela de nêutrons, essa matéria extra, incrementa seu momento angular, fazendo com que ela gire ainda mais rápido. E nesse momento, a vilã da história retorna à vida, como o Darth Sidious em Star Wars. Só que agora, a estrela de nêutrons ressurge como um “pulsar de milissegundo”. Um vilão mais poderoso, mais rápido, e bem mais cruel que em sua vida anterior.

[ “Inchada”, a gigante vermelha acaba perdendo parte de sua matéria para a estrela de neutrons, o que incrementa sua velocidade radial e reativa o pulsar adormecido – Imagem: Dana Berry/NASA Goddard Space Flight Center ]

Aos poucos, esse Hannibal Lecter das estrelas vai canibalizando sua própria irmã que lhe trouxe de volta à vida, até reduzi-la ao tamanho de um planeta. Sem ter gravidade suficiente para produzir a fusão atômica em seu núcleo, nossa protagonista morre e ainda tem seus restos mortais varridos para a imensidão do espaço pela intensa radiação produzida pela fúria da nossa estrela zumbi.

Esta história aterrorizante conta como surgem muitos desses monstros cósmicos, os pulsares de milisegundo. Mas nem todos eles nascem da mesma maneira. Estudando aglomerados estelares, os astrônomos perceberam que existe uma concentração bem maior deste tipo de pulsar nestes aglomerados que no restante da galáxia. A explicação é que, em aglomerados densos, nossa vilã pode incorporar a Nazaré Tedesco, se infiltrar em um sistema binário sequestrar uma das estrelas e expulsar a mais leve, permanecendo por milhões ou até bilhões de anos aguardando o momento de revelar sua verdadeira face do mal. Quando a outra estrela envelhece e expande, sua sequestradora inicia seu “plano maligno”. Como no caso anterior, ela rouba parte da massa de sua companheira, retorna à vida e aos poucos vai aniquilando a pobre estrela. 

[ Diagrama que mostra como um pulsar de milissegundo pode se formar – Imagem: B. Saxton, NRAO/AUI/NSF ]

E o final feliz? Bom, no fim, todo pulsar de milissegundo, o supremo vilão da história, ainda vai viver ativamente, e sozinho, por centenas de milhões, ou até bilhões de anos, graças à matéria que ele roubou de sua irmã. Nas histórias do Universo, não existem finais felizes, apenas a fantástica, intrincada e intensa trama sideral, que nós temos o privilégio de poder acompanhar deste pacato e seguro camarote da nossa imensa arena cósmica. 

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