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Chips são o novo petróleo

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Ao longo da história, a humanidade travou diversos conflitos motivada pelo apetite a recursos e commodities. O domínio da terra, da água, da produção de açúcar e do comércio de temperos são alguns dos exemplos que ditaram a ordem mundial. O petróleo, depois de entrar plenamente em cena após duas revoluções industriais e um par de guerras na primeira metade do século XX, parece ter redefinido a santidade das commodities ao subordinar a economia mundial aos seus desdobramentos.

Só que não para por aí: essa mudança veio acompanhada de um desenvolvimento tecnológico nunca visto. E num mundo digital e que cada vez mais respira tecnologia como o de hoje, um componente passa a ser o mais recente disruptor do cenário geopolítico para bancar nossa sede por inovação e desbancar a influência petroleira: os semicondutores.

Primeiro, é importante ressaltar que os semicondutores (ou chips) não são só mais um componente estratégico ou uma simples commodity. Os semicondutores são indiscutivelmente uma das maiores revoluções da humanidade nos últimos dois séculos. Eles basicamente são o cérebro de tudo que é considerado moderno ou mesmo eletrônico – seja um carro, avião, supercomputador ou a próxima geração de praticamente tudo que exija qualquer tipo de processamento. Não é à toa que o Vale do Silício leva esse nome – o material é o mais abundante da terra para fabricação de chips e é o principal elemento que possibilitou a Apple, Microsoft, Google e Amazon figurarem entre as maiores empresas do mundo.

Segundo, como as commodities, a dominância de alguns governos sobre a indústria de chips costuma dar vantagens políticas formidáveis frente a outros países. A escalada de tensões comerciais entre China Estados Unidos, por exemplo, travou boa parte dos seus embates no campo dos semicondutores. Não faltam exemplos dessa influência, sendo que a mais recente consistiu em uma ameaça do governo americano de fechamento das fábricas chinesas de semicondutores caso violassem as sanções de comércio impostas contra a Rússia.

Terceiro e mais importante, a produção de chips possui uma alta concentração geográfica – que desafia a própria lógica de um mercado tão estratégico. A Taiwan Semiconductor Manufacturing Company (TSMC), a maior produtora de chips do mundo, por exemplo, morde 51% do mercado de semicondutores global. A história é ainda mais impressionante quando abrimos o market share por faixa nanométrica – que basicamente divide os chips por tamanho (medido em nanômetros), separando o estado da arte da tecnologia versus os chips já ultrapassados. Isso significa dizer que quanto menor o tamanho do semicondutor, maior o seu poder de processamento.

E falando em estado da arte, quem domina a faixa dos 10 a 5 nanômetros, hoje, tem nas mãos o futuro da computação de alto desempenho. E nesse quesito, a TSMC possui nada menos que 90% de share do mercado, um número que a coloca não só no topo do desenvolvimento tecnológico, mas também no centro do palco político que dita o ritmo das coisas. Empresas como Apple, Qualcomm, Nvidia, AMD e Intel são os principais clientes da TSMC, deixando pouco espaço para duvidar do poder de barganha da empresa à nível de oferta e de preço.

Aqui, vale falar um pouco mais de história, já que a TSMC e a formação do seu país se confundem. A empresa é sediada em Taiwan – nome do estado que reúne o arquipélago das ilhas Formosa, exprimido entre a costa da China, as Filipinas e o Japão. O nome que naturalmente conhecemos é uma formalidade ocidental, já que o país se denomina oficialmente como República da China (ROC).

É aí que a coisa se complica: a origem dessa distinção remete à revolução chinesa e a instauração do comunismo no país na década de 40, que expulsou o então governo democrático para as ilhas que hoje compõem o país. O território, no entanto, seguiu como motivo de disputa: o próprio governo da ROC (Taiwan) se reconhece até hoje como controlador de toda a China continental – uma opinião que não é compartilhada com a ONU desde 1949, quando a República Popular da China (comunista) foi reconhecida internacionalmente como país. Desde então, Taiwan não pode ser reconhecida como território soberano e independente, já que os sistemas políticos competem pelo mesmo território.

Para agregar um pouco mais de complexidade à situação geopolítica do país, a China frequentemente flerta com ameaças à independência de Taiwan. O governo de Beijing já afirmou que uma unificação do território com a China é inevitável, ao mesmo tempo que aumentou a atividade militar na região após a última eleição do governo taiwanês, que defende com todas as forças a independência do território. Essas manobras políticas se assemelham aquelas que antecederam o assalto russo na Ucrânia, sendo que a grande diferença aqui é que uma invasão chinesa no território teria implicações gigantescas para a ordem mundial, dando a China uma influência tecnológica sem precedentes.

Como na época da corrida pelo petróleo, a guerra dos nanômetros é uma empreitada ambiciosa que já dá sinais claros de que tem o poder de ditar os rumos da nova ordem mundial num ritmo nunca antes visto.

Gustavo Nolla é analista de Investimentos da Catarina Capital.

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